91 cm e 15 kg: a história misteriosa dos 'hobbits' reais em uma ilha remota

Flores, na Indonésia, foi a morada de "hobbits" reais, apontam cientistas. Há cerca de 20 anos, foi descoberto o primeiro esqueleto destes pequenos humanos na ilha. Mas o que eles têm a ver com as criaturas da saga "O Senhor dos Anéis" de J.R.R. Tolkien e dos filmes de Peter Jackson?

Minúsculos entre gigantes

Os primeiros ossos foram encontrados na caverna de Liang Bua, em 2003. O achado foi documentado à época na revista científica Nature por pesquisadores da Universidade de Nova Inglaterra, na Austrália, e do Centro Indonésio para Arqueologia. Como ossos foram encontrados em Flores, o hominídeo foi batizado cientificamente de Homo floresiensis, mas ficou mais conhecido como "homem de Flores" ou "hobbit".

A análise dos ossos revelou que "hobbits" podem ter sido extintos há cerca de 50 mil anos. Originalmente, pesquisadores acreditavam que o H. floresiensis teria vivido 12 mil anos atrás, mas uma revisão publicada em 2016 por estudiosos australianos e americanos que utilizou múltiplas técnicas de datação apontou que os homens de Flores teriam vivido na ilha de 100 mil anos atrás até 60 mil anos atrás, deixando de existir pouco depois. A data de extinção é aceita até hoje na comunidade científica —já suas origens continuam a ser debatidas.

O primeiro "hobbit" encontrado tinha cerca de 91,4 cm de altura e pesava cerca de 15 kg. O apelido foi dado porque o achado foi feito na época do lançamento dos filmes de Peter Jackson. No entanto, a razão pela qual estes pequenos humanos que viveram em meio a elefantes e cegonhas gigantes foram extintos é desconhecida até hoje.

Liang Bua, uma das cavernas onde o Homo floresiensis foi encontrado em Flores, na Indonésia
Liang Bua, uma das cavernas onde o Homo floresiensis foi encontrado em Flores, na Indonésia Imagem: The Sydney Morning Herald/Fairfax Media via Getty Images

Cientistas já suspeitavam que hominídeos tivessem vivido em Flores. Desde 1999, arqueólogos buscavam pistas de como o homem pré-histórico migrou da Ásia para a Austrália e teorizavam que Flores pudesse ter sido uma parada rumo ao Pacífico. Liang Bua era uma opção natural de abrigo para qualquer humano vivendo na ilha, com rios ao seu redor, e pedras adequadas para a fabricação de ferramentas, segundo reportagem da National Geographic.

Pistas do ambiente e modo de vida dos homens de Flores foram encontradas na caverna. Em 2001, começaram as escavações que encontraram ossos do extinto elefante Stegodon, de enormes cegonhas e até dragões-de-komodo. Até que, dois anos depois, os primeiros ossos de um crânio humano foram achados.

Originalmente, cientistas acreditaram que se tratava de uma criança. "Flo", como o primeiro H. floresiensis foi apelidado pelos estudiosos, foi analisado mais cuidadosamente e foi rapidamente determinado que se tratava de um adulto.

Escultura de modelo representando o H. floresiensis no Museu de História Natural do Smithsonian, em Washington D.C., nos EUA, em 2010
Escultura de modelo representando o H. floresiensis no Museu de História Natural do Smithsonian, em Washington D.C., nos EUA, em 2010 Imagem: The Washington Post/The Washington Post via Getty Images
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'Roubo', escândalo e chegada a Flores

Ossos foram "roubados" por pesquisador. No fim de 2004, o antropólogo indonésio Teuku Jacob removeu a maior parte do material "hobbit" do acervo do Centro Nacional de Pesquisas de Arqueologia de Jacarta, alegando que os ossos eram de humanos modernos com problemas de desenvolvimento e não de uma nova espécie ancestral. Boatos de que os ossos haviam sido retirados sem o devido protocolo científico se espalharam.

Alguns meses depois, Jacob devolveu os ossos —e diversos deles estavam danificados. Os estragos aconteceram provavelmente durante o transporte entre laboratórios, com uma divergência de versões apresentadas por ele e pelos pesquisadores de Liang Bua, que fizeram o achado de "Flo".

O escândalo foi tão grande na comunidade científica que a caverna foi fechada. O acesso só foi retomado dois anos depois.

Crânio de um dos Homo floresiensis encontrado em Flores, na Indonésia
Crânio de um dos Homo floresiensis encontrado em Flores, na Indonésia Imagem: Universal History Archive/Universal Images Group via Getty Images

Mais H. floresiensis foram descobertos. Até 2015, arqueólogos já haviam identificado pelo menos 15 "hobbits" no local. Além disso, há evidências da passagem deles por outro sítio arqueológico —a datação por carbono 14 de ferramentas encontradas aponta que já havia humanos na ilha há pelo menos um milhão de anos.

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Teoria da doença foi descartada. A descoberta de outros esqueletos derrubou a teoria de diversos cientistas de que os ossos de Liang Bua fossem de humanos com síndrome de Down ou microcefalia, já que eles compartilham traços consistentes em diversos corpos — isso seria uma pista de que se trata de uma população com características similares e não uma anomalia ocorrida em um indivíduo, como ferimentos e doenças.

Primeiros "hobbits" seriam bem mais antigos. Outro estudo liderado por estudiosos da Universidade de Tóquio em colaboração com americanos e indonésios, publicado na Nature Communications em agosto, concluiu que os primeiros hominídeos pequenos chegaram a Flores há 700 mil anos.

De onde vieram os 'hobbits'?

Primeira hipótese é a de que os H. floresiensis descendessem do Homo erectus, um humano primitivo que deixou a África há dois milhões de anos. O H. erectus teria chegado à Indonésia e desaparecido há 110 mil anos. A teoria é de que eles tivessem encolhido graças ao chamado "efeito de ilha", já visto em outras espécies, em que um grupo populacional em isolamento acaba se diferenciando —tornando-se muito maior ou menor.

A segunda hipótese coloca os "hobbits" como ancestrais do Homo erectus. Isto porque os mais antigos fósseis da espécie na região são tão antigos quanto o mais velho H. floresiensis. Analisando os ossos, os antropólogos também identificaram traços em comum com esqueletos de hominídeos que viveram bem antes, há cerca de dois milhões de anos, como os Australopithecus e o Homo habilis. No entanto, espécies tão antigas jamais foram encontradas fora da África. Por isso, cientistas que acreditam na segunda hipótese ainda buscam evidências de como os homens de Flores chegaram lá.

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