'Usava lanterna do celular': sem energia, ocupação se vira com poste solar
Você sai cedo ou chega tarde em casa com a certeza de ter o mínimo de iluminação pública. Mas e quando não tem? Como faz?
"A gente se virava com lanterna do celular ou sempre mantinha um kit de lanterna e pilha na bolsa", disse Ediléia Ely.
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A família de Léia, como ela é conhecida, é uma das 1.200 que fazem parte da ocupação Anchieta, no Grajaú, zona sul de São Paulo —a ocupação existe desde 2013.
Irregular, o lugar não tem iluminação pública, então a solução tem sido postes movidos a energia solar. Enquanto boa parte da cidade ficou no escuro durante os recentes problemas com apagões, lá, pelo menos, estava tudo iluminado.
Questão de segurança
A comunidade Anchieta foi estabelecida em 22 de julho de 2013. As famílias começaram a se mudar para o local em busca de moradia. Por lá, há sinal de internet e água, mas não tem iluminação pública porque o local não foi arruado (ou seja, não teve demarcações para a criação de ruas).
Cerca de 7.000 pessoas moram no local, aproximadamente 1.700 crianças e jovens de 0 a 16 anos.
O que mais pega para a gente é a questão da segurança, para quem chega ou quem sai à noite. Minha filha sai do trabalho às 23h30 e, dependendo da condução, chega aqui à 1h. Então, está tudo muito escuro.
Léia Ely, moradora da ocupação há mais de dez anos
O terreno é irregular, com chão de barro e pedras, além de alguns barrancos. Então, mesmo de dia, o risco de cair é grande. Sem luz, a situação ficaria ainda pior. Até mesmo pela manhã, a falta de luz já causou alguns problemas para moradores da ocupação.
"Uma criança caiu na mina d'água [que fica na comunidade] enquanto ia para a escola, pois estava muito escuro. Ela teve de voltar e trocar de roupa", disse José Benedito, que mora há pouco tempo na ocupação.
Solução do sol
Desde o início do ano, a ocupação recebeu postes feitos de PVC, que são equipados com uma placa solar virada para cima, uma bateria, uma lâmpada de LED e uma garrafa pet para irradiar a luz.
Além disso, há um sensor, que liga o poste ao escurecer (por volta das 17h30) e desliga quando amanhece (por volta das 5h). Para os postes ficarem firmes, são fixados no solo com cimento.
De forma resumida, a placa solar capta energia durante o dia, e a armazena numa bateria de chumbo, que fica protegida por uma caixinha.
Quando chega a noite (com o fim da incidência de luz) e ativação do sensor, a energia da bateria ilumina a lâmpada do poste. Quando começa a amanhecer, o sensor "desliga" o poste, e a placa solar volta a captar energia.
Logo, o sistema não precisa de energia elétrica para funcionar.
A iniciativa é um projeto do Instituto Camargo Corrêa, feito em parceria com a ONG Litros de Luz. A organização, financiada pelo instituto para este projeto, cria oficinas na comunidade para que moradores e voluntários montem os postes e sistemas elétricos envolvidos.
Antes da instalação, é feito um mapeamento, que espalhou 82 postes pela comunidade —o processou começou no ano passado e foi finalizado neste ano. A incidência de luz de cada poste tem um alcance de até 10 metros, e resolve bem a vida da maioria dos moradores.
Moradores são capacitados para consertar os postes. Quem participou do processo de construção do kit também aprende o processo de zeladoria dos postes. No caso, limpeza e até troca de garrafa pet —que são coletadas na própria comunidade.
Postes seguraram onda da iluminação
Ainda que a comunidade não tenha instalações oficiais de energia, tanto o apagão do ano passado (em novembro de 2023) como o recente (em outubro) foram "contornados" com a iluminação dos postes movidos a luz solar, pois não estão ligados na energia elétrica.
"Os postes fizeram bastante diferença. Na ocupação, não chegou a ficar uma semana sem energia, mas os postes funcionaram normalmente nesse período", disse Lucas Prado, gerente de projetos da Litros de Luz.
Léia, mencionando o "apagão" de novembro do ano passado, citou que apesar da falta de energia "as crianças conseguiram ficar brincando na rua e quem foi para a igreja fora da ocupação conseguiu ir e voltar tranquilamente".