Jovens criam colchão 'mutante' para salvar paciente acamado de lesões
Abinoan Santiago
Colaboração para Tilt, em Florianópolis
05/06/2024 04h05Atualizada em 05/06/2024 16h22
Amenizar o sofrimento de pacientes sob longa internação em hospitais virou a missão de duas universitárias de Minas Gerais.
Estudantes do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), Beatriz Scárdua e Thayana Lucero, ambas de 22 anos, criaram um colchão que combate as escaras, lesões comuns em pacientes acamados que aparecem na pele devido ao contato frequente do corpo com qualquer superfície.
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O projeto nasceu da ideia de um médico, foi aprimorado pelas estudantes de engenharia biomecânica e está prestes a ser testado clinicamente em pacientes antes de ser disponibilizado a instituições de saúde.
Batizado como "leito antiescara", o colchão teve sua primeira versão criada pelo médico Pedro Paulo Silva, especialista em terapia intensiva. Ele patenteou o projeto e o cedeu ao Inatel em 2022 para ser aperfeiçoado.
De lá para cá, a proposta ganhou vida, foi revisada por pares em artigos acadêmicos e apresentada em feiras científicas.
A proposta é combater a raiz do que provoca as escaras. Como as lesões ocorrem quando o fluxo sanguíneo da pele é interrompido devido à pressão do colchão, a intenção é distribuir o peso da pessoa pelo leito.
Essa solução seria uma alternativa às ações atuais para prevenir úlceras: colchão de ar, colchão 'caixa de ovo' e o decúbito, uma manobra feita pela equipe médica que muda a posição dos acamados no leito em intervalos regulares.
Essa pressão interrompe os vasos sanguíneos. A fragilidade da pele pode causar feridas, infecção e até o óbito do paciente. É um processo natural porque não tem como deixar o paciente flutuando. Com isso, a equipe médica tem que mudar o paciente de lugar o tempo todo, sendo complicado para quem tem problemas na coluna e hospitais com equipe pequena. A nossa ideia é automatizar essa transferência de pressão
Thayana Lucero
A tecnologia por trás do leito
Na primeira versão, o leito antiescara foi produzido para funcionar com um macaco eletrônico, o que tornava uma alternativa incompatível para o ambiente hospitalar devido ao seu barulho.
As pesquisadoras mudaram o funcionamento para operar com um circuito pneumático, um conjunto de válvulas e cilindros interconectados que funcionam com ar comprimido.
O projeto também passou a ser dividido em três blocos. O primeiro é o hardware, ou seja, a montagem física do leito antiescara. Ele suporta pessoas com até 180 kg, que poderiam ser pacientes graves ou não urgentes.
O segundo bloco é o software. Elas criaram um app para receber informações dos pacientes — idade, peso, altura e fatores de riscos — para automatizar o ciclo de intervalo no qual o colchão iria distribuir a pressão do corpo.
Já a terceira etapa é o controle do leito, ou seja, a conexão entre hardware e software. Isso é feito via Bluetooth.
Como o leito funciona
O leito é composto por dois conjuntos de colchões. Um fixo e outro móvel. Eles se alternam conforme o intervalo estabelecido pela equipe médica, de 5 ou 15 minutos. O tempo leva em consideração o nível de risco do paciente. Quanto maior é a chance de desenvolver escaras, menor é o ciclo.
Os colchões vão se alternando. O móvel é elevado e rebaixado. Com isso, fica a uma altura superior ou inferior de 5 cm do colchão fixo. Isso faz o paciente estar ora em contato com o conjunto móvel, ora com o conjunto fixo
Beatriz Scárdua
Thayana conta que, durante a Feira Tecnológica do Inatel, visitantes testaram o leito, o que contribuiu para ajustes de velocidade de subida e descida do colchão, além do consenso de que o leito era confortável, "apesar de não parecer".
Quando vai chegar aos hospitais
Embora os resultados preliminares pareçam promissores, ainda faltam etapas para a ideia chegar aos hospitais. Segundo a professora orientadora Luma Rissatti, a equipe finaliza a documentação para enviar ao Comitê de Ética da Universidade do Vale do Sapucaí o pedido de testes em pacientes internados a fim de validar o projeto para produção em grande escala.
"Somente após a validação do projeto é que a produção será escalada, atualmente ele se enquadra como um projeto de pesquisa. Mas há ótimas perspectivas sobre o projeto se tornar um produto e se espalhar pelos hospitais e clínicas do país, ajudando a evitar esse problema tão grande das escaras", diz Rissatti.
A ideia é testar ao longo de cinco meses em pacientes e comparar durante esse período a evolução das lesões em comparação a um leito comum. Para dar mais precisão aos resultados, o teste ocorrerá em duplas de pacientes que apresentem lesões no mesmo estágio e locais no corpo.
"É esperado no mínimo dez amostras iniciais para validação do conceito e aprofundamento da pesquisa", afirma Rissatti. Em paralelo, a equipe atua no processo de adaptação ao mercado a fim de pensá-lo como produto.