'Ela não conhecia Ctrl C + Ctrl V': geração Z pena com PC e assusta chefes
Sofia Pilagallo
Colaboração para Tilt
10/06/2024 04h00
Os jovens da geração Z enfrentam um paradoxo intrigante. Nascidos a partir de 1995, eles cresceram imersos na internet e dominam tecnologias mais recentes, como smartphones e tablets. Ao mesmo tempo, desconhecem funções básicas de informática no bom e velho computador.
Para alguém de 20 e poucos anos, formatar um documento no Word ou executar comandos simples, como Ctrl C + Ctrl V, pode ser um bicho de sete cabeças —as dificuldades têm ficado mais evidentes agora, quando eles chegam ao mercado de trabalho.
"Confesso que não sei formatar textos no Word ou mexer no PowerPoint. No Excel, menos ainda", afirma a Tilt a estudante de medicina Laís Brito, de 20 anos, de Criciúma (SC).
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Laís sabe mexer no celular desde os 5 anos de idade e, aos 11, ganhou seu primeiro smartphone touch screen. Em casa, tinha computador (e até usava bastante para jogar e criar fanfics para postar nas redes sociais), mas o manejo "mais sério" do PC não era uma realidade na rotina escolar.
Nunca tive aula de informática, nunca vi a necessidade disso. E nunca mexi com computador na escola, não sei se é porque venho de uma escola pública, mas nunca precisamos de uma formação mais adequada em Word, porque não pediam formatação específica, texto justificado. Agora, fazendo TCC, estou com dificuldade e isso está me atrasando bastante.
Laís Brito
Estagiária em um ambulatório, ela diz enfrentar dificuldade no ambiente de trabalho pelo pouco conhecimento em informática. Não sabe, por exemplo, como manejar o sistema da empresa no computador ou digitar com destreza no teclado do dispositivo.
Seus colegas da mesma idade, diz Laís, são uma "ameba" com o PC. "Eles digitam muito lento, muito lento", contou ela em um vídeo no TikTok. A jovem vê diferença até dentro de casa: "Meu pai digita rápido."
O pior é que os funcionários mais velhos sempre recorrem aos estagiários para resolver problemas técnicos no computador, com a ilusão de que somos superentendidos no assunto. Quando não sabemos o que fazer, acham que é má vontade nossa.
Laís Brito, de 20 anos
Choque geracional
João Pachu, de 27 anos, que trabalha como escrevente em um cartório em Jundiaí, interior de São Paulo, viveu esse choque geracional na pele. Ele conta que, certa vez, ficou encarregado de treinar uma jovem aprendiz, na faixa dos 18 anos, que não sabia o que era o comando Ctrl C + Ctrl V.
Em determinado momento, eu disse: 'Pega esse arquivo e dá um Ctrl C + Ctrl V'. E foi como se eu tivesse falado em código. Ela me olhou e falou: 'Como assim?'. Então, eu respondi: 'É, copiar e colar', e mostrei a ela o que era o comando. Foi como se eu tivesse feito uma feitiçaria na frente dela.
João Pachu
Artur Andrades, de 33 anos, que exerce um cargo administrativo na Prefeitura de Botucatu, interior de São Paulo, passou por situação semelhante com um estagiário, também na faixa dos 18 anos, que teve dificuldade para acessar o email.
As dúvidas surgiram logo de início, quando ele não sabia que era preciso clicar duas vezes no ícone do Google Chrome para acessar a internet. "Ele levou mais de uma hora para concluir a tarefa, entre acessar o email, escrever, fazer os ajustes finais e enviar."
Funções básicas de informática, como montar uma apresentação no PowerPoint ou usar a impressora, também eram um mistério para um estagiário que trabalhou com Thiago Berton, de 39 anos. Ele tem um cargo de liderança na Johnson & Johnson, em São José dos Campos (SP).
Como pai de uma jovem de 18 anos, Berton procurou enxergar a questão de maneira mais profunda. O executivo chegou a escrever um artigo sobre o assunto no LinkedIn, em que sugere que os mais velhos olhem para os mais novos com empatia e proponham formas mais lúdicas de ensiná-los.
Existem fatores que vão além dos estereótipos clichês que costumamos ouvir, do tipo: 'Ah, essa geração tem preguiça'. Não é preguiça. Há fatores geracionais e culturais envolvidos. Nossa geração tinha de correr atrás da informação, coisa que eles não precisam fazer.
Thiago Berton
'Mudança de mentalidade'
A falta de desenvoltura com computadores entre os jovens dessa geração não se explica apenas pelo fato de eles não estarem acostumados com PCs ou não terem aulas de informática, diz Thais Giuliani, autora do livro Geração Z e o Modelo de Aprendizagem Zímago. O problema é muito mais complexo do que parece.
A facilidade proporcionada pelo digital naturalmente moldou o comportamento dessa geração, que tem tudo em mãos de forma fácil e rápida. A geração X, por exemplo, precisava buscar conhecimento na biblioteca, algo impensável nos dias de hoje. Atualmente, existem ferramentas de inteligência artificial que montam uma apresentação no PowerPoint sem que a pessoa precise dominar o programa.
Thais Giuliani
Ela também destaca as diferenças entre os jovens dentro de uma mesma geração, de acordo com a idade e a classe social. Pelo fato de se sentirem mais seguros em relação ao futuro, jovens de classes socioeconômicas mais altas tendem a ser mais influenciados pelo comportamento da geração Z, que não precisa se esforçar tanto para conseguir o que quer devido às facilidades disponíveis.
Para Giuliani, o que aconteceu nas últimas décadas é uma mudança de mentalidade. "É comum ouvir frases do tipo: 'Essa geração faz corpo mole, não se esforça, quer tudo mastigado'. Mas essa visão não condiz com a realidade."
Os jovens não simpatizam com a cultura 'workaholic', não querem adoecer e tomar remédio controlado. Eles querem viver pelo propósito, trabalhar com o que gostam.
Thaís Giuliani
As diferenças acabam causando atritos no trabalho. Segundo o relatório "Tendências de Gestão de Pessoas", da consultoria global Great People & GPTW, mais de dois terços dos entrevistados (68,1%) têm dificuldade para lidar com jovens da geração Z no mundo corporativo. A pesquisa ouviu 1.864 pessoas que ocupam, em sua maioria, cargo de gerência nas empresas.
Giuliani destaca que toda geração tem seus pontos fortes e fracos. No caso dos jovens da geração Z, alguns dos pontos fortes são solidariedade e empatia. Por outro lado, a facilidade com que eles têm as coisas a seu dispor faz com que não desenvolvam aspectos ligados, por exemplo, à inteligência emocional.
Para a especialista, esta é, ou deveria ser, a maior preocupação dos departamentos de recursos humanos das empresas. Não saber funções básicas de informática é "só a ponta do iceberg". Por isso, é preciso mapear as fraquezas desses jovens e atuar de forma construtiva para que se desenvolvam no mercado de trabalho.