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Por que o Garfield é laranja? A ciência finalmente encontrou uma resposta

O gato Garfield, criado pelo quadrinista Jim Davis Imagem: Jim Davis/CBS

Lluís Montoliu*

The Conversation

15/12/2024 05h30

O famoso gato Garfield, criado pelo quadrinista Jim Davis, em 1978, é de cor laranja. Assim como muitos outros gatos e animais que temos em nossas casas, urbanas ou rurais. São gatos ruivos, cães setter irlandeses (que têm pelagem levemente vermelha ou cor de mogno) ou cavalos castanhos.

A diferença é que, para todos os outros animais, inclusive as pessoas ruivas, sabemos por que eles têm essa cor característica. Mas, para os gatos, e os felinos em geral, surpreendentemente não sabíamos até agora.

Acontece que acabam de ser publicados dois estudos no bioRxiv (um dos mais populares repositórios de pré-publicações de artigos não revisados por pares na área de ciências biológicas) que explicam geneticamente por que existem gatos laranja. Um vem do laboratório de Greg Barsh, da Universidade de Stanford, Califórnia (EUA). O outro, do laboratório de Hiroyuki Sasaki, na Universidade de Kyushu, no Japão.

Os dois pigmentos dos mamíferos

Os mamíferos possuem apenas dois pigmentos, duas cores de melanina: eumelanina (marrom escuro, preto) e feomelanina (amarelo avermelhado, laranja). Como você pode deduzir, as pessoas ruivas produzem apenas feomelanina, enquanto as pessoas de pele escura acumulam principalmente eumelanina. As demais cores da pele e do cabelo ficam no meio, graças à ação de até 700 genes que regulam a pigmentação.

Em primatas, cavalos, roedores, cães, vacas e muitos outros animais, o controle da produção de melanina —e a decisão de produzir eumelanina ou feomelanina— está nas mãos de uma proteína de membrana chamada MC1R. Se uma substância chamada hormônio estimulador de melanócitos (alfa-MSH) entrar em ação, começa a produção de eumelanina.

Se, por outro lado, a ação for de um antagonista —como a proteína sinalizadora agouti (ASP), ou a beta-defensina nos cães— a produção de eumelanina preta é interrompida, e os melanócitos ou células pigmentares passam a produzir a feomelanina laranja em seu lugar.

Mas os gatos são uma história diferente. Quem tem um gato em casa sabe que são animais muito particulares, especiais em todos os sentidos, e também no que diz respeito à pigmentação.

O controle da produção de eumelanina ou feomelanina não está nas mãos do receptor MC1R em gatos, mas, sim, de um locus chamado orange (laranja). Locus são regiões específicas do genoma cujos efeitos e consequências são conhecidos (por exemplo, a cor da pelagem, preta ou laranja) —porém, sem conhecer em detalhes a sequência precisa de DNA que contém, ou o gene ao qual pertence.

É por isso que, geralmente, identificamos primeiro o locus e, com o tempo, como neste caso, descobrimos e descrevemos detalhadamente o gene associado. O locus laranja em gatos pode ocorrer em duas versões: uma variante "O", que apoia a produção de feomelanina (laranja), e uma variante "o" que é responsável pela produção de eumelanina (preto).

Um detalhe a ter em mente é que o locus laranja está no cromossomo X. As fêmeas de gato são XX, e os machos são XY, como o resto dos mamíferos. E, como ocorre em todas as fêmeas de mamíferos, as células ao longo do desenvolvimento irão desativar aleatoriamente uma das duas cópias do cromossomo X. As gatas 'Oo' —que carregam a variante "O" em um cromossomo X e a variante "o" no outro— gerarão áreas do corpo alaranjadas (nas partes em que desativam o alelo "o") e outras pretas (quando desativam o alelo "O"). Alelos são formas alternativas geradas por mutações de um mesmo gene.

Isso significa que, quando vemos um gato bicolor (preto/laranja) ou tricolor (preto/laranja/branco), ou algumas de suas versões mais diluídas, sabemos que se trata de uma fêmea. E esse padrão de pigmentação será único, irrepetível.

Já os gatos machos são laranja ou preto (só têm um cromossomo X), mas não podem ser bicolores ou tricolores, a menos que sejam portadores de um distúrbio cromossômico equivalente à síndrome de Klinefelter (doença genética caracterizada pela presença de um cromossomo X extra) em humanos (XXY).

Gatas calicó

As fêmeas podem apresentar esses padrões de mosaico únicos tão apreciados pelos amantes de gatos. E quando coincidem com outra mutação que afeta a proliferação e a diferenciação dos melanócitos (e produz manchas brancas, sem pigmentação), gera um animal tricolor que chamamos de calicó (ou chita ou calico, termos sempre aplicados em animais com pelagens de três cores).

Cada fêmea calicó é única, pois a desativação de um dos cromossomos X em cada célula pigmentar ocorre aleatoriamente durante o desenvolvimento. Quanto mais cedo ocorrer essa desativação, maior será a mancha resultante. O oposto é verdadeiro: quanto mais tarde, menor será.

O gene do pelo laranja em felinos

Até agora não sabíamos qual gene estava escondido atrás do locus laranja dos gatos. Barsh e Sasaki acabam de identificar que não é o homólogo felino do MC1R, mas um diferente: o gene Arhgap36. Os gatos machos com pelagem alaranjanda, assim como as manchas laranja dos gatos malhados, carregam uma mutação neste gene que bloqueia a produção de eumelanina e permite a produção de feomelanina.

Estes dois estudos são um exemplo grandioso do que é uma boa pesquisa básica, aquela que procura apenas satisfazer a curiosidade científica, sem aplicações imediatas ou conhecidas. E para entender, neste caso, porque o malandro do Garfield é laranja.

*Lluís Montoliu, é investigador científico do Centro Nacional de Biotecnología (CNB - CSIC)

Esse artigo é republicado do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o original aqui.

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