Livros de capa verde podem envenenar pessoas; entenda o porquê
Colaboração para Tilt
01/09/2024 12h00
Quem possui livros antigos com capa verde-esmeralda precisa tomar cuidado: sua relíquia pode envenenar. A conclusão é do Poison Book Project (Projeto do Livro do Veneno, em tradução livre) mantido pela Universidade de Delaware e pelo Winterthur Museum, Garden and Library, nos EUA, que detectou níveis tóxicos de metais pesados em exemplares do século 19.
A iniciativa teve origem por "acidente" depois que a professora Melissa Tedone, chefe do laboratório de conservação da biblioteca do museu Winterthur que é associado à universidade, começou a reparar um livro em 2019 para uma exposição sobre antiquários vitorianos. O volume era "Rustic Adornments for Homes of Taste", um exemplar sobre decoração de capa verde vibrante que tinha se soltado.
Mas durante o trabalho, ela notou um detalhe que chamou sua atenção. "Havia algo na forma com que o pigmento estava se comportando. Eu podia vê-lo descascando sob o microscópio", contou ao jornal The Washington Post no fim de julho. Na época em que restaurava o livro, ela estava lendo no seu tempo livre um artigo sobre papéis de parede com arsênico que eram comuns no século 19.
"Foi por acaso. Pensei que talvez eu devesse testar este pigmento e garantir que não estivesse cheio de arsênico". E estava.
Veneno por toda parte, dos vestidos de baile ao papel de parede
O primeiro pigmento verde com arsênico foi inventado pelo químico sueco Carl Wilhelm Scheele em 1775 e se tornou popular porque seu tom era mais vívido e durável do que outros materiais usados para colorir tecidos. "As mulheres estavam usando aqueles vestidos de baile, todos cheios de pigmento de arsênico, que soltava pó de arsênico quando elas rodavam pelos salões de baile", explica a professora Tedone.
Segundo ela, as pessoas sabiam que o material poderia ser perigoso, mas até que químicos desenvolvessem materiais mais seguros e tão bonitos quanto no século 20, o pigmento "Verde Paris" (como era chamado) continuou desenfreadamente utilizado. E, apesar de este ser um fato bem conhecido, especialistas até então não tinham imaginado que o tecido com arsênico das roupas e papéis de parede das casas vitorianas também tivesse sido utilizado nas capas de livros.
Como o primeiro livro em que o arsênico foi detectado por Melissa Tedone tinha sido publicado em larga escala, a professora imaginou que ele não poderia ter sido o único de sua época a estar potencialmente envenenado. Assim, elas decidiram iniciar uma busca pelos volumes que ainda existem, começando pela própria biblioteca do museu ligado à universidade — o que deu origem ao Poison Book Project.
Em busca dos livros envenenados
Juntas, Melissa e sua colega Rosie Grayburn, além de suas equipes, desenvolveram um método para investigar a composição dos livros com fluorescência de raio-X. "É um dispositivo que parece uma arma de raios ligada a um computador. Basicamente, você aponta a arma ao objeto e o computador rapidamente lhe mostra o que tem nele", relatou ao Post.
As especialistas em conservação já encontraram evidências de metais pesados (e tóxicos para o ser humano) como chumbo, crômio, mercúrio e o próprio arsênico em cerca de 50% dos livros testados. Crômio é mais comum nos livros de capas amarelas da época, enquanto o mercúrio é responsável pelos vermelhos mais vibrantes.
O arsênico, que é o mais tóxico de todos os metais, foi encontrado em 300 livros até então — e em quantidades bem mais assustadoras que os outros "colegas". A Organização Mundial de Saúde (OMS) associa a exposição de longo prazo ao arsênico, especialmente por meio de comida ou água contaminada, a lesões na pele e potencialmente câncer de pele.
A Cleveland Clinic, instituição de saúde de renome em pesquisa biomédica dos EUA, cita que exposição de pelo menos 30 minutos ao arsênico pode levar a dores abdominais, náusea, vômito, diarreia, tosse, dores no peito, dificuldades para respirar, dor de garganta, arritmias cardíacas, pressão baixa, vermelhidão e inchaço na pele, sensação de agulhamento e formigamento de dedos, cheiro de alho no hálito e tecidos do corpo, escurecimento da pele, verrugas e outras lesões de pele, além de problemas persistentes de digestão.
Não à toa, os resultados do Poison Book Project já levaram outras grandes instituições, como a Biblioteca Nacional da França e a Universidade do Sul da Dinamarca a remover livros de circulação e os colocar em quarentena. Mas se você tiver um destes livros antigos em casa e suspeitar de seu estado, a professora Tedone alerta que não há motivo para pânico — ou para jogar o livro fora.
É possível, em primeiro lugar, consultar a base de dados constantemente atualizada do projeto para ver se o seu livro está relacionado entre os contaminados. Caso ainda não esteja, mas a dúvida persista, é possível solicitar um dos marcadores de página que a Universidade de Delaware disponibiliza para que você possa checar se o tom se encaixa entre aqueles de livros potencialmente tóxicos.
E, como todo cuidado é pouco, o projeto instrui a selagem do livro para guardar. "Não precisa ser sofisticada, uma sacola plástica hermética de mercado serve", ensina a professora. Se quiser ler o livro, use luvas nitrílicas para pegar no exemplar e o posicione sobre uma superfície dura — para que você possa desinfetá-la depois da leitura. Tire as luvas e lave as mãos ao acabar.
Ah, e pode parecer desnecessário dizer, mas seja lá o que estiver lendo, não lamba as páginas.