O que é a anomalia magnética que cresce sobre o Brasil e quais os riscos?
Maurício Businari
Colaboração para o UOL
31/05/2024 04h00
O crescimento da AMAS (Anomalia Magnética do Atlântico Sul) sobre o Brasil voltou a ser tema corrente de discussão entre os cientistas do mundo todo, após a divulgação de um relatório internacional sobre o assunto. Mas, afinal, o que é essa anomalia no campo magnético da Terra e quais são os riscos para quem vive nessa região do planeta?
O que aconteceu
Estudo recente publicado pela ESA (Agência Espacial Europeia) informou que a anomalia está se aprofundando, se movendo para o Oeste e aumentou cerca de 5% desde 2019. Ela é uma das peculiaridades geofísicas mais intrigantes da Terra, resultante de heterogeneidades no núcleo externo do planeta.
Doutor em física, Marcel Nogueira de Oliveira é professor do Instituto de Física da UFF (Universidade Federal Fluminense) e participou de pesquisas no Observatório Nacional sobre os efeitos que as tempestades geomagnéticas produzem na região da AMAS.
Em entrevista a Tilt, ele explica que essa anomalia é gerada pela diferença de densidade em regiões específicas do núcleo externo, criando uma corrente elétrica que, por sua vez, produz o campo magnético terrestre. Essas regiões de densidade variada são responsáveis pela formação da AMAS, diferindo de outras áreas do campo magnético terrestre. A heterogeneidade no núcleo do planeta é um fator crucial nessa formação. Portanto, a AMAS é um fenômeno complexo e único em comparação com outras regiões magnéticas da Terra.
A AMAS está intimamente relacionada ao cinturão de Van Allen, que é uma região do espaço ao redor da Terra onde partículas carregadas, como elétrons e prótons, são aprisionadas pelo campo magnético terrestre. O cinturão de Van Allen possui duas zonas principais: o cinturão interno, que é mais próximo da Terra e rico em prótons, e o cinturão externo, composto principalmente por elétrons.
Na região da AMAS, o cinturão interno se aproxima mais da superfície do planeta, resultando em uma maior concentração de partículas carregadas nessa área. Essa proximidade aumenta a radiação, o que pode danificar satélites e afetar a propagação de ondas de rádio, exigindo que agências espaciais tomem medidas preventivas para proteger seus equipamentos ao passar por essa região.
Satélites e ondas de rádio
A AMAS pode causar danos a satélites e afetar a propagação de ondas de rádio, devido à sua interação com os cinturões de Van Allen. "As agências espaciais têm ciência deste problema e tentam evitar ao máximo que seus satélites passem pela região da AMAS," comenta Oliveira.
A proximidade da anomalia com os cinturões resulta em uma maior incidência de partículas carregadas que podem danificar componentes eletrônicos dos satélites. Para mitigar esse risco, as agências espaciais evitam que seus satélites passem pela região central da AMAS. Quando necessário, os satélites são colocados em stand-by (modo de espera) para proteger seus sistemas.
Embora a área afetada pela AMAS tenha aumentado, a ciência e a tecnologia continuam a se adaptar. Nos últimos anos, a área da AMAS cresceu cerca de 5%. Essa expansão requer ajustes nas operações de satélites e outras tecnologias dependentes do campo magnético. Satélites continuam evitando a região central da anomalia para evitar danos. A adaptação contínua garante a operação segura e eficiente dessas tecnologias.
Quanto aos desafios na previsão e modelagem da AMAS, Oliveira afirma que eles incluem a precisão das medidas e a complexidade do núcleo terrestre. A profundidade do núcleo, cerca de 3.000 km, impede a obtenção de dados diretos. Medidas indiretas são usadas para criar modelos da AMAS. A América do Sul possui poucos observatórios magnéticos, limitando a coleta de dados precisos. Investir em mais observatórios e estações magnéticas é essencial para melhorar a modelagem.
Risco à vida
A AMAS não representa um risco significativo para a vida terrestre, mas voos de alta altitude podem ser afetados pela radiação de partículas. Partículas carregadas do cinturão de Van Allen podem alcançar altitudes elevadas. Voos transcontinentais estão sujeitos a uma maior exposição à radiação. "As companhias aéreas devem monitorar essa exposição para proteger pilotos e tripulações. No entanto, a vida na superfície terrestre não é afetada por essa radiação devido à proteção atmosférica," explica Oliveira.
De acordo com uma lenda urbana, a Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS) supostamente afetaria o campo de radiação na atmosfera, alcançando altitudes da aviação civil. Para verificar e quantificar essa alegação, medições abrangentes foram realizadas a uma altitude de 13 km durante uma missão de voo chamada Atlantic Kiss (algo como Beijo Atlântico, em português).
Segundo um estudo publicado na revista científica Nature, o voo de pesquisa não encontrou nenhuma indicação de aumento na exposição à radiação. Assim, a AMAS não expõe passageiros ou tripulantes de voos comerciais no Brasil, América do Sul ou Atlântico Sul a maiores índices de radiação cósmica.
Futuras pesquisas sobre a AMAS devem focar em aumentar a rede de observatórios e estações magnéticas para obter dados mais precisos. Investimentos em infraestrutura científica são essenciais para melhorar a compreensão do geomagnetismo na América do Sul.
O importante seria investir em observatórios magnéticos e/ou estações magnéticas baseados em solo. Desta forma conseguiremos ter medidas cada vez mais precisas sobre o geomagnetismo na região do Brasil e da América do Sul. No Brasil, temos instituições como o Observatório Nacional e o INPE que buscam fazer parte deste serviço, mas é necessária uma mobilização e colaboração também dos outros países. Ciência é um esforço coletivo. Desta forma é possível ter resultados mais precisos sobre a AMAS e medidas mais precisas proporcionarão modelos ainda mais precisos,
Marcel Nogueira de Oliveira