Como professora ofendida levou Google ao STF e pode mudar redes no Brasil
(Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre tecnologia no podcast Deu Tilt. O programa vai ao ar às terças-feiras no YouTube do UOL, no Spotify, no Deezer e no Apple Podcasts. Nesta semana, o assunto é: o enquadro do STF nas redes; IA x Wikipédia; Ricaços x stalker de jatinhos)
O STF (Supremo Tribunal Federal) marcou para esta quarta-feira (27) um julgamento que pode mudar a forma como as redes sociais e outras plataformas digitais atuam no Brasil.
No novo episódio de Deu Tilt, o podcast do UOL para humanos por trás das máquinas, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes contam como toda a disputa judicial começou com uma professora que foi ofendida pelos próprios alunos na internet.
Muitos analistas que acompanham o mundo da política têm dito que, se o Congresso não regula as Big Techs, o STF vai fazer isso
Helton Simões Gomes
Isso não quer dizer que o Congresso não teve tempo para se mexer, já que o caso que agora será julgado pelo STF e arrasta a quase 15 anos na Justiça.
O ano era 2009, e Aliandra Cleide Vieira, professora da rede pública de Minas Gerais, descobriu no Orkut algo que a perturbou. A rede social saiu do ar definitivamente em 2014. Para quem não se lembra, o diferencial do site, que pertencia ao Google, eram as comunidades. Nelas, as pessoas se reuniam em torno de um tema comum para discutir e trocar material a respeito. Foi um desses espaços que chocou Aliandra.
Ela encontrou uma comunidade intitulada, "Eu odeio a Aliandra", em que seus alunos, já no ensino médio, disparavam todo tipo de xingamento e ofensa contra ela.
Aliandra pediu ao Google para tirar a comunidade do ar. Como não foi atendida, processou a empresa. Venceu nas primeira e segunda instâncias. Ganhou ainda o direito de ser indenizada. A Justiça mineira considerou que a companhia norte-americana não era responsável pelo conteúdo de terceiros, mas entendeu que, ao ignorar as ofensas contra Aliandra, ela passou a ser passível de responsabilização.
Em sua defesa, o Google argumentou que a exclusão da comunidade caracterizaria censura e violaria a livre manifestação do pensamento, que as postagens eram subjetivas para caracterizar que lesavam a professora e que não havia decisão judicial que atestasse a ofensa sofrida por ela. Por tudo isso, a Big Tech recorreu, e o caso foi parar no STF.
Em entrevista ao UOL em 2023, Aliandra foi firme na sua visão sobre o Google:
Reitero meu posicionamento de responsabilização do provedor de internet, já que a única atitude que eu esperava, e não aconteceu, era a suspensão da comunidade virtual criada para atacar uma professora, a qual, enquanto ser humano e profissional da educação, merecia o mínimo de respeito
Aliandra Vieira
O caso é anterior ao Marco Civil da Internet, que, a partir de 2014, estabeleceu direitos e deveres para usuários e empresas na internet. Um dos pontos cruciais da chamada "Constituição brasileira da internet" é o artigo 19, que fixa a responsabilização das plataformas para danos causados por conteúdos produzidos por terceiros apenas se não atenderem a uma decisão judicial.
Outra Big Tech foi processada e levou o caso ao STF justamente para validar o artigo 19. Foi o Facebook, hoje chamada de Meta. A companhia recorreu ao Supremo após ser acionada por Lourdes Pavioto Corrêa, dona de casa de São Paulo.
Um perfil na rede social usava nome e foto dela para postar conteúdo ofensivo. Na primeira instância, Lourdes conseguiu a remoção da conta, mas não foi indenizada. Ela recorreu, e o Tribunal de Justiça de Piracicaba (SP) considerou o artigo 19 do MCI inconstitucional: para o TJ, o Facebook deveria ser responsabilizado e pagar indenização. Mesmo sem decisão judicial, a empresa deveria ter removido a conta.
No STF, o caso do Facebook é o recurso extraordinário 1037396 (tema 987) e discute a constitucionalidade do artigo 19 do MCI e é relatado pelo ministro Luiz Fux. Já o do Google é o RE 1057258 (tema 533), trata da moderação de conteúdo e é relatado por Dias Toffoli.
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Quero receberEsse é considerado um dos julgamentos mais significativos da década para a internet brasileira e pode mudar como as plataformas lidam com o conteúdo.
Hoje muita gente alega que o artigo 19 é quase que um processo de blindagem das plataformas, porque elas podem dizer que reconhecem um conteúdo como falso, mas não podem remover por não ter uma ordem judicial
Diogo Cortiz
Mudanças na dinâmica online
Em vigor desde 2014, o MCI trata de responsabilização quando o debate girava em torno da hospedagem de sites e plataformas. Moderação de conteúdo não era naquela época um assunto tão emergencial. Hoje, o cenário é outro.
É bom que se diga que o que está em discussão não é o Marco Civil da Internet, essa é uma discussão que está sendo feita em outros lugares para além do STF
Helton Simões Gomes
Hoje em dia é o algoritmo do TikTok que define quem vai ver o que
Apesar do artigo 19 não ser um grande problema, faltam elementos para se pensar na responsabilização de uma plataforma que não só hospeda, mas também influencia todo o fluxo comunicacional. É isso que está em discussão nesse momento no STF
Diogo Cortiz
A remoção de conteúdo nem é uma questão tão grande assim para as Big Tech. E o período de pandemia de covid-19 influenciou essa postura. Um caso é emblemático: após detectar que um youtuber espalhava notícia falsa, o Google pediu a remoção do vídeo em defesa dos benefícios da hidroxicloroquina. Como não havia decisão judicial, o autor se valeu do MCI e manteve o conteúdo do ar. O Google deletou o vídeo mesmo assim. Em agosto deste ano, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a empresa tem o direito de moderar conteúdo.
As empresas viram que não tem jeito, elas vão precisar assumir essa responsabilidade perante a sociedade. Esse jogo da moderação é a treta do momento, mas que vai perdurar por muito tempo, porque nem tudo se resolve na canetada
Diogo Cortiz
IA x Wikipédia: a força-tarefa contra a morte da enciclopédia
A inteligência artificial virou o novo pesadelo de uma das plataformas mais visitadas da internet: a Wikipédia. Os textos gerados por robôs estão pipocando na enciclopédia online.
Essa invasão tem preocupado os editores, as pessoas responsáveis por manter a qualidade do site.
Helton Simões Gomes e Diogo Cortiz explicam sobre a força-tarefa, que tem até brasileiro envolvido. Longe de ser um detrator da tecnologia, ele é um estudante de Porto Alegre (RS) e explica por que a presença da IA é um perigo e como percebeu a chegada dos robôs.
Ricaços x stalker de jatinhos
Elon Musk, Taylor Swift, Donald Trump e Mark Zuckerberg. Estes ricaços têm tantas divergências de opinião que dificilmente ocupariam a mesma sala. Mas eles possuem algo em comum: todos se irritaram com Jack Sweeney, um jovem de 21 anos por trás de perfis nas redes sociais criados para seguir jatinhos de bilionários.
Helton Simões Gomes e Diogo Cortiz contam por que essas contas geraram tanta polêmica que foram tiradas do ar.
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo às 15h.