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Foragidos do 8 de Janeiro: é fácil se livrar de tornozeleira eletrônica?

Gilberto Ackermann, pessoa investigada por ataques golpistas após as eleições de 2022 Imagem: Gilberto Ackerman/Reprodução/Redes sociais/08.jan.2023

De Tilt*, em São Paulo

14/05/2024 15h42

Ao menos dez condenados ou investigados por participarem dos ataques golpistas às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro do ano passado, quebraram suas tornozeleiras eletrônicas e fugiram do Brasil.

Pelas leis brasileiras, a destruição da tornozeleira e a fuga não aumentam a punição, mas o fugitivo perde o direito ao regime aberto e volta ao semiaberto ou fechado. Por outro lado, facilitar a fuga é crime punível com seis meses a dois anos de detenção.

É fácil se livrar da tornozeleira?

Não. O processo de arrancá-la não é simples e a polícia é avisada instantaneamente sobre tentativa. A tira do equipamento que envolve o tornozelo é resistente, difícil de ser rompida e existe um lacre de segurança. Dentro dela há um cabo de fibra óptica, que emite um sinal o tempo todo. Se ele for rompido, a central de monitoramento é avisada na hora e a pessoa é considerada foragida.

Mesmo em área sem cobertura móvel, ela é detectada. Caso o preso tente "dar uma fugidinha", a tornozeleira continua coletando e armazenando dados, para enviá-los quando houver acesso novamente.

Mesmo sem bateria é possível rastreá-la. Deixá-la "morrer" não funciona e é considerada uma violação. Com o GPS sempre ligado e a transmissão contínua de dados, o consumo de bateria é alto, parecido com o de um smartphone, com duração estimada em 24 horas. Uma das obrigações do preso é recarregá-la, por meio de um cabo longo. Quando a bateria chega a apenas 25% da carga, há avisos: um bipe e uma vibração a cada 10 minutos, inicialmente, e a cada cinco minutos mais perto de se desligar.

Como ela funciona?

Presa ao tornozelo por uma tira de borracha, ela tem um senso GPS e um modem. O primeiro determina a localização da pessoa, via satélite, e o segundo transmite os dados, criptografados, para a central de monitoramento, via sinal de celular. Tanto o aparelho como o serviço de acompanhamento são fornecidos por empresas privadas, contratadas pelos governos estaduais. Essas companhias possuem funcionários que acompanham em uma tela cada passo dado por quem usar o acessório.

Cada tornozeleira é programada com "áreas de inclusão" previamente definidas. Ou seja, regiões em que os presos podem ir, de acordo com a pena. Alguns não podem sair de casa, outros podem ir ao trabalho e voltar, até um determinado horário. As regiões que não contemplam as penas são incluídas na "área de exclusão" do sistema. Se alguém vai até onde não poderia, ou sai de casa fora do horário permitido, um alarme soa na central de monitoramento. A central pode então enviar um contato sonoro de alerta pela própria tornozeleira, fazer uma ligação para solicitar o retorno (a pessoa pode explicar ser uma emergência, como uma ida ao hospital) ou ainda comunicar a Polícia Militar, se não houver retorno.

Por que ela existe?

A tornozeleira eletrônica foi regulamentada como uma medida para diminuir a superlotação das penitenciárias. Além disso, também ajuda a reduzir gastos do sistema prisional, já que os investigados/condenados poderiam ficar em prisão domiciliar e serem monitorados 24 horas por dia. Com os anos, ela passou a ser cada vez mais utilizada no regime semiaberto também.

Os gastos com tornozeleira giram em torno de R$ 300 mensais. O valor varia de estado para estado. Enquanto isso, cada detento custa aos cofres públicos cerca de R$ 2 mil por mês.

Quem pode usar a tornozeleira?

O equipamento pode ser direcionado para:

pessoas indiciadas por um crime, mas que ainda não foram julgadas.

presos em progressão de pena ou liberdade condicional.

pessoas que tenham de respeitar alguma restrição de circulação ou manter distância de outras.

Quem são os fugitivos do 8/1?

