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Por que Cristo em frango assado revive Teoria da Internet Morta no Facebook

Imagens "bizarras" geradas por IA e publicadas no Facebook Imagem: Reprodução/Redes sociais

De Tilt, em São Paulo

16/06/2024 04h00

Tudo começou com imagens geradas por inteligência artificial (IA) de Jesus nas montanhas ou pregando um sermão. Até aí, tudo bem. Mas, as imagens "evoluíram" e perderam o sentido: da cabeça de Cristo em um frango assado até uma criança afogada comemorando aniversário. Então, começamos a realmente reparar nelas.

No entanto, existe um grupo que viu nessas imagens uma "prova" de uma teoria: a internet morreu. E a culpa é dos novos programas de IA generativa, como o ChatGPT, e as plataformas de criação de imagens.

O feed está "infestado" com imagens de IA unicamente para cultivar engajamento em perfis — como são mais fáceis de produzir, os posts gerados de forma artificial são publicados em massa e sem grande esforço do dono das páginas. Há até a possibilidade de publicação automática.

Quando abrimos uma imagem bizarra de Jesus, por exemplo, vemos dezenas de milhares de curtidas e outros milhares de comentários dizendo "amém". O que pode parecer apenas boomers [pessoas de uma geração mais antiga] que não entendem que são imagens geradas por IA, na verdade são bots [perfis vazios e robotizados].

O que é a Teoria da Internet Morta

A Teoria da Internet Morta surgiu como uma especulação conspiratória em fóruns da internet. No final dos anos 2010 e início da década atual, internautas começaram a supor que a internet agora consiste principalmente em atividades de bots (robôs), com conteúdos gerados automaticamente e selecionados por algoritmos, minimizando a atividade humana orgânica para manipular a população.

Como em muitas teorias da conspiração, no caso da Internet Morta o culpado seria o governo. Os conspiracionistas acreditam que o governo dos Estados Unidos, em parceria com grandes empresários, estaria usando essas falsas interações online para manipular consumidores e a população em geral.

De acordo com a teoria, a internet teria morrido já em 2016. Para os teóricos da conspiração, a partir dessa data o volume de interações entre robôs na internet já superaria de forma massiva a comunicação orgânica.

Agora, essa ideia está sendo resgatada, mas sem a parte conspiratória, para explicar esse fenômeno de bots que movem os algoritmos.

Imagem gerada por IA mostra garoto com moto feita de vegetais; comentários elogiam Imagem: Reprodução/Redes sociais

Isso quer dizer que a teoria é real?

Em partes: 90% do conteúdo da internet será gerado por IA até 2026, projetou um estudo da Europol (Agência da União Europeia para a Cooperação Policial) publicado em 2023. "Na maioria dos casos, mídias sintéticas são geradas para jogos, para melhorar os serviços ou para melhorar a qualidade de vida, mas o aumento dos meios de comunicação sintéticos e a melhoria da tecnologia deram origem a possibilidades de desinformação", diz o relatório.

A teoria é reforçada pelos robôs que dominam comentários. Eles existem por que funcionam: o engajamento das postagens mostra que o Facebook entrega cada vez mais conteúdos artificiais, que começam impulsionados por bots, mas depois as pessoas interagem com essas imagens bizarras, levando a mais distribuição.

As redes sociais falharam sua missão original, de que as pessoas se conectem. No TikTok ou Instagram, isso é raramente o que fazemos. Não nos transformamos em comunicadores, mas em pessoas que consomem conteúdos de outras pessoas que conhecemos e também de pessoas que não conhecemos. E, nessa linha, também de pessoas que podem nem existir.
Yoshija Walter, professor do Departamento de Negócios, Instituto de Gestão e Digitalização da Universidade Kalaidos de Ciências Aplicadas, na Suíça, em entrevista ao UOL

As redes querem ter pessoas reais, que consomem a publicidade de maneira orgânica, mas se beneficiam do alto engajamentos. "Então, se o conteúdo gerado por IA gera muito engajamento, as redes sociais também têm um incentivo para deixar esse conteúdo aparecendo", diz Walter.

Por outro lado, as interações humanas sempre serão a base das redes sociais, diz Mônica Cerqueira, fundadora da Make The Way, que desenvolve soluções com inteligência artificial.

Por que as redes sociais existem? Porque a gente estava trabalhando, estudando e socializando menos. Acabou sendo uma forma de a gente encurtar a saudade, de mostrar como a gente está, de ter uma voz ativa sobre algo que a gente não goste. A robotização vai existir de uma forma muito intensa, mas em tarefas efetivas, tarefas que o ser humano não tem o desejo mais de fazer. É uma tese, mas acho uma inverdade. A gente nunca vai perder o apreço por se relacionar e estar conectado.
Mônica Cerqueira

Por mais seja automático, ainda há a necessidade de um prompt [modelo a ser seguido], feito por humanos, defende a especialista. Dessa forma, não há como a IA "delirar" ou fazer publicações por si só. "Com qualquer tipo de tecnologia que seja, vai ser sempre 80% tecnologia e 20%, no mínimo, humano."

A figura de Jesus fazendo assim ou assado? Existiu uma narrativa por trás para aquela imagem se transformar em algo a ser publicado. Então, você precisa criar pelo menos lotes que você deseja que ela [a IA] construa para você.
Mônica Cerqueira

Imagem gerada por IA mostra Jesus com aeromoças asiáticas; comentários dizem "amém" Imagem: Reprodução/Redes sociais

O que diz o Facebook

A Meta, responsável pela rede social, disse que começou a rotular conteúdos gerados por IA neste mês, mas não pretende remover os posts, nem aqueles com imagens manipuladas.

"Fornecer transparência e contexto adicional é a melhor maneira de abordar este conteúdo no momento" e remover as publicações implicaria no "risco de restringir a liberdade de expressão sem necessidade", disse.

A empresa tem sua própria ferramenta de IA. "Nossos rótulos de 'Feito com IA' em vídeos, áudios e imagens gerados por inteligência artificial serão baseados na nossa identificação de sinais de imagens de IA compartilhados pela indústria ou de pessoas que divulguem que estão publicando conteúdos criados com inteligência artificial."

Meta não respondeu sobre o uso de bots no Facebook. A empresa não disse se permite a criação desses perfis fantasmas ou se existe alguma iniciativa para desativar essas contas.

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