Brasil precisa acelerar para se beneficiar de onda de inovação quântica
Em 2025, o mundo celebra o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quântica, uma iniciativa da Organização das Nações Unidas para destacar esse campo do conhecimento que promete revolucionar muitos aspectos da nossa vida num futuro próximo. A data também homenageia o surgimento da mecânica quântica, há mais de cem anos.
A ciência e tecnologia quânticas exploram o comportamento das partículas subatômicas, que são os menores constituintes da matéria. Essas partículas incluem os elétrons, prótons e nêutrons que formam os átomos e as moléculas. O estudo dessas partículas em escala tão pequena revela um mundo em que as regras conhecidas da física clássica não se aplicam mais.
Na mecânica quântica, probabilisticamente, os elétrons podem existir em diferentes lugares ao mesmo tempo (um fenômeno chamado superposição) e podem se correlacionar de forma misteriosa a outras partículas mesmo a grandes distâncias (o emaranhamento quântico).
Esses princípios fundamentais da ciência quântica são explorados para desenvolver novas tecnologias. Um exemplo é o computador quântico, que usa qubits (unidades quânticas de informação) em vez dos bits normais para processar informações de maneira extremamente rápida. Outra aplicação é a criptografia quântica, que usa propriedades quânticas para criar sistemas de segurança praticamente invioláveis.
Nos seus primórdios, a mecânica quântica parecia desconcertante até mesmo para os seus criadores. Max Planck, renomado físico alemão do século XIX, desafiou a compreensão científica ao propor, em 1900, que a energia emitida por corpos aquecidos não ocorria de maneira contínua, mas sim em unidades discretas chamadas "quanta". O conceito marca o início da mecânica quântica.
Mais de um século depois, muitas aplicações dessa tecnologia quântica 1.0 estão presentes nas nossas vidas em lasers, transistores e equipamentos médicos, como máquinas de ressonância magnética. O grande passo agora é a emergência das tecnologias quânticas 2.0, que prometem transformar ainda mais nossa forma de interagir com o mundo.
Aplicações transformadoras
As tecnologias quânticas 2.0 exploram a manipulação e leitura de estados quânticos, aproveitando-se de fenômenos como a superposição, o emaranhamento e a coerência quântica.
A segunda onda de inovação quântica promete revolucionar diversos setores. Seu potencial é realmente vasto e promete transformar indústrias como química, logística, serviços financeiros, saúde e manufatura.
Exemplos dessas tecnologias são os computadores quânticos, comunicações quânticas e sensores quânticos avançados. Os computadores quânticos têm potencial para fazer simulações avançadas e otimizar o design de produtos químicos, descobrir novos medicamentos, desenvolver novos materiais e avaliar riscos financeiros, por exemplo. Eles poderão ser essenciais para resolver problemas complexos de logística, gestão de portfólio e planejamento de processos, além de revolucionar a inteligência artificial e o aprendizado de máquina com aplicações nos mais diversos campos.
Os sensores quânticos podem transformar a detecção e medição em diversas áreas, oferecendo precisão sem precedentes em imageamento médico, navegação, exploração de recursos naturais e monitoramento ambiental.
Apesar das possibilidades dessas novas tecnologias, é importante reconhecer que seu desenvolvimento ainda está em estágio inicial. Os investimentos ainda envolvem um grau considerável de risco e existem muitos desafios a serem superados.
A jornada para transformar o potencial teórico em aplicações práticas e confiáveis exigirá tempo, pesquisa e recursos substanciais. Entre as questões a serem equacionadas, estão aspectos como o controle, a estabilidade e a escalabilidade dos sistemas quânticos. A formação de profissionais qualificados, tais como físicos, engenheiros e cientistas da computação é mais um tema a ser discutido.
Investimentos no futuro
O financiamento público global das pesquisas na área quântica têm crescido significativamente, o que é um reflexo da aposta mundial na próxima grande revolução quântica. Os recursos ultrapassam cerca de US$ 40 bilhões e devem chegar a US$ 106 bilhões até 2040, de acordo com o Quantum Economy Blueprint publicado pelo Fórum Econômico Mundial em janeiro de 2024.
