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O acordo bilionário da Oi que enterrou de vez o sonho da 'supertele'

Em meio a processos de recuperação judicial bilionários que já se arrastam por oito anos, a Oi chegou em novembro passado a um acordo sem precedentes nas telecomunicações brasileiras.

Vai devolver à União a concessão pública de telefonia obtida em 1998 - através dos consórcios Telemar e Brasil Telecom - e deixará de atender ao público final para prestar serviço apenas a empresas.

E mais: além de receber um desconto de 70% sobre os R$ 20 bilhões que teria de pagar pela interrupção do contrato, a Oi agora briga na Justiça para receber R$ 63,5 bilhões em indenização pelo que classifica como perdas com a concessão.

Isso por ter sido obrigada, como concessionária de serviço público, a manter serviços de telefonia fixa em todo o país enquanto celulares e banda larga ganharam maior apelo.

O acordo, que esteve por um fio, só foi solucionado com um empurrãozinho da V.tal.

Nascida a partir da compra de parte dos ativos da própria Oi, em 2021, a V.tal se tornou, sem chamar atenção, a segunda maior fornecedora de conexão à internet aos brasileiros.

Faturou R$ 5,5 bilhões nos nove primeiros meses de 2024 — alta de 37% sobre o mesmo período de 2023 —, e triplicou o lucro, próximo de R$ 1 bilhão.

Seu controlador, o BTG Pactual, é também um dos maiores credores das dívidas da Oi - que, em 2023, chegaram a R$ 43,7 bilhões.

A V.tal só topou participar do negócio para evitar que a Anatel colocasse em prática uma intervenção federal na Oi.

A operação seria ruim para o governo brasileiro, que seria forçado a arcar com custos anuais de R$ 5 bilhões para assumir as operações da Oi, mas seria ainda pior para a V.tal.

No caso de intervenção, a empresa recém-criada seria obrigada a devolver ao país, da noite para o dia, a infraestrutura de banda larga alugada junto à Oi que usa para operar.

Formalizado em 2024 através do TCU, o acordo teve aval do Ministério das Comunicações, da AGU, da Justiça e da própria Anatel.

Agora, a agência precisará tirar da cartola uma solução de telefonia (fixa ou celular) para as áreas onde a Oi não vai operar a partir de 2029.

Pequenos operadores receiam pela continuidade de integrações com a Oi que lhes permitem vender pacotes de telefonia fixa.

Além de ser inédita na história das telecomunicações brasileiras e lidar com um monstro no armário, a operação exige perícia cirúrgica.

Basta uma falha para muitas localidades do Brasil ficarem sem telefone e diversas empresas públicas sem internet.

19.12.2017 - Assembleia geral dos credores da Oi, em 2017, sobre o primeiro plano de recuperação judicial da empresa
19.12.2017 - Assembleia geral dos credores da Oi, em 2017, sobre o primeiro plano de recuperação judicial da empresa Imagem: Ricardo Borges/Folhapress

O desmonte da Oi

A Oi ganhou status de "supertele" após articulações políticas e regulatórias permitirem que crescesse (com a compra da Brasil Telecom) e se internacionalizasse (a fusão com a Portugal Telecom).

Mas decisões ruins de negócios e alguma dose de azar —durante a fusão, foi descoberta uma fraude bilionária dos sócios portugueses— a tornaram uma empresa nacional geradora de muito caixa, mas apoiada numa tecnologia em desaceleração e com uma dívida impagável.

A situação levou a Oi à maior recuperação judicial do Brasil, iniciada em 2016, quando era a quarta maior operadora de celular do país.

Em 2020, quando o plano engatou, a empresa fez caixa ao vender:

  • a operação de celular para as três líderes (Claro, TIM e Vivo) por R$ 15 bilhões;
  • a atuação internacional, como a operação em Angola, e a fatia em uma empresa de satélites;
  • áreas de torres de telefonia e de datacenters;
  • ala de infraestrutura de banda larga, por R$ 12,5 bilhões, à Globenet e ao BTG Pactual; o negócio daria origem à V.tal.

Do Congresso veio outra boia de salvação. Com a alteração na Lei Geral de Telecomunicações, em 2019, foi aberta a possibilidade de concessionárias como a Oi migrarem para o regime privado.

Na prática, ela deixaria de ser obrigada a ofertar e manter o serviço de telefonia fixa em todos os recônditos do país, quer existam clientes ali ou não.

Chamadas de metas de universalização, essas exigências passaram a dar prejuízo depois que clientes trocaram a telefonia fixa por celular e internet banda larga.

É isso que faz a Oi cobrar R$ 63,5 bilhões da União, a título de reequilíbrio da concessão — previsto em contrato.

"Se uma empresa tivesse só concessão de telefonia fixa, ela já teria acabado há muito tempo. Mas, como estava com [telefonia] móvel e banda larga junto, foi levando", afirma um executivo da Oi que prefere não se identificar.

