Como 'Vale do Silício brasileiro' criou mineiro que busca a cura do câncer

A trajetória de vida de parte dos moradores de Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, vem se confundindo com a história da própria cidade nos últimos 65 anos. Após a inauguração da Escola Técnica de Eletrônica (ETE) Francisco Moreira da Costa na década de 1950, a cidade passou a atrair investimentos da indústria de tecnologia e deixou de ter sua economia baseada na agricultura do café e do leite. Passou a ser uma referência em inovação no país e conhecida como Vale da Eletrônica, uma espécie de 'Vale do Silício brasileiro'.

Foi nesse contexto de de mudança da base econômica de sua terra natal que os sonhos de Felipe Bueno, engenheiro biomédico e doutorando em nanotecnologia, foram amadurecendo. Hoje, ele é considerado uma verdadeira cria do ecossistema de inovação da cidade. Nascido na zona rural de Santa Rita do Sapucaí e criado entre os cafezais e alambiques da família, Bueno queria ser astronauta. Devido às condições econômicas da família, a ambição parecia tão distante quanto ir à Lua.

Ninguém da minha família trabalha com tecnologia, eles são da zona rural e trabalharam a vida toda na plantação. Fui o primeiro a começar a explorar essa área e me sinto orgulhoso de ser filho dessa mudança. Minha trajetória passa por essa transformação e, graças a ela, pude formar e realizar sonhos e hoje posso ajudar a transformar o sonho de outras pessoas
Felipe Bueno

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O primeiro contato com o mundo da ciência veio no último ano do ensino fundamental. Felipe participou do Casa Viva, projeto promovido pelo Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações) que leva treinamento em tecnologia a alunos de escolas públicas.

"Chegamos a desenvolver pequenos programas e estudamos um pouco de robótica e eletrônica. Foi a partir daí que pude ver que era possível realizar sonhos", relembra Bueno. Depois de estudar eletrônica no ETE durante três anos, ele foi trabalhar em uma empresa do ramo de saúde, onde desenvolveu uma conexão com a tecnologia na área médica.

Fiquei empolgado com o impacto que a tecnologia pode ter no bem-estar das pessoas

No meio do curso de engenharia biomédia no Inatel, Felipe realizou o sonho de fazer um intercâmbio e passou um ano estudando nos Estados Unidos. Após se formar, foi convidado a trabalhar em um centro de desenvolvimento de tecnologias em saúde, localizado em Santa Rita do Sapucaí. Em 2020, passou a dar aulas no Inatel e há sete anos é coordenador de projetos e professor de engenharia biomédica no instituto.

Voltei a trabalhar nos lugares por onde passei enquanto estudante. Sempre que posso, venho no Casa Viva porque aqui tem uma parte cativa no meu coração. É uma realização pessoal gigante ser professor, ter passado por todo esse processo, e hoje poder colaborar com a formação pessoal de outras pessoas

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Ajudando no combate à covid-19

Apesar de seu amor pela sala de aula, foi desenvolvendo tecnologias durante a pandemia da covid-19 em 2020 que os conhecimentos de Felipe ganharam forma. Ele não só elaborou respiradores como ajudou hospitais da região a seguir um protocolo para reparar equipamentos quebrados.

No eHealth Innovation Center do Inatel, especializado no desenvolvimento de tecnologia para a saúde, ele e outros pesquisadores passaram a criar desde ventiladores pulmonares até tecnologias que ajudariam na desinfecção dos profissionais da saúde.

Ao todo, mais de 12 projetos foram desenvolvidos naquele momento. O trabalho envolveu engenheiros biomédicos, alunos e pesquisadores, além de contar com a parceria de outras 10 instituições de educação em um esforço organizado pelos ministério da Saúde e da Ciência e Tecnologia.

Felipe Bueno, engenheiro biomédico e doutorando em nanotecnologia
Felipe Bueno, engenheiro biomédico e doutorando em nanotecnologia Imagem: Marcelo Ferraz/UOL
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No hospital de Santa Rita, havia uma ala de pacientes contaminados pela covid-19 e outra sem contaminação. Entre uma e outra, colocamos uma estrutura que identificava se as roupas dos profissionais de saúde estavam infectadas. Se estivessem, nossa tecnologia era capaz de desinfectar as roupas para garantir que os profissionais de saúde não transmitissem os vírus de uma ala para outra

A maioria dos ventiladores pulmonares existentes no mercado brasileiro eram importados e os hospitais simplesmente não sabiam como fazer a manutenção deles. O grupo de trabalho do qual Felipe fazia parte criou uma cartilha orientando como os equipamentos poderiam ser consertados e como garantir que eles tivessem vida prolongada. O material virou referência no país todo e, traduzido para o espanhol, foi distribuído em países da América Latina.

"Efervescência tecnológica no meio do mato"

Santa Rita do Sapucaí vive entre a vida simples e a recepção dos grandes eventos de tecnologia, que reúnem milhares de pessoas e diretores de Big Tech, como Google e Meta.

Em um determinado evento, ofereci a cachaça amarelinha, feita pela minha família, aos diretores do Google, o que mostra essa convergência entre diferenças, que nós encontramos aqui

Enquanto isso, o doutorando em nanomateriais no curso de engenharia biomédica do Inatel estuda para encontrar a cura para o câncer por meio das nanopartículas e da inteligência artificial. Para ele, todas as grandes mudanças em tecnologia e saúde vão passar pela engenharia biomédica, como a criação de dispositivos de prevenção de doenças, a telemedicina e o monitoramento integral da saúde.

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Ainda perdemos pessoas para problemas do coração, doenças oncológicas, que são doenças do século passado. Os nanomateriais, a IA e o 6G prometem uma forma de saúde mais efetiva e integral, inclusive com a capacidade de mapear e tratar casos que hoje são considerados complexos. Precisamos levar tecnologia, da maneira certa para a vida das pessoas. E também fazer com que essa tecnologia seja acessível e possível para todos.

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