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Quero receberO Canadá, por exemplo, é uma das nações líderes mundiais em pesquisa quântica. Na última década, investiu mais de US$ 1 bilhão. A China investe praticamente metade de todo o gasto global nas tecnologias quânticas, com foco em sensoriamento, computação e comunicação quântica, sendo que nesta última já se posiciona como líder global.
No Reino Unido, a National Quantum Strategy prevê o investimento de 2,5 bilhões de libras ao longo de dez anos. Um panorama dos investimentos em 2023 pode ser consultado na plataforma qureca.
Os investimentos brasileiros são mais modestos, mas a tendência é de um aumento impulsionado pela crescente conscientização sobre o papel estratégico da área e suas aplicações inovadoras.
Em outubro do ano passado, a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) anunciou a criação de mais um Centro de Competência em Tecnologias Quânticas, com ênfase em comunicação quântica e investimento inicial de R$ 60 milhões (o equivalente a US$ 12 milhões) anunciado na iniciativa Future of Industry.
O Centro de Competência em Tecnologias Quânticas se soma a outros sete Centros de Competência Embrapii já anunciados e um, na área de Segurança Cibernética, em etapa de chamamento para o edital. Até o momento, os anúncios somam R$ 463 milhões.
As iniciativas brasileiras em ciência e tecnologia quântica começaram há três décadas. Em 1996, o Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (Pronex), do governo federal, deu início à pesquisa no setor com a instalação dos laboratórios de óptica quântica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A partir de 2001, com a criação do Instituto do Milênio de Informação Quântica, um programa do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) financiado pelo Banco Mundial, houve uma expansão nas linhas de pesquisa, abrangendo áreas como a ressonância magnética nuclear aplicada à computação quântica. O Instituto do Milênio formou um corpo de profissionais que, por sua vez, educou muitos dos cientistas em atividade nos dias atuais.
Em 2009, começou a era dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (INCT-IQ), inicialmente financiados pelo MCTI/FAPESP e atualmente sob os cuidados da FAPERJ.
O INCT-IQ consolidou o Brasil como um dos grandes formadores de recursos humanos, reunindo pesquisadores das áreas de óptica quântica, física atômica, física do estado sólido, teoria da informação quântica e ciência da computação. São mais de 20 grupos de pesquisa com mais de cem pesquisadores associados.
Embora tenha formado excelentes pesquisadores, o Brasil não investiu adequadamente em infraestrutura. A carência de laboratórios, salas limpas e equipamentos para trabalhar na escala nanométrica desacelerou o desenvolvimento de soluções locais. Isso teve impacto no desenvolvimento de maquinário e tecnologias quânticas 2.0, levando à dependência de tecnologias estrangeiras, com custos elevados para acessar computadores quânticos de empresas privadas. Mais uma consequência foi a ida de muitos talentos para centros de pesquisa internacionais.
Nossos esforços para reduzir a defasagem em relação aos países que investem mais continuam. Este ano, a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) lançou o programa QuTIa (Quantum Technologies InitiAtive), que visa promover um ecossistema para fomentar a pesquisa científica em diversas áreas relacionadas às tecnologias quânticas 2.0. Sou um dos coordenadores dessa ação que destinará cerca de 150 milhões de reais para impulsionar o progresso de tecnologias quânticas, incluindo sensores, comunicações e computação quântica.
O programa QuTIa objetiva também estimular o desenvolvimento de startups e parcerias com a indústria, criando um ambiente propício para inovação e crescimento econômico. Posicionar-se nessa frente é fundamental. Caso contrário, estaremos mais uma vez perdendo uma grande oportunidade.
*Felipe Fanchini, Físico, professor e um dos coordenadores do Programa FAPESP QuTIa em Tecnologias Quânticas, Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Este artigo foi republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.
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