Prédio da Oi no Rio
Prédio da Oi no Rio Imagem: Bruno Poppe/Frame/Folhapress

O efeito da nova lei

A Anatel iniciou os cálculos do valor de todas as concessionárias assim que o Congresso revisou a LGT. Para atender ao TCU, porém, contratou uma consultoria externa.

Não era o primeiro enquadro da corte na agência. Já na primeira renovação dos contratos, em 2005, o tribunal constatou que, nos sete anos anteriores, a Anatel não vigiou se houve venda dos chamados bens reversíveis - isto é, os imóveis, veículos e equipamentos de telecomunicação públicos essenciais para prestar serviços de telefonia.

Só em 2006, o órgão regulador obrigou as empresas a pedir aval para vendas, a depositar o dinheiro em conta vinculada à concessão e a apresentar lista atualizada dos itens.

Mas a LGT de 2019 desobrigou as teles de informar à Anatel sobre a venda de bens considerados por elas como reversíveis.

A nova lei estabeleceu que, em vez de devolvê-los à União, as teles teriam que investir o valor deles em áreas de conectividade definidas pelo governo.

Outra inovação da LGT foi dimensionar qual proporção do preço do bem seria considerada reversível. Com a convergência das telecomunicações, um só equipamento é usado tanto para oferecer telefonia fixa quanto banda larga.

Ao fim de um ano e meio, a Anatel calculou que a concessão da Oi valia R$ 12 bilhões. Ao analisar o material em 2022, o TCU aprovou a metodologia, mas detectou falhas que reduziam o valor.

Mais da metade dos cerca de 1,7 milhão de bens da Oi tinham valor contábil igual a R$ 0. Já a estimativa do estado dos bens ao fim da concessão considerou que 80% deles estariam zerados. Nesses casos, a concessionária ficaria obrigada a reverter R$ 0 à União.

O caso retornou à Anatel com a ordem de considerar valores de mercado para bens relevantes, como imóveis. Em resposta, o conselheiro da Anatel Artur Coimbra propôs e o restante do conselho topou elevar o saldo a ser restituído da Oi para R$ 20 bilhões.

Torre de telefonia celular da Oi no bairro Mercês, em Curitiba
Torre de telefonia celular da Oi no bairro Mercês, em Curitiba Imagem: Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Folhapress

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Em dezembro de 2022, a primeira recuperação judicial da Oi foi encerrada. Daí em diante, a empresa manteve só os serviços de consultoria, telefonia fixa e de banda larga para pessoas físicas.

Internamente, a empresa considera o desfecho bem-sucedido, mas, após três meses, entrou com novo processo de recuperação para equacionar dívidas de R$ 43 bilhões.

A essa altura, parte do plano era livrar-se das obrigações da concessão e vender a operação de internet. Falhar nessa etapa significava falência certa.

A Oi não ficou só nisso, porém. No último dia daquele ano, abriu uma arbitragem judicial contra a Anatel para ser indenizada em R$ 63,5 bilhões pelas perdas com a concessão.

A entrada da V.tal

Foi esse caldeirão de ingredientes indigestos que chegou, em novembro de 2023, à SecexConsenso, área do TCU criada para costurar acordos consensuais em disputas complexas entre iniciativa privada e administração pública:

  • Uma empresa à beira da bancarrota e despojada de joias lapidadas ao longo de anos
  • Um imbróglio regulatório com muitas idas e vindas
  • Uma agência contestada por criar ferramentas frágeis para vigiar suas supervisionadas
  • Muitos números desencontrados

À mesa de negociação, Anatel e Oi não chegaram a um consenso no período regulamentar de 90 dias. O TCU o estendeu por mais 30 dias.

Mas, ao fim deles, a corte se retiraria do caso, previam as regras do jogo. Como o prazo das concessões acaba no fim de 2025, não chegar a uma solução antes disso exigiria algum tipo de renovação.

Da porta para fora, o presidente da Anatel, Carlos Manuel Baigorri, falava que a falta de uma solução obrigaria a União a arcar com até R$ 5 bilhões ao ano a partir de 2026.

Internamente, jogava o cálculo em outro patamar. Dependendo do cenário, falava em rombo adicional de R$ 19 bilhões. Ainda assim, a negociação não andava. Não havia confiança nas garantias apresentadas pela Oi.

O UOL apurou que a estratégia foi abrir espaço na mesa para a V.tal, um personagem sem cadeira cativa na discussão, mas com particular interesse no desfecho. Não sem esforço.

Inicialmente reticente, a companhia só ocupou uma cadeira quando a intervenção federal da Oi caminhou dentro da agência e ganhou até relator, o conselheiro Alexandre Freire.

