Como dois processos para reduzir 'domínio' do Google afetam o mundo tech
De Tilt, em São Paulo
19/10/2024 05h30
Uma divisão do Google em várias empresas, como foi sugerida pelo DoJ (Departamento da Justiça dos EUA), pode mudar o cenário da tecnologia. Com mais de 25 anos de existência, a empresa vem sendo alvo de ações pelo seu domínio —e uma medida drástica, sem precedentes, mudaria os rumos da big tech.
Nos EUA, pelo menos duas grandes ações pedem algum tipo de intervenção para que empresa seja menos dominante e permita a entrada de outros concorrentes.
Em uma, o juiz já considerou o Google "um monopólio ilegal" e agora estuda as consequências, sendo que a possibilidade de desmembramento da companhia é considerada. Em outra, está em disputa a regra sobre permitir outras lojas de aplicativo no Android, o que poderia baratear apps e abrir espaço para outros concorrentes.
A empresa promete recorrer nos dois processos, podendo chegar até à Suprema Corte, e alega que a concorrência está "começando" em anúncios de busca e é "ferrenha" em inteligência artificial. Também bate na tecla de que sofre pressão das empresas estrangeiras, citando a competição de IA da China —sem mencionar o país diretamente— e Rússia.
Ainda que definições surjam ao longo do caminho, as duas ações podem levar anos para terminar.
O Google hoje tem o mecanismo de busca mais usado nos EUA (com 90% do mercado), a plataforma Android (que não é a mais usada no seu país de origem, mas é líder mundial), o navegador mais usado (Chrome) e grande domínio no mercado de publicidade online.
O que está em jogo
DoJ processou o Google por considerar que empresa tinha monopólio de buscas e publicidade digital. O processo começou em 2020 e culminou em agosto com o juiz da ação considerando, de fato, a empresa um monopólio, com grande controle nessas áreas.
Alta quantia paga para manter o Google como buscador padrão foi prova de prática anticompetitiva. A companhia pagava bilhões por ano em acordos de exclusividade para ser o buscador padrão em iPhones (líder de mercado nos EUA), celulares da Samsung, além de navegadores (Firefox e Safari, da Apple). Estima-se que foram gastos US$ 26 bilhões desde 2021.
Empresa é acusada de privilegiar produtos próprios em detrimento de concorrentes. Nos EUA, o site de recomendações Yelp, por exemplo, sempre foi crítico à empresa, argumentando que resultados de serviços do Google apareciam melhor que o deles.
Negócio de publicidade é visto como vetor para queda de jornais nos EUA. A consolidação do mercado de publicidade digital prejudicou o jornalismo, que depende de receitas de anúncios para sobreviver.
'Remédio' sugerido pelo DoJ é o desmembramento da empresa. Na prática, isso quer dizer que empresa pode ter que vender se desfazer de parte de seus negócios, como Chrome e Android. Órgão também pede o fim de acordos relacionados à busca e considera solicitar medidas educacionais para que Google explique aos usuários qual sistema de busca mais se encaixa no perfil de uso.
Sistemas de busca DuckDuckGo e Bing, da Microsoft, podem ganhar espaço e preço para milhares de anúncios pode baixar.
Por outro lado, a IA pode perder força. Analistas ouvidos pela Reuters apontam que, com menos receita, a empresa poderia perder poder para treinar inteligência artificial generativa, favorecendo o ChatGPT, da OpenAI, e o Claude, da francesa Anthropic.
Escrutínio do DoJ é sem precedentes. A investigação do Google visa reduzir o poder de big techs e pode respingar em Meta, Amazon e Apple.
Estamos considerando correções comportamentais e estruturais que preveniriam o Google de usar produtos, como Chrome, Play e Android, de terem vantagem em busca do Google ou em produtos e recursos relacionados ao Google --incluindo recursos de inteligência artificial--, para prevenir rivais ou novos competidores
Documento do Departamento de Justiça dos EUA
(O Google é) uma empresa complicada, que tem uma quantidade enorme de alavancas operacionais para alcançar o que deseja, e por isso precisa ser correspondida com um conjunto igualmente amplo de medidas complementares, incluindo desinvestimentos quando necessário
John Kwoka, professor da Northeastern University, ao Financial Times
Se o tribunal dividisse o Google, isso não mudaria essas condições monopolísticas. Uma divisão também seria uma punição excessivamente severa para uma empresa que alcançou grande parte de seu sucesso por meio de suas inovações em busca
Michael Cusumano, professor de gestão do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), ao FT
A batalha da Epic contra o Google
No segundo processo, a Epic Games processou o Google alegando monopólio sobre o Android. A desenvolvedora do game Fortnite diz que o Google controla as formas de pagamento e a maneira como os consumidores acessam apps no seu sistema operacional. A Epic começou uma batalha judicial em 2020 contra todas as empresas donas de lojas de apps por achar injustas as "taxas" cobradas.
Decisão em primeira instância da Justiça dos EUA favoreceu a Epic Games. Em decisão de 7 de outubro, o juiz determinou que o Google pare de exigir que cobranças sejam feitas apenas via Play Store (onde todo pagamento é taxado em 15%) e permita outras lojas de aplicativo (inclusive, deve liberar apps próprios, como Google Maps, para essas lojas).
A decisão deve baixar o preço dos apps nas lojas.
Documentos do processo mostram que empresa deu vantagens para parceiros estratégicos, como Netflix (pagar apenas 10%) e Spotify (usar sistema de pagamento próprio), por exemplo. Também ficou demonstrado que o Google chegou a pagar empresas para não criarem novas lojas.
Foi definido ainda que Epic e Google devem criar comitê para avaliar se regras estão sendo seguidas. Nele, deverá ter um representante de cada empresa, e um terceiro escolhido pelas companhias envolvidas.
O Google pediu que a decisão seja suspensa e disse que o júri não considerou que compete com a Apple e declarou que as mudanças causarão "uma série de consequências não intencionais que prejudicarão consumidores, desenvolvedores e fabricantes".