Transição energética: como moléculas transformam luz em eletricidade
Gleiston Gonçalves Dias*
The Conversation
04/08/2024 19h00
Nos dias atuais, enfrentamos desafios relacionados a questões ambientais, segurança pública, energia, saúde, entre outros. A ciência, em suas múltiplas vertentes, tem se dedicado incansavelmente a oferecer soluções para esses grandes problemas. Um exemplo notável é o trabalho de cientistas como os químicos orgânicos sintéticos, especializados no design e construção de moléculas: estruturas formadas pela combinação de dois ou mais átomos através de ligações químicas.
O carbono, o elemento químico mais abundante em moléculas orgânicas, pode formar ligações entre si e com outros átomos, como hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre. Essas ligações podem ser simples, duplas ou triplas.
Neste artigo daremos atenção especial às moléculas conjugadas, ou seja, àquelas que contêm ligações simples e duplas alternadas. Esses compostos têm a capacidade de absorver comprimentos de onda específicos da luz, o que pode conferir-lhes cores distintas, propriedades fluorescentes e a habilidade de converter essa energia luminosa absorvida em outra forma de energia, como energia elétrica. É essa característica fundamental de transformação da luz absorvida em outra forma de energia que constitui a base tecnológica por trás dessas moléculas.
Energia solar e moléculas orgânicas conjugadas
A transição energética tem sido impulsionada pelas células solares sensibilizadas por corantes (DSSC), que convertem a luz solar diretamente em energia elétrica. Nestes dispositivos, moléculas orgânicas conjugadas, conhecidas como corantes, podem desempenhar um papel crucial ao transformar a energia solar em eletricidade. O aumento da eficiência desses dispositivos poderá resultar em painéis solares mais leves, flexíveis e economicamente viáveis, em comparação com as células solares de silício convencionais. Como resultado, a adoção desses dispositivos poderá reduzir a dependência de fontes de energia poluentes.
Nesse contexto, o sol pode ser um aliado importante no processo de transição energética, mas também representa um risco significativo à saúde humana. A exposição solar excessiva ao longo do tempo pode causar envelhecimento precoce e até câncer de pele. Para se proteger contra esses danos, é essencial o uso de protetores solares, sejam físicos ou químicos. Protetores solares químicos geralmente contêm moléculas orgânicas conjugadas capazes de absorver a radiação UV do sol e convertê-la em calor. Essa estratégia ajuda a prevenir danos celulares e contribui para a manutenção da saúde.
Moléculas conjugadas na eletrônica orgânica
A eletrônica orgânica é um campo de pesquisa onde se desenvolve materiais orgânicos condutores de eletricidade, como moléculas conjugadas. Assim, diversas tecnologias podem ser desenvolvidas, incluindo DSSC, OLEDs e outros dispositivos eletrônicos avançados.
Os diodos orgânicos emissores de luz (OLEDs) tornaram-se comuns em TVs e smartphones. Esses dispositivos utilizam moléculas que proporcionam cores mais vibrantes, maior contraste, maior velocidade de resposta, maior luminosidade, entre outros.
Outra aplicação interessante de moléculas conjugadas é no tratamento do câncer. Por exemplo, na terapia fotodinâmica (TFD), um fotossensibilizador, que pode ser uma molécula conjugada, é administrado e acumulado em uma região específica do organismo. Este composto absorve luz em comprimentos de onda específicos, convertendo-a em energia térmica que é transferida para o oxigênio presente no local. Isso resulta na formação do chamado oxigênio singlete, uma espécie reativa que pode destruir tecidos tumorais no corpo humano, como os de câncer de pele basocelular superficial e nodular. Recentemente, o Ministério da Saúde incorporou ao SUS a terapia fotodinâmica, um tratamento totalmente desenvolvido no Brasil, como uma alternativa eficaz para o tratamento desses tipos de câncer de pele.
Moléculas conjugadas com anéis condensados: fluorescência como ferramenta analítica
No caso específico de moléculas conjugadas formadas por anéis combinados, outro fenômeno interessante é possível: a emissão de fluorescência após a absorção de luz. Neste caso, a energia luminosa é convertida em outra forma de luz.
Essas moléculas fluorescentes têm diversas aplicações práticas devido à sua capacidade de responder a estímulos ambientais. Por exemplo, elas podem ser usadas para identificar constituintes químicos em um meio. Isso é extremamente útil para detectar metais tóxicos em águas, contaminantes em alimentos, adulteração de combustíveis, entre outros usos. Essa capacidade de detecção torna essas moléculas muito importantes em aplicações de monitoramento ambiental, segurança alimentar e controle de qualidade industrial.
Por exemplo, o mercúrio (Hg ²+), um metal tóxico frequentemente associado ao garimpo ilegal, pode contaminar rios e impactar seriamente a saúde. Um estudo recente demonstrou que a molécula de fluorescência azul mostrada abaixo perde sua fluorescência imediatamente ao detectar mercúrio (Hg ²+). Esse método pode ser empregado para indicar rapidamente se uma amostra de água de um rio está contaminada com mercúrio. Vários estudos na área têm mostrado a eficiência dessa tecnologia em detectar diversos outros metais tóxicos em amostras de água, utilizando mudanças na intensidade, redução ou alteração na cor da fluorescência dessas moléculas conjugadas.
A adulteração de combustíveis através da adição de solventes orgânicos, como álcool, é uma prática ilegal preocupante. Recentemente, cientistas brasileiros desenvolveram a molécula conjugada que aumenta a sua intensidade de fluorescência à medida que se adiciona álcool à gasolina. Assim, a intensidade do brilho dessa substância poderia ser utilizada para avaliar a quantidade de álcool presente na gasolina, o que auxiliaria na investigação e prevenção dessas práticas criminosas.
Aplicações de compostos fluorescentes em segurança pública
Na área de segurança pública, compostos fluorescentes podem ser utilizados para a identificação de impressões digitais latentes (invisíveis). As imagens fluorescentes das digitais revelam maior contraste, sensibilidade, conforme descrito por um grupo de cientistas chineses. Esse método permite uma detecção mais eficiente e confiável das impressões digitais, contribuindo para investigações criminais e operações de segurança.
Outra aplicação importante envolve a detecção de drogas ilícitas, explosivos e marcação de componentes de armas e munições de maneira semelhante ao que foi descrito anteriormente para a detecção de metais tóxicos. Basicamente, uma molécula fluorescente, ao interagir com vestígios dessas substâncias, é capaz de alterar suas propriedades emissivas: como intensificar, reduzir ou mudar a cor de emissão. Portanto, esses compostos representam ferramentas cruciais na área de segurança pública, permitindo a identificação rápida e precisa de materiais perigosos em diferentes contextos operacionais.
A interação da luz com moléculas conjugadas abre portas para o desenvolvimento de diversas tecnologias nos campos da óptica e eletrônica. Muitas dessas tecnologias já são parte do nosso cotidiano, como as telas OLED e os painéis solares, enquanto outras ainda estão em desenvolvimento com perspectivas promissoras de se tornarem viáveis em breve. Portanto, grandes avanços tecnológicos podem surgir a partir dessas pequenas moléculas conjugadas, contribuindo para um futuro mais sustentável e agradável.
*Gleiston Gonçalves Dias, pesquisador de pós-doutorado em Síntese Orgânica e Química Medicinal, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Este artigo é republicado do The Conversation sob a licença Creative Commons. Leia o artigo original.