Ângelo Sotero, músico, 59 anos, de Blumenau (SC). Foi condenado a 15 anos e meio de prisão por tentativa de golpe de Estado e associação criminosa armada no 8 de Janeiro. Meses após a prisão, ele foi solto com uso de tornozeleira. Há cerca de um mês, quebrou o equipamento e fugiu, segundo o advogado dele, Hemerson Barbosa.

Gilberto Ackermann, corretor de seguros, 50 anos, de Balneário Camboriú (SC). Ele pegou 16 anos de prisão por participar do 8 de Janeiro invadindo o Palácio do Planalto. Foi condenado por tentar um golpe de Estado e por deterioração do patrimônio tombado, entre outros crimes. Ele nega ter quebrado objetos no local. A cunhada e advogada dele, Fabíola Paula Beê, diz que ele fugiu em 25 de abril e que a família não sabe para onde ele foi.

Raquel de Souza Lopes, 51 anos, de Joinville (SC). A PGR (Procuradoria-Geral da República) diz que ela destruiu bens. Raquel nega. Em abril, ela fugiu para a Argentina, segundo investigadores e testemunhas ouvidas pelo UOL.

Luiz Fernandes Venâncio, empresário, 50 anos, de São Paulo (SP). Ele é réu em ação penal no STF pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Em vídeo gravado na Argentina, ele relata que fugiu do Brasil e que pediu asilo ao governo de Javier Milei, aliado de Jair Bolsonaro (PL). O advogado Cláudio Caivano diz que Venâncio aguarda audiência sobre um pedido de asilo.

Flávia Cordeiro Magalhães Soares, empresária, 47 anos. Ela responde a investigações relacionadas a ataques contra o resultado das eleições de 2022. Flávia está foragida pelo menos desde o início de fevereiro, segundo indica o mandado de prisão em aberto. Ela teve uma conta em rede social derrubada e faz parte de um movimento de direita chamado "Yes Brazil".

Alethea Verusca Soares, 49 anos, de São José dos Campos (SP). Foi condenada pelo STF a 17 anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada. No início de janeiro, Alethea fugiu para o Uruguai pela fronteira de Santana do Livramento (RS).

Rosana Maciel Gomes, 50 anos, de Goiânia (GO). Foi condenada a 14 anos de prisão por tentar um golpe de Estado e dano qualificado, entre outros crimes. Ela foi presa e, depois, solta em liberdade condicional com tornozeleira. Está foragida desde 15 de janeiro, quando não compareceu ao juízo.

Jupira Silvana da Cruz Rodrigues, 58 anos, de Betim (MG). Foi condenada em setembro a 14 anos de prisão por tentar um golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa. Ela fugiu para o Uruguai em janeiro deste ano. Para isso, Jupira usou a fronteira seca de Santana do Livramento (RS), segundo a PF.

Daniel Luciano Bressan, pedreiro e vendedor, 37 anos, de Jussara (PR). Réu em ação penal, ele foi acusado pela PGR de participar dos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Daniel nega ter entrado no Palácio do Planalto. Segundo seus familiares, Bressan estava com dificuldade de trabalhar e resolveu sair do país. Thiago Elord, primo dele, diz não saber seu paradeiro. "Ele teve que se exilar para não ser preso", disse. "Vai pegar cadeia de novo por não ter feito nada, só por se manifestar? Ele ficou 65 dias na [penitenciária da] Papuda."

Fátima Aparecida Pleti, empresária, 61 anos, de Bauru (SP). Foi condenada a 17 anos de prisão por tentar dar um golpe de Estado e tentar abolir o estado democrático de direito. Depois do quebra-quebra em Brasília, ela foi detida, mas conseguiu liberdade condicional mediante o uso de tornozeleira. O julgamento de Fátima começou em 22 de março. Quatro dias depois, ela quebrou sua tornozeleira, segundo a Justiça de Bauru (SP). A autoridade penitenciária do governo de SP só informou o fato ao Judiciário duas semanas depois. No dia seguinte, 8 de abril, o Judiciário estadual informou ao STF sobre a quebra da tornozeleira. Não há mandado de prisão público.

*Com matéria de Helton Simões Gomes e Marcella Duarte para o UOL.

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