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Inovação feita no Brasil que muda o mundo para melhor


Berço brasileiro da urna eletrônica desconfia da criação; o que explica?

Carlos Romero

Colaboração para o Tilt

24/06/2024 04h05

Conhecida como "O Vale da Eletrônica", a cidade mineira de Santa Rita do Sapucaí vive uma situação inusitada. Berço das urnas eletrônicas usadas nas eleições brasileiras, o município também é onde parcela do eleitorado desconfia deste modelo de escolha dos representantes e pede do voto impresso.

Lar de mais de 160 indústrias de base tecnológica e receita de R$ 3,2 bilhões em 2023, o município de quase 41 mil habitantes fabrica 17 mil produtos high tech e possui a terceira maior concentração de empregos do setor eletroeletrônico no país.

É de Santa Rita do Sapucaí que partiu a primeira transmissão de TV digital no Brasil e onde nascem as pesquisas que afetam os padrões do 5G e, mais recentemente, do 6G. Trabalhadores dessa indústria engrossam o volume de moradores descrentes dos procedimentos de segurança do equipamento, ainda que produzido no parque industrial da cidade.

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Essas pessoas são céticas com:

Transferência de dados

As urnas podem até ser confiáveis, mas não descarto a possibilidade de fraude. Sempre existe uma forma de acessar as informações. Outro detalhe importante está no momento da transferência das informações para o TSE. O canal estabelecido entre as urnas é seguro? Não sabemos. Como medida extra de segurança, o voto impresso passaria ao eleitor uma imagem do candidato que ele escolheu e, por via das dúvidas, uma recontagem de votos manual eliminaria a suspeita de fraude
Carlos Alberto Miranda, analista de pesquisa e desenvolvimento de equipamentos elétricos

Processo eleitoral

Se até a votação manual tem como ser fraudada, colocando votos dentro da urna em um compartimento falso, imagine em uma urna eletrônica, que é passível de ser hackeada ou manipulada. Infelizmente, não consigo confiar em nada que se refere à política
Mariléia Dias Vilas Bôas, assistente de educação básica

Extração dos dados da urna

A urna eletrônica é um equipamento que funciona mais mecanicamente do que de forma tecnológica. É uma máquina desconectada do sistema de telecom e que funciona com baterias. É pouco mais que uma calculadora. Sua função é computar votos e gerar resultados em um microprocessador para gravar os dados, por exemplo, em um pen drive. Durante a eleição, ela pode ser considerada superconfiável. Ela não permite que algum tipo de inteligência acesse o sistema e, por isso, acredito nela. É depois que os dados saem das urnas que eu enxergo os riscos. Aí existem --cientificamente-- muitas possibilidades de os dados serem trabalhados. Vai da capacidade, da coragem e do propósito do ser humano
Roberto de Souza Pinto, presidente do Sindvel (Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica)

Usadas nas eleições de 1996 em 57 municípios brasileiros, as urnas eletrônicas foram empregadas em todo o território nacional quatro anos depois. A fabricação dos equipamentos em Santa Rita do Sapucaí aconteceu por meio de uma parceria entre a Diebold, empresa responsável pelo desenvolvimento da tecnologia, e uma indústria local. O TSE supervisionava a operação.

Urna eletrônica do TSE Imagem: Divulgação/TSE

No pleito de 2018, o TRE-MG fez uma auditoria, a pedido do Ministério Público, em três municípios de Minas Gerais, dentre eles, Santa Rita do Sapucaí. A ação reforçou a ausência de irregularidades no funcionamento dos equipamentos.

Durante o tempo em que atuei na Diebold, questionamos os técnicos e engenheiros sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas. Os fiscais do TSE faziam todos os testes e imprimiam os comprovantes. Eu só acompanhei os procedimentos até o momento anterior à logística, mas sempre tive plena convicção de que os equipamentos eram muito confiáveis
Giuliana Pereira de Bittencourt, engenheira que atuou por quatro anos como gerente de qualidade na Diebold

Formanda pelo Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), ela conta como era o aparelho. A primeira versão, diz, não tinha Bluetooth nem transmissão de dados. Para retirar informações, era necessário espetar um pen drive.

