Barroso diverge de ministros e propõe 'dever de cuidado' para redes sociais
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, divergiu de seus colegas e propôs que as plataformas de redes sociais não tenham a obrigação, mas o "dever de cuidado" em relação aos conteúdos publicados em suas plataformas.
Para o magistrado, as plataformas só poderiam ser responsabilizadas em caso de "falha sistêmica" e devem publicar relatórios anuais de impacto nos mesmos moldes do que são obrigadas a fazer na europa.
O que aconteceu
STF retomou julgamento que discute a regulamentação das redes e o Marco Civil da Internet. Sessão foi aberta com voto de Barroso, que já anunciou sua divergência em relação aos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, que já apresentaram seus votos. Barroso entendeu que o artigo 19 do Marco Civil da internet é "parcialmente" inconstitucional, que as plataformas devem remover conteúdos criminosos caso sejam notificadas e ainda que elas devem ter dever de cuidado e atuar para que o ambiente digital não tenha a apologia a determinados crimes.
Além disso, Barroso propôs que as plataformas publiquem relatórios anuais sobre medidas que tem adotado para mitigar a divulgação de conteúdos ilícitos. Prática já vem sendo adotada na Europa e a proposta de Barroso é replicar o que já é feito lá. Em relação ao dever de cuidado, Barroso entendeu que as plataformas devem atuar proativamente para remover conteúdos com apologia a pornografia infantil, terrorismo, induzimento ao suicídio ou automutilação, abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado.
Após Barroso concluir seu voto, ministro André Mendonça pediu vista. Com isso, na prática, o julgamento só deve ser retomado após ele devolver o processo, no ano que vem.
As divergências de Barroso são:
- Considera o artigo 19 do Marco Civil apenas "parcialmente inconstitucional". O artigo 19 estabelece que plataformas só podem ser responsabilizadas se não cumprirem decisão judicial
- Considera que em casos de postagens com crimes contra a honra, as plataformas devem remover o conteúdo somente a partir de uma ordem judicial
- Não cria um regime de responsabilidade objetiva para as plataformas, e entende que essa responsabilidade deve ser subjetiva.
- Propõe o "dever de cuidado" ao invés da obrigação de monitoramento ativo de eventuais postagens ilícitas.
- Entende que não deve ser criada nenhuma obrigação para marketplaces, pelo fato de eles não serem o objeto do julgamento.
Ministro cita risco à 'liberdade de expressão' ao explicar seu voto. Para Barroso, considerar o artigo 19 do Marco Civil inconstitucional e estabelecer que as plataformas devem remover imediatamente os conteúdos caso sejam notificadas pelas vítimas das ofensas pode abrir brecha para situações indevidas. Ele citou como exemplo um político que, ao ser criticado nas redes, pede a remoção imediata da postagem.
Artigo 19 do Marco Civil estabelece que plataformas só podem ser responsabilizadas se não cumprirem decisão judicial. Pela lei em vigor, somente se houver uma ordem da Justiça para remover um conteúdo e a plataforma não cumprir é que ela pode ser punida. Para os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli este artigo é inconstitucional e acaba abrindo brecha para que plataformas não removam conteúdos ilícitos.
Neste sentido, os dois ministros se manifestaram no sentido de se criar obrigação para as plataformas agirem em casos de postagens ilícitas. Os dois defenderam a adoção de alguns parâmetros que obriguem as plataformas a remover, por exemplo, postagens com crimes de ódio, racismo, pedofilia. Nos casos de crimes contra a honra, Fux entendeu que as plataformas teriam a obrigação de agir imediatamente após serem notificadas pelas vítimas dos ataques.
Para Barroso, porém, sempre que houver dúvida sobre se uma publicação pode configurar crime caberia ao Judiciário decidir. Ministro entende que parte do artigo 19 deve ser mantida e que somente o Judiciário poderia avaliar alguns tipos de postagens para definir se são crimes e se devem ser removidas.
A primeira (divergência), eu considero que o artigo 19 é apenas parcialmente inconstitucional. pois considero legítimo que, em muitas situações, a remoção de conteúdos somente deva se dar após a ordem judicial. Portanto, eu não eliminaria do ordenamento jurídico o artigo 19. Meu segunda caso de divergência. A remoção em ofensas e crimes contra a honra não pode, a meu ver, prescindir de decisão judicial. Conteúdos relacionados à honra, ainda que se alegue que representem crimes de injúria, calúnia ou difamação, devem permanecer, na minha visão, no artigo 19
Ministro Luís Roberto Barroso, em sessão plenária nesta tarde
eu tenho muita preocupação de conceder excessivo poder sensório, seja a agentes públicos, seja a agentes privados. E é por isso mesmo que uma das conclusões a que eu pretendo chegar é que sempre que existir dúvida razoável, sobre a licitude ou não de uma manifestação, deve-se sim esperar uma ordem judicial. O judiciário é que deve ser o árbitro em caso de dúvida razoável, porque na vida existem certezas positivas e existem certezas negativas. Existe uma ampla área cinzenta em que pessoas razoáveis e bem-intencionadas vão ter dúvida.
Ministro Luís Roberto Barroso, em sessão plenária desta tarde
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Quero receberJulgamento histórico
STF começou a julgar a responsabilidade das redes sociais pelos conteúdos postados após Congresso Nacional não votar lei das fake news. São julgadas em conjunto duas ações que discutem o tema e, na prática, devem regulamentar o funcionamento das redes no país. Julgamento começou na semana passada e deve se estender até o ano que vem.
A primeira ação discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Este artigo prevê que um servidor só poderá ser responsabilizado na esfera cível se não remover um conteúdo caso haja alguma decisão judicial determinando isso. O caso específico trata da criação de um perfil falso no Facebook. A relatoria é do ministro Dias Toffoli.
Segunda ação é da época do Orkut, antes do Marco Civil da Internet. Discute a responsabilidade do Google pela não remoção de uma comunidade criada por alunos na rede social para reclamar de uma professora. A relatoria é do ministro Luiz Fux.
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