Porfírio: buraco negro tem jatos de energia do tamanho de 140 Vias Lácteas
Colaboração para Tilt
23/10/2024 05h30Atualizada em 23/10/2024 12h29
Astrônomos detectaram o maior par de jatos de buracos negros já visto: são 23 milhões de anos-luz de diâmetro total, o equivalente ao alinhamento de 140 galáxias da Via Láctea.
O que aconteceu
Pesquisadores revelaram descoberta em estudo publicado na revista Nature de setembro. Martijn Oei, pós-doutorando do Instituto de Tecnologia da Califórnia, o Caltech, e autor principal do artigo, explicou que o par de jatos encontrado pela equipe é o mais longo já registrado até o momento.
Este par não tem apenas o tamanho de um sistema solar ou da Via Láctea; estamos falando de 140 diâmetros da Via Láctea no total [...] A Via Láctea seria um pequeno ponto nessas duas erupções gigantes. Martijn Oei ao Caltech
O jato recebeu o nome de Porfírio, em homenagem ao grego de mesmo nome, que foi um dos expoentes do neoplatonismo. A estrutura, segundo os pesquisadores, data do período em que o universo tinha 6,3 bilhões de anos, ou seja, menos da metade da idade atual: 13,8 bilhões de anos.
Imagem compara tamanho do Porfírio com o da Via Láctea. A imagem, feita pelo radiotelescópio europeu Lofar (sigla em inglês para Low Frequency Array, ou matriz de baixa frequência, em tradução livre), mostra toda a extensão dos jatos (legendas "jet end"), que corresponde a 23 milhões de anos-luz. No centro, a luz com maior intensidade indica a galáxia hospedeira do buraco negro.
Os fluxos de matéria e de energia gerados pelo buraco negro foram descritos pelos pesquisadores como "violentos". A produção de energia total no Porfírio, que é equivalente a bilhões de sóis, conforme os cientistas, é lançada "de cima e de baixo de um buraco negro supermassivo no coração de uma galáxia remota".
Como os jatos foram encontrados?
Jatos foram encontrados por meio do Lofar. Em 2018, a equipe liderada por Martijn Oei passou a usar o Lofar para estudar as estruturas conhecidas como teia cósmica, nome dado aos filamentos que conectam e alimentam as galáxias. Ao analisar as imagens geradas pelo radiotelescópio, os cientistas notaram diversos sistemas de jatos. "Quando descobrimos os jatos gigantes, ficamos bastante surpresos. Não tínhamos ideia de que havia tantos", declarou Oei ao Caltech. Para a avaliação das imagens, a equipe contou com máquinas treinadas e o auxílio de "cientistas cidadãos" espalhados pelo mundo.
Normalmente, quando obtemos uma nova capacidade de observação, como a combinação de amplo campo de visão e sensibilidade muito elevada a estruturas extensas do Lofar, encontramos algo novo, mas ainda assim foi muito emocionante ver tantos destes objetos emergindo. Martin Hardcastle, co-autor do estudo e professor de astrofísica na Universidade de Hertfordshire, na Inglaterra, ao Caltech
Para encontrar a galáxia de onde o Porfírio se originou, os cientistas usaram um conjunto de equipamentos. Um deles, o GMRT (Giant Metrewave Radio Telescope), fica na Índia. Outro, o projeto chamado Desi (Dark Energy Spectroscopic Instrument), opera no Kitt Peak National Observatory, no Arizona (EUA). De acordo com as observações dos pesquisadores, a origem dos jatos é uma galáxia "robusta", cerca de dez vezes mais massiva que a nossa Via Láctea.
Distância da Terra e buraco negro radioativo. Com os registros feios pelo Observatório W. M. Keck, no Havaí (EUA), que também fez parte do estudo, os cientistas definiram a distância do Porfírio em relação à Terra: 7,5 bilhões de anos-luz. As observações do W. M. Keck também indicam que o Porfírio emergiu de um buraco negro ativo em modo radioativo.
Quando os buracos negros supermassivos se tornam ativos, as estruturas emitem energia em forma de radiação ou de jatos. Segundo os pesquisadores, os buracos negros em modo radioativo eram mais comuns no universo "jovem" ou "distante", enquanto os buracos negros em modo jato são mais comuns no universo atual.
O que a descoberta significa?
Porfírio indica que os sistemas de jatos podem ter tido maior impacto no universo do que se imaginava. Segundo os cientistas, jatos em buracos negros podem ter influenciado a formação das galáxias conhecidas atualmente, tendo alcançado uma porção maior da teia cósmica. "Se jatos distantes como estes conseguem atingir a escala da teia cósmica, então todos os lugares do universo podem ter sido afetados pela atividade de buracos negros em algum momento do tempo cósmico", explica Oei.
Os astrônomos acreditam que as galáxias e os seus buracos negros centrais co-evoluem, e um aspecto chave disto é que os jatos podem espalhar enormes quantidades de energia que afetam o crescimento das suas galáxias hospedeiras e de outras galáxias próximas deles. Esta descoberta [o Porfírio] mostra que os seus efeitos podem estender-se muito mais longe do que pensávamos. George Djorgovski, professor de astronomia e ciência de dados na Caltech e co-autor do estudo
Descoberta pode abrir espaço para encontrar novos buracos negros do tipo. Como o Porfírio foi detectado em uma galáxia distante em que, segundo os especialistas, existem outros buracos negros em modo radioativo, é possível haver, também, outros pares de enormes jatos a serem descobertos. "Podemos estar olhando para a ponta do iceberg. Nossa pesquisa com o Lofar cobriu apenas 15% do céu, e a maioria desses jatos gigantes são provavelmente difíceis de detectar. Por isso, acreditamos que há muito mais desses gigantes por aí", declarou Oei.
Origem da capacidade de resistência dos jatos encontrados ainda é desconhecida pelos cientistas. Como continuidade ao estudo, os pesquisadores buscam descobrir como os jatos conseguem se estender tão longe de suas galáxias hospedeiras sem apresentar desestabilização. Segundo Oei, é possível que o magnetismo gerado pelos jatos dos buracos negros tenha se espalhado pelo cosmos, permeando a teia cósmica, as galáxias, as estrelas e os planetas.
Antes da descoberta de Porfírio, o maior sistema de jato registrado era o Alcyoneus. Descoberto em 2022 pela mesma equipe que encontrou o Porfírio, o Alcyoneus abrange o tamanho de cem Vias Lácteas. O Centaurus A, o sistema de jato mais próximo da Terra, abrange "somente" dez Vias Lácteas.