Turbulências invisíveis a radares de avião dispararam e a culpa é nossa
De Tilt, em São Paulo
23/09/2024 05h30
As viagens de avião têm enfrentado mais turbulências, mesmo quando o céu está limpo e sem nuvens.
Não é coincidência ou azar. A ocorrência desse fenômeno, chamado de "turbulência de ar claro" e mais raro no passado, aumentou 55% nas últimas quatro décadas, de acordo com um estudo publicado por cientistas da Universidade de Reading, da Inglaterra, na revista Geophysical Research Letters.
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O motivo, explicam eles, é o aquecimento global, que faz a Terra ficar mais quente.
Invisíveis não apenas aos nossos olhos, estas turbulências passam despercebidas aos radares dos aviões e pegam tripulação e passageiros de surpresa.
Os pesquisadores detectaram o acréscimo em rotas de avião comercial entre 1979 e 2020. A maioria ocorreu sobre os Estados Unidos e o Atlântico Norte, mas também há registros significativos sobre Europa, Oriente Médio, Pacífico Oriental e Atlântico Sul.
Após uma década de pesquisa alertando que as mudanças climáticas aumentariam as turbulências do ar claro no futuro, agora temos evidências de que o aumento já começou. Sabíamos que estava acontecendo, mas é chocante ver este número
Paul Williams, cientista atmosférico da Universidade de Reading e um dos coautores do estudo
Por que é invisível?
Turbulências são, em resumo, distúrbios no ar, com causas e intensidades diferentes. As mais comuns são:
- mecânica: são geradas por barreiras no fluxo do vento, como construções, vegetação e terrenos irregulares;
- orográfica: também conhecida como ondas de montanha, ocorre em áreas de serras e cordilheiras;
- em nuvens: em geral, é causada por nuvens do tipo cumulus, que têm um interior caótico;
- térmica: costuma ocorrer no verão, quando o solo está mais quente e as correntes de ar sobem bruscamente de baixas altitudes;
- de ar claro ou CAT, na sigla em inglês: manifestam-se acima de 15 mil pés (cerca de 4.500 m, na altitude de cruzeiro de um avião comercial), devido a diferenças na velocidade do vento em diferentes altitudes.
Diferente dos três primeiros tipos, que podem ser detectados a olho nu, por instrumentos e cartas aeronáuticas, as turbulências térmicas e as de ar claro são sorrateiras — estas últimas são bem inconvenientes e difíceis de se navegar.
O cenário é perigoso para a aviação, pois os pilotos têm de lidar com uma situação que dá poucos indícios de sua presença. Uma turbulência CAT normalmente é invisível até para radares
Como capta, principalmente, gotículas de água, o radar meteorológico dos aviões é "cego" para uma turbulência que se forma quando não há nuvens, seja de noite ou de dia.
O problema é quando não há umidade suficiente para que essas nuvens se formem, por que não há como saber visualmente se existe ou não alguma turbulência que possa ser perigosa durante o trajeto de um voo.
Por que estão aumentando?
Geralmente, as turbulências de ar claro estão associadas a "jet streams", ou correntes de jato, que são fluxos de ar muito rápidos e estreitos.
Essas correntes têm se tornado mais instáveis à medida que as emissões de gases do efeito estufa, gerados na queima de combustíveis fósseis, aquecem a camada mais baixa da atmosfera da Terra, a troposfera.
A crescente diferença de temperatura entre a troposfera e a estratosfera (a camada seguinte, que é mais fria), impulsiona um aumento da ocorrência de CATs.
Existem regiões que os aviões já evitam, pois historicamente existe turbulência com frequência maior. Um exemplo é o lado de São Paulo da Mantiqueira, onde várias ondas facilmente se formam acima e após a serra. Assim, mesmo com céu limpo, já se sabe que é bom não passar por lá. Já as turbulências que se formam devido às "bolsas" de ar quente nós não conseguimos prever nem o local nem o momento de sua ocorrência.
O que esperar no futuro?
A cada grau Celsius que a temperatura mundial subir, as ocorrências de turbulências de ar devem crescer de 9% a 14% para cada estação do ano, prevê um estudo publicado em março, também pela Universidade de Reading.
Um relatório recente da OMM (Organização Meteorológica Mundial) alertou que a temperatura média global subiu 1,15ºC desde a revolução industrial até 2022.
Segundo os cientistas, o verão, temporada com menos turbulência, deve sofrer um aumento maior que o inverno, que historicamente têm mais ocorrências. E, a partir de 2050, as duas estações já serão igualmente turbulentas.
Os riscos
Apesar de incômodas, turbulências são fenômenos comuns e relativamente inofensivos. Não conseguem, sozinhas, derrubar um avião, que é flexível o suficiente para suportá-las.
Mas custam milhões às companhias aéreas todos os anos, devido a ferimentos das pessoas, danos aos aviões e atrasos de voos. "Cada minuto extra de um voo gasto em turbulência aumenta esses riscos. As companhias precisam começar a pensar em como administrar isso", afirma o pesquisador britânico Williams.
Muitas vezes, é inevitável passar por uma turbulência. Quando é prevista, porém, há tempo de alertar os passageiros e a tripulação, tomando as medidas de segurança necessárias.
Contra as CATs, porém, não há muito o que fazer. A principal ferramenta é o simples reporte dos pilotos. "Os primeiros a passarem pelo local avisam sobre a existência da turbulência, para que os próximos aviões na rota possam desviar. Essa comunicação é essencial para reduzir riscos. E não pode parar aí: os centros meteorológicos e de controle devem distribuir o aviso", ressalta o meteorologista Junior.
Fontes: Vlamir Junior, meteorologista aeronáutico, e Diego Rhamon, meteorologista e pesquisador do Inpe
*Com matéria de junho de 2023