Como energia via fibra óptica criada no Brasil pode baratear passagem aérea

A fibra óptica chegou ao Brasil para melhorar as telecomunicações há quase meio século. Até agora, sua principal utilidade da fibra é o envio de dados por meio da luz. Isso permitiu levar maior velocidade e largura de banda para a internet.

Mas pesquisadores brasileiros estão trabalhando em outra função: transmitir energia elétrica. Liderado por cientistas do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), o projeto é similar a apenas outros dois realizados no mundo, na Espanha e no Japão.

A vantagem brasileira, porém, é ter uma aplicação prática bem estabelecida de partida. Como o desenvolvimento foi um pedido da Embraer, a energia elétrica via fibras ópticas pode tornar aviões mais leves, o que teria impacto direto no preço da passagem aérea. A previsão dos desenvolvedores é que as próximas aeronaves já tenham a tecnologia embarcada e a novidade já esteja presente nas telecomunicações em cinco anos.

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Pouco antes da pandemia, a Embraer nos contatou para iniciar um estudo da tecnologia para transmissão de energia por fibra
Arismar Cerqueira Sodré Junior, coordenador de pesquisas do Laboratório WOCA (Wireless and Optical Convergent Access) do Inatel

A ideia é que os aviões passem a contar com fibra em vez dos cabos de cobre para transmitir energia elétrica em seu interior.

"Um avião pode chegar a ter uma tonelada só em cabo de cobre. O custo do combustível é alto. A cada quilo transportado, o valor aumenta", diz Sodré.

A redução de peso levaria a uma queda de custo para as companhias, diz o engenheiro. E os passageiros poderão sentir isso no bolso. "Dado que a companhia aérea economizará bastante com combustível devido à redução de peso, isso pode impactar no próprio custo da passagem", afirma.

Para ilustrar a situação, Sodré conta a história da "azeitona da American Airlines". Bob Crandall, ex-presidente e chairman da companhia aérea, chegou a uma economia de US$ 40 mil anuais ao diminuir as azeitonas das saladas oferecidas nos voos da empresa. Moral da história: se a retirada de um fruto com apenas 23 gramas pode trazer redução significativa de custos, imagine o impacto de toneladas de cobre a menos.

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Depois da pandemia de covid-19, soluções que impliquem em redução financeira ficaram ainda mais interessantes para a indústria da aviação, bastante afetada pelas medidas de distanciamento social e fechamento de fronteiras.

Como fibra óptica pode transmitir energia elétrica

A fibra óptica é só um meio para fazer a informação ir de um lugar a outro. Em uma ponta está um transmissor, que converte dados em luz, e na outra, o receptor, que decodifica tudo. O envio dos dados vai em alta velocidade porque a fibra tem características para a luz viajar sem perdas no caminho. Ela é composta por filamentos de vidro e plástico transparente, o que cria um meio com baixo índice de refração para ondas eletromagnéticas.

A transmissão de energia elétrica segue princípio parecido. A fibra continua sendo um meio de propagagação. Agora, porém, é a energia fotônica presente na luz que é convertida em energia elétrica, após ser processada por um aparelho chamado PPC.

Os PPCs utilizam o "efeito fotovoltaico", o mesmo presente nos painéis solares, que transformam energia solar em elétrica. A eficiência é o ponto crítico. Como a absorção do PPC é reduzida, a transmissão ainda não é possível em larga escala. É esse processo que está sendo aprimorado.

"O problema está em trazer a eficiência para a célula fotovoltaica. Hoje, mesmo que [o processo] seja uma realidade, a eficiência ainda é baixa", afirma Sodré. É como o uso de placas de energia solar: elas existem e funcionam, mas ainda é preciso instalar muitas placas para a conversão ser suficiente para alimentar uma casa inteira.

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Ainda assim, as perspectivas são promissoras.

Em nossa análise, em termos de aviônica, a tecnologia já é viável. Isso deve, inclusive, estar disponível nos próximos aviões muito em breve. Já para as comunicações, acredito que chegue em até cinco anos. É como qualquer evolução natural. Há alguns anos, ninguém nem sabia o que era fibra óptica e hoje é uma realidade. Em algum momento da história, tirar o cabo para usar a fibra é a tendência natural
Arismar Cerqueira Sodré Junior

Talvez por isso, o processo ganhou robustez. No início, o desenvolvimento era feito em um espaço improvisado e com poucos recursos. Hoje, o Inatel trabalha em um laboratório de testes adaptado com investimento de R$ 3 milhões, feito pela fabricante nacional de cabos, MPTcable, de Indaiatuba (SP).

Sodré explica que o Brasil é pioneiro nesse tipo de experimento. Há outros dois países empenhados na pesquisa: Espanha e Japão. O instituto mantém realiza com ambos.

Conseguimos entregar [a tecnologia] no mesmo nível da deles em termos técnicos, mas vamos além em termos práticos, entregando experimentos completos. Por aqui, possuímos o sistema de telecom real e vamos além da comprovação de viabilidade técnica
Arismar Cerqueira Sodré Junior

Uso em hospital, celular e carro voador

Conceito de carro voador (eVTOL), da Eve, subsidiária de mobilidade urbana da Embraer
Conceito de carro voador (eVTOL), da Eve, subsidiária de mobilidade urbana da Embraer Imagem: Divulgação/Embraer
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Os pesquisadores do Inatel já fizeram uma demonstração do potencial da tecnologia à Embraer.

A partir dela, eles apostam que a fibra óptica elétrica pode beneficiar outras áreas da aviação. Chamados de "carros voadores", os eVTOLs são um dos potenciais alvos. No caso dele, seria uma aplicação estratégica, já que esse veículo é 100% elétrico, e ter uma solução em fibra reduz o peso do veículo.

Em 2023, a Embraer anunciou que contabilizava encomendas de 2.800 eVTOLs.

Mas os pesquisadores foram além do setor aéreo. Para Sodré, a tecnologia é promissora para setores que necessitam de fornecimento elétrico sem interrupções ou que interfiram em outros equipamentos, como hospitais.

"Hospitais não podem ter interferências eletromagnéticas e, muitas vezes, um simples wi-fi pode causar esse atrito. A rede de cabeamento, nesse caso, também precisa ser blindada, caso contrário há interferência", diz.

Se for usada para transmitir dados e energia simultaneamente, a tecnologia pode promover a criação de novos equipamentos, como máquinas de ressonância ou de tomografia. Outra possibilidade é o aumento de capilaridade para redes móveis 5G, 6G e futuras conexões.

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