Fétida e 'gelatinosa', tempestade em Júpiter seria capaz de engolir a Terra
Colaboração para Tilt
16/10/2024 05h30
A Grande Mancha Vermelha, uma tempestade que já dura 190 anos na superfície de Júpiter, está "vibrando como uma gelatina" e se movendo, anunciou a NASA na quarta (9). A descoberta inédita também foi analisada em artigo publicado no periódico The Planetary Science Journal e apresentado na 56ª reunião anual da Divisão de Ciências Planetárias da Sociedade Astronômica Americana em Boise, nos EUA.
O que aconteceu
Imagens capturadas pelo Telescópio Espacial Hubble mostram que a mancha vem sendo "espremida". Uma série de registros coletados durante um período de 90 dias, de dezembro a março, revelaram aos astrônomos que a tempestade não é tão estável quanto se imagina apesar da sua longa duração. Ela parece se amassar como uma bolinha antiestresse e balança como uma gelatina.
Grande Mancha Vermelha é um anticiclone. Ou seja, ela é uma zona de enorme circulação de ventos na atmosfera de Júpiter que gira em torno de uma área central de alta pressão. Ela está situada em região de média latitude do hemisfério Sul do planeta gigante, próximo a um cinturão de nuvens.
A NASA estima que se a tempestade acontecesse na Terra, ela poderia "engolir" o planeta por 150 anos. A Grande Mancha vermelha é a maior tempestade do Sistema Solar, tanto que a Terra caberia dentro dela.
Apesar de tempestades serem geralmente instáveis, esta não era a ideia que astrônomos tinham da mancha. Além do "aperto", contraindo e expandindo ao longo de meses ou anos, ela parece vibrar em seu vórtex.
Enquanto sabíamos que seus movimentos variam levemente em longitude, não esperávamos ver seu tamanho oscilar também. Até onde sabemos, este [fenômeno] não foi identificado antes. Esta é realmente a primeira vez em que tivemos imagens próprias da cadência da Grande Mancha Vermelha. Com a alta resolução do Hubble, podemos dizer que a Grande Mancha Vermelha está definitivamente se contraindo e expandindo ao mesmo tempo em que se movimenta mais rápido ou mais devagar. É algo muito inesperado.
Amy Simon, cientista planetária do Goddard Space Flight Center da NASA
Tempestade é sanduíche com recheio "vazando". Em comunicado emitido pela NASA, o co-autor da pesquisa Mike Wong, cientista planetário da Universidade da Califórnia em Berkeley, esclareceu que o mais interessante sobre a Grande Mancha Vermelha é que ela está tecnicamente presa, mas segue em movimento. "Conforme acelera e desacelera, a Grande Mancha Vermelha está empurrando contra as correntes de jatos de vento ao norte e ao sul dela. É similar a um sanduíche em que as fatias de pão são forçadas a inchar quando há muito recheio no meio". Como resultado, o interior da tempestade acaba brilhando e chegando ao seu maior tamanho durante estas oscilações.
Processo é diferente do que é conhecido em Netuno, por exemplo. Por lá, pontos escuros podem ficar à deriva pelo planeta já que não há jatos fortes os mantendo em um mesmo lugar, enquanto a Grande Mancha de Júpiter está "presa" pelas correntes ao seu entorno — as mesmas que forçam as expansões e contrações do seu interior.
Grande Mancha Vermelha está encolhendo. Desde o início do programa OPAL (Outer Planet Atmospheres Legacy) da NASA há uma década, esta foi a tendência observada pelo time de Amy Simon. A expectativa é que a mancha deva continuar encolhendo até atingir um formato estável e menos alongado, o que pode reduzir as oscilações.
Tempestade tem gás fétido e misterioso
Grande Mancha Vermelha é gelada no centro. Amônia e água se condensam dentro do seu vórtex e geram nuvens bastante densas, segundo outro estudo de um time internacional de astrônomos liderado pela Universidade de Leicester no Reino Unido. A pesquisa usou imagens do Telescópio Espacial James Webb para capturar detalhes em luz infravermelha e foi publicada em 27 de setembro no Journal of Geophysical Research.
Fosfina ainda foi achada dentro da tempestade. O gás tóxico e incolor é composto por um átomo de fósforo e três átomos de hidrogênio e seria extremamente inflamável e explosivo. A molécula, que já foi encontrada nas nuvens de Vênus, teria cheiro de alho ou peixe podre, descreve a Agência dos Estados Unidos para o Registro de Substâncias Tóxicas e Doenças (ATSDR, na sigla em inglês).
O gás malcheiroso poderia ter um papel na formação "de cores vermelhas misteriosas". A suposição foi feita pelo co-autor do estudo em Leicester, o professor de ciências planetárias Leigh Fletcher, em comunicado.
Ambas as pesquisas notaram instabilidades na tempestade. Apesar de usarem recursos de entidades diferentes e telescópios diferentes, os astrônomos chegaram a uma mesma conclusão: a Grande Mancha Vermelha é mais complexa e instável do que se acreditava até então.
Ao olho não-treinado, as nuvens listradas de Júpiter e sua famosa tempestade vermelha podem aparecer estáticas, estáveis e duráveis por muitos anos. Mas uma inspeção mais próxima mostra incrível variabilidade, com padrões meteorológicos caóticos tão complexos quanto qualquer coisa que temos aqui na Terra. Cientistas planetários têm se esforçado por anos para ver padrões dentro destas variações, qualquer coisa que possa nos dar um entendimento da física que sustenta este sistema complexo.
Leigh Fletcher, professor da Universidade de Leicester, no Reino Unido, à CNN americana.
Descoberta poderá ajudar cientistas a compreender as condições meteorológicas de outros planetas, até aqueles que orbitam estrelas além do Sol. Mesmo Fletcher, que não participou do estudo com as imagens feitas pelo Hubble, acredita que estes achados possam aumentar o entendimento do clima fora da Terra. "Observando a Grande Mancha por alguns meses, o Hubble mostrou que o anticiclone está mudando de forma assim como de oscilação. A mudança de forma é importante, porque pode estar afetando como a periferia do vórtex interage com outras tempestades passando por ali", comentou à CNN.