Redes e games geram vício por 'incorporarem jogos de azar’, diz psiquiatra

(Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre tecnologia no podcast Deu Tilt. O programa vai ao ar às terças-feiras no YouTube do UOL, no Spotify, no Deezer e no Apple Podcasts. Nesta semana, o assunto é: Redes sociais e games abraçam jogos de azar; Vício em apostas: Brasil ignora problema mundial; 'Minha filha só vai ter celular aos 14 anos')

Redes sociais e games encontraram a estratégia ideal para prender usuários e jogadores por mais tempo. São mecanismos típicos de jogos de azar, como caça-níqueis e bingo online.

A avaliação é do psiquiatra Rodrigo Machado, que atua no Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ele participou do episódio desta semana de Deu Tilt, o podcast do UOL para humanos por trás das máquinas.

O cenário fica mais explosivo quando casas de apostas, as bets, usam redes sociais, já impregnadas de artifícios dos jogos de azar, para capturar a atenção de potenciais apostadores, explica o psiquiatra.

Tão viciantes quanto drogas pesadas

O psiquiatra aponta que há uma perda de controle em relação a tudo o que o cérebro considera muito sedutor. E o descontrole pode ser gerado por substâncias entorpecentes a determinados comportamentos. Em última instância, isso pode ser entendido como vício.

O vício em compras, o impulso sexual excessivo, assim como o uso abusivo de tecnologias e a dependência em jogos de azar, chamado de transtorno do jogo
Rodrigo Machado

Ainda que aparentemente inofensivo, os celulares podem ser tão viciantes quanto drogas. Isso depende, é claro, do caso analisado. No ambulatório onde Machado atua são estudados casos de dependência tecnológica para compreender seus impactos no cérebro.

Existe um porquê de estarmos falando disso agora e não ter falado lá atrás. É que a tecnologia muda a galope e passou a ter incrementos que a tornaram algo mais sedutor. Agora vemos indivíduos adoecidos
Rodrigo Machado

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Há uma gradação na evolução de cada vício, explica Machado. É menor o tempo que leva para alguém se viciar em heroína do que em álcool, por exemplo. É possível, porém, ampliar o nível de atratividade. É o caso das plataformas digitais.

Dentro das tecnologias, nós sabemos de formas diferentes de ela atuar no cérebro. A gente sabe, por exemplo, que as redes sociais passaram a incorporar dentro delas mecanismos geradores de prazer, para persuadir o usuário a ficar mais tempo nelas, e muitos deles vieram de jogos de azar
Rodrigo Machado

O exemplo que ele dá é a atualização de redes sociais como Instagram, que reproduzem a lógica de roletas de caça níquel. Sempre que o usuário arrasta a tela para baixo, um círculo aparece no topo para gerar a expectativa se haverá novas curtidas ou interações.

Só que, em vez da expectativa por receber dinheiro das máquinas de caça níquel, as pessoas recebem aprovação social, que dá uma sensação de gratificação ao cérebro. Com o tempo, a busca pelo estímulo vira um incentivo para usar essa rede social.

O médico explica que o sistema de recompensas se modifica com a recorrência do estímulo. Com o tempo, é preciso mais likes para ter alguma sensação positiva. Isso leva a dependência.

Rodrigo Machado explica que a adoção de mecanismos de jogos de azar por parte de games tem sido tão recorrente que é difícil fazer uma distinção entre eles.

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A definição do jogo de azar é que a gente precisa empenhar dinheiro esperando um resultado final, que é ganhar mais dinheiro, intermediado por aleatoriedades. Nos games, nós não tenho o empenhar dinheiro para ganhar mais dinheiro, mas a gente tem o empenhar dinheiro, com aleatoriedade, para me trazer um melhor resultado
Rodrigo Machado

Mas a possibilidade de lucrar enquanto joga já está presente nos jogos convencionais, como a franquia de futebol Fifa. O psiquiatra se esquiva de avaliar se o game amado por boleiros é porta de entrada para drogas mais pesadas.

Todavia, ele aponta que há uma associação muito forte entre usuários engajados na compra de skins e itens dentro do jogo e a propensão a embarcar em jogos de azar.

Vício em apostas: Brasil está ignorando problema mundial

Quase 9% da população mundial já apresenta algum tipo de problema com vício em apostas. A partir de 2025, o Brasil vai legalizar centenas de casas de apostas.

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Será que o país está preparado para a grande quantidade de dependentes em jogo que vai surgir? "Nenhum país está preparado", diz Machado.

'Minha filha só vai ter celular aos 14 anos'

A intersecção entre redes sociais, games e jogos de azar é tão poderosa que cria uma nova geração de apostadores. O motivo? "Hoje em dia cada um tem seu cassino online na palma da mão por causa do smartphone", diz Machado.

Ele defende que influenciadores digitais fossem proibidos de promover apostas online.

Também critica escolas que promovem o uso de smartphones, pois há pouca comprovação de que os aparelhos contribuem com o ensino, mas há muitas evidências que mostram como ele atrapalha as capacidades cognitivas. "Minha filha só vai ter celular aos 14", diz o psiquiatra.

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DEU TILT

Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana às 15h.

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