'Se entrar, vai ver fuzil': como moto por app age com milícia no Rio
A cidade do Rio de Janeiro tem apps de carro (como 99 e Uber) com opções de transporte de moto há pouco mais de um ano, mas como funciona o acesso de motos em áreas dominadas pelo tráfico de drogas ou milícias?
Por que transporte por motos 'bomba' no Rio?
Uber Moto e 99Moto chegaram ao Rio de Janeiro no final de janeiro de 2023. De modo geral, as corridas de moto por aplicativo são de 25% a 30% mais baratas que as feitas por carros.
Cidade tem tradição de mototáxi. O transporte por motos é muito comum em cidades do Nordeste. Com migração para o Rio, explica Krishna Ramaciote, presidente do Sindicato dos Mototaxistas do Rio, muitos passaram a querer esse forma de locomoção. "Começou incipiente por volta de 2007 e passou a ter um crescimento evolutivo entre 2012 e 2015 —nessa época, quase todas as comunidades já tinham o serviço", explicou.
Em comunidades, com caminhos íngremes e muitas vezes pequenos, a moto consegue superar facilmente esses obstáculos.
Segundo Marcus Quintela, diretor da FGV Transportes, a cidade tem um problema sistêmico de transporte público, com pouca capilaridade, baixa frequência e problemas de transferência entre diferentes modais.
Se o Estado não te oferece um serviço, as pessoas buscam formas alternativas. Isso explica porque é tão comum ter serviço de mototáxi ou vans clandestinas na cidade. Marcus Quintela, diretor da FGV Transportes
Como sobrevivem em áreas dominadas
Em áreas dominadas pelo tráfico de drogas ou por milícia, esses prestadores de serviço por aplicativo não podem entrar.
Em conversa com motociclistas no Rio, eles alegam que não é possível chamar nem colocar como destino zonas consideradas perigosas pelo app. "Mesmo assim, se eu conheço o lugar, escondo o celular e deixo a pessoa", disse um profissional que não quis se identificar.
A regra para boa parte dos condutores é deixar o passageiro até um ponto seguro —geralmente na entrada da comunidade— e a partir daí, se a pessoa precisa subir o morro, por exemplo, contratar o serviço de mototáxi local. Estes são autorizados por traficantes ou milicianos.
Temos áreas da cidade em que o app não funciona e que chamamos de zonas vermelhas. São áreas geralmente controladas pelo tráfico ou milícias. Os locais também são proibidos para carros. Não entramos nessas áreas e mantemos contato com as autoridades sobre o assunto. Luis Gamper, diretor de duas rodas na 99
Gamper, da 99, explica que esses locais são definidos por um departamento de segurança que faz monitoramento dessas áreas e se comunica com o poder público.
Zona vermelha não é uma avenida onde tem muito roubo de celular. É um lugar que, se você entrar, vai ver fuzil e tiroteio. É outro nível de violência, e para a gente não faz sentido fazer negócio nesses locais. Mantemos contato com a polícia e se local vai ficando mais seguro, voltamos. Luis Gamper, diretor de duas rodas da 99
Questionado, o executivo não revelou claramente as áreas de zona vermelha no Rio de Janeiro.
Da parte da Uber, a empresa diz que "pode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos". Além disso, companhia fala que usa tecnologia para "ajudar a identificar riscos com base na análise de milhões de viagens realizadas por meio do aplicativo".
Segundo motociclistas, Rocinha e Vidigal são locais impossíveis de se entrar. Se tentar, há risco de "levar esculacho" dos administradores locais.
Apesar de isso ser comum no Rio de Janeiro, Gumper comentou que há zonas vermelhas em outras cidades pelo Brasil.
Outro app que tem avisos de zonas perigosas é o Waze. O aplicativo, inclusive, tem uma mensagem em seu site dizendo que tem "alertas de alto risco em regiões limitadas do Rio de Janeiro" e em Israel, que está em conflito com o grupo Hamas. Em 2016, um italiano foi morto no Rio após seguir direções indicadas pelo aplicativo, que sugeria entrar em uma comunidade para cortar caminho.
*Jornalista viajou ao Rio de Janeiro a convite da 99