'Climão terrível': eles souberam de demissão em app da carteira de trabalho
Em um dia de novembro de 2023, Mateus, 29, checou o telefone antes de sair para trabalhar. A surpresa é que tinha uma notificação diferente do app Carteira de Trabalho Digital. Estava escrito: "Mateus, foi incluído um registro de desligamento/rescisão na sua Carteira de Trabalho Digital".
Mas como, se ninguém tinha falado nada para ele?
"Fui para o trabalho e ninguém sabia o que havia acontecido. Aparentemente, alguém do RH lançou antes de me avisar e ficou um climão terrível", disse em conversa com Tilt.
Já na empresa, ele mostrou o print para a gerência e só então foi oficialmente comunicado da sua demissão.
'Falaram que foi um erro do app'
O caso é curioso, mas não é único. Nas redes sociais, há relatos de outras pessoas que dizem que ficaram sabendo da demissão pelo app Carteira de Trabalho Digital antes de terem sido comunicadas oficialmente pela empresa.
A prática pode render um processo por danos morais contra a companhia pela falta de transparência.
A analista de CRM Marcia Nishiyama, 39, foi enrolada por quase uma semana no início do ano. Ela recebeu a notificação de demissão no app numa sexta-feira de janeiro.
Passou o fim de semana e foi trabalhar na segunda, pois achou que era um engano. Houve até conversa sobre plano de carreira, mas, no fim das contas, foi oficialmente comunicada na sexta.
"Falaram que foi um erro no app, mas em nenhum momento mudou a anotação na minha carteira."
A publicitária Ágatha Rosa, 32, recebeu a mensagem em 2021 e também achou que era engano, pois tinha visualizado notificações recentes do app sobre mudança de cargo e salário. Aí, foi perguntar para a responsável pelo administrativo se ela tinha sido mesmo demitida. Em vez de responder, a pessoa ficou sem reação e disse que não sabia o que estava acontecendo.
"Só fiquei sabendo da demissão quando o dono me chamou e disse que eu estava sendo desligada. Ele me pediu desculpas e informou que foi um 'erro do pessoal do escritório'", afirmou Ágatha.
Eu era apenas um botão de 'contratada/desligada' e tão desconsiderada que me desligaram antes mesmo de me informar pessoalmente da demissão. A empresa se dizia humana, mas deixa 'robôs' informarem o futuro profissional da funcionária.
Ágatha Rosa
Qual o problema de saber da demissão por notificação?
Não existe na lei trabalhista um ritual em definitivo de como se deve demitir uma pessoa, mas o princípio básico da relação de trabalho deve ser a transparência. Atualmente, por exemplo, tem pessoas que trabalham de forma remota, então a demissão pode ocorrer a distância, mas o comum é que haja algum tipo de conversa para comunicar o desligamento.
A questão é que a comunicação via notificação no app Carteira de Trabalho Digital acaba "passando do razoável", segundo Aloisio Costa Junior, especialista em direito do trabalho e sócio do escritório Ambiel Advogados. "O erro foi terem lançado antes de falarem com a pessoa."
É a mesma coisa que eu pegar a carteira de trabalho da gaveta do empregado, anotar a dispensa e guardá-la de volta, apenas dizendo: 'estou te devolvendo'. Ao pegar o documento na gaveta, ele nota a mudança e diz: 'que história é essa?'
Aloisio Costa Junior, especialista em direito do trabalho
Esse tipo de comunicação de dispensa, diz o advogado, pode render um processo por danos morais. Por mais que não exista um "ritual definido", o trabalhador tem de ser avisado e o processo de anotação na carteira não precisa ser feito no dia da dispensa — o empregador tem até 10 dias úteis para fazer isso depois do desligamento.
Procurado por Tilt, o Ministério do Trabalho enviou uma nota dizendo que a "anotação da CTPS digital em si" não pode ser considerada uma forma de informar o trabalhador da demissão, pois ele "pode não ter sido notificado ou acessado o aplicativo para tomar conhecimento".
O órgão ressaltou ainda que "é altamente recomendável, em nome da segurança jurídica e da transparência que deve reger as relações de trabalho, que a comunicação da demissão seja realizada por escrito".
Valor de processo para danos morais no âmbito trabalhista
Desde a reforma trabalhista de 2017, há alguns parâmetros de condenação para esses casos. Tudo depende do julgamento do dano causado à pessoa, explica o especialista. Existem quatro gradações: leve (que dá direito a uma indenização de até 3x o último salário da pessoa), média (até 5x), grave (até 20x) e gravíssima (50x).
Nos casos descritos, o advogado diz que poderiam ficar entre leve e média, gerando, portanto, uma indenização até cinco vezes o último salário da pessoa que ficou sabendo da demissão pelo aplicativo.
No entanto, dependendo do entendimento do juiz, pode ultrapassar esse "tabelamento" previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de junho de 2023 definiu que o tabelamento de dano moral na CLT, baseado no último salário, não é "teto para indenizações".