Caso alguém decidisse realizar uma fraude, mais de três pessoas deveriam estar envolvidas. Cada uma detinha uma parte da chave de acesso. Era como se fosse uma criptografia onde cada envolvido dispunha de parte do código. Além delas, o mesário teria que ser conivente, já que a urna saía da fábrica zerada
Giuliana Pereira de Bittencourt

A cidade mineira só deixou de produzir a urna eletrônica quando a Positivo venceu uma licitação e, no final de 2021, assinou um contrato fornecer 139,4 mil unidades ao TSE e transferiu a produção para a Zona Franca de Manaus.

A cidade possui em torno de 30 mil eleitores e é conservadora quando o assunto é a escolha dos seus representantes. No segundo turno das últimas eleições presidenciais, Jair Bolsonaro obteve 66,56% dos votos válidos contra 33,44% para Lula. Na disputa presidencial de 2018, Bolsonaro obteve 80,25% dos votos válidos.

Já nas eleições de 2014, Santa Rita do Sapucaí foi, proporcionalmente, a quarta cidade brasileira com a maior rejeição a Dilma Rousseff, que recebeu 22% dos votos válidos.

O passado político da elite agrária local pode explicar a inclinação conservadora do eleitorado santa-ritense. Nos tempos da "república do café com leite", em que os votos ainda não eram secretos, um morador de Santa Rita do Sapucaí, Delfim Moreira da Costa, alcançou todos os cargos da vida pública até chegar à presidência da República pelo Partido Republicano Mineiro, de tendência conservadora.

A partir de 1945, a UDN (União Democrática Nacional) exerceu forte influência sobre a cidade. Ela era liderada por Francisco Moreira da Costa. Cafeicultor e prefeito por vários anos, ele era irmão do ex-presidente. Banqueiro, foi um dos criadores do Banco Nacional de Minas Gerais.

Foi com parte da fortuna de Francisco que sua filha, Luzia Rennó Moreira, criou a primeira escola técnica da América Latina. Conhecida como Sinhá Moreira, ela despertou a vocação tecnológica da cidade, até então puramente agrária.

Essa cultura inovadora está presente ainda hoje em eventos na cidade como o Hacktown, um dos maiores festivais de cultura e inovação da América Latina. João Rubens, sócio-fundador do Hacktown, acredita que a bonança trazida pela tecnologia colabora com a situação.

Como a cidade não possui um histórico de problemas sociais severos, como os que afligem boa parte dos municípios brasileiros, muitas pessoas não veem a necessidade de transformações profundas. Elas têm receio de perder o estilo de vida e benefícios que conquistaram em graus mais avançados do que em diversas partes do país
João Rubens, sócio-fundador do Hacktown

Na última avaliação dos municípios brasileiros com maior desenvolvimento sustentável (IDS), Santa Rita do Sapucaí apareceu em sexto lugar no ranking nacional que leva em conta o combate às desigualdades sociais.

Em visita a Santa Rita do Sapucaí para participar do TEDx Talks, o antropólogo cognitivo norte-americano Bob Deutsch explicou assim o que viveu na cidade:

Fiquei muito interessado e feliz por ver em Santa Rita do Sapucaí uma mistura do que pode ser considerada uma contradição. O antigo e o novo, o tradicional e o moderno, não vivendo somente lado a lado, mas como uma mistura de dois opostos. Carroças puxadas por burros em frente a empresas de tecnologia. Engenheiros trabalhando com pessoas ligadas às artes criativas. É exatamente disso que o mundo necessita. Coisas que são 'isso e aquilo'
Bob Deutsch, antropólogo cognitivo norte-americano

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