"Intervenção não resolve problema nenhum: ela protege o meu CPF. Assim: já que ninguém quer resolver o problema, todo mundo esticando a corda, beleza, vocês que estiquem a corda, eu vou limpar meu CPF e vocês que se virem para lá. Nessa hora, a V.tal ficou desesperada."
Carlos Manuel Baigorri, presidente da Anatel

A V.tal fornece infraestrutura de internet em todo Brasil para gigantes como TIM, Sky e Vero. Somando os clientes de suas parceiras, atende 22 milhões de pontos de banda larga, atrás só da Vivo.

Além de ser chamada a atuar no TCU como "árbitra", como classificaram executivos a par das negociações, a V.tal foi tábua de salvação da Oi em outro momento.

Para captar dinheiro, meta da segunda recuperação judicial, a ex-supertele leiloou em setembro de 2024 sua área de clientes de banda larga, a ClientCo. Fixou valor mínimo de R$ 5,8 bilhões. A V.tal se comprometeu a comprar a área caso não surgissem propostas adequadas. Não surgiram.

Ainda que a Oi tenha pequena fatia na companhia, não é isso que explica o socorro da V.tal. Atender clientes finais de telecomunicação não estava nos planos da novata, relatam executivos.

Além de garantir sua sobrevivência, a benevolência decorre de a V.tal ser controlada por um fundo do BTG Pactual, um dos maiores credores da Oi.

Ou seja, para lá de empenhado em ver a tele operando --ao menos para pagar as dívidas.

No TCU, a V.tal elaborou um novo cálculo dos bens reversíveis. Focou no grau de precariedade das instalações, segundo fotos de slides a que a reportagem teve acesso. Elas mostram imóveis com buracos nas paredes e equipamentos de telecomunicação que mais parecem sucata.

Com esse argumento, conseguiu reavaliar para baixo o valor da concessão.

Em paralelo, notou que a indenização perseguida pela Oi era substancial demais para ser abandonada -em processo similar, a Vivo abriu mão do ressarcimento pelo prejuízo gerado com a telefonia fixa.

Ficou acertada uma distribuição para os primeiros R$ 20 bilhões, caso a Oi ganhe esse dinheiro na Justiça: os primeiros R$ 8 bilhões pagarão dívidas com a União decorrentes do acúmulos de multas aplicadas pela Anatel por infrações; os próximos R$ 5 bilhões irão para a V.tal a título de ressarcimento por cacifar a operação; os R$ 7 bilhões seguintes serão divididos ao meio -metade será investida em áreas de conectividade decididas pelo governo e a outra metade será repartida igualmente entre Oi e V.tal.

Como cartada final, a empresa se comprometeu a fazer 86% do investimento exigido de R$ 5,8 bilhões.

Ficou acertado que o dinheiro será empregado até 2028 em fibra óptica para 4.000 escolas, em cabos submarinos ligando Norte e Sul do Brasil e na construção de ao menos cinco data centers.

Compreende ainda investimentos de R$ 2,3 bilhões caso a arbitragem promovida pela Oi resulte em valores superiores a R$ 12,5 bilhões.

A Oi também fica obrigada a manter durante três anos a operação de telefonia fixa, mas só em 10 mil localidades onde ela é a única fornecedora de qualquer serviço de voz. Nessa área moram 3,2 milhões de brasileiros.

"O tribunal, por unanimidade, entendeu que o acordo era melhor que a briga. Basicamente isso (...) É um processo histórico, uma grande vitória da razoabilidade, da racionalidade."
Carlos Manuel Baigorri, presidente da Anatel

O que falta

A celebração ocorre ainda que a Anatel tenha de arranjar a partir de 2029 uma solução para levar serviço de voz para as áreas em que a Oi não mais atuará.

Os detalhes do acordo são questionados pela Coalizão Direitos na Rede, que reúne mais de 40 organizações da sociedade civil, academia e ativistas.

"Isso é uma sujeira. Quem vai fiscalizar? A Anatel, que está operando para elas?", diz Flávia Lefèvre, ex-membro do conselho consultivo da Anatel e advogada da Proteste.

Para o presidente da Anatel, essas organizações são em parte responsáveis pela União não ter saído mais beneficiada. Elas, diz, emperraram por anos os processos que viabilizaram o acerto.

Se o arranjo tivesse sido fechado antes, os termos teriam sido mais vantajosos, diz ele. Técnico de carreira da agência, Baigorri comenta que, extraoficialmente, ele calculou em R$ 60 bilhões o valor da concessão da Oi em 2012.

"Telefonia fixa e os bens reversíveis ainda tinham valor. Hoje, como você tem um monte de fibra óptica, toda a rede do telefone fixo que dá suporte à banda larga pelo DSL perdeu o valor. Ninguém vai comprar", diz.

Não é bem assim. Segundo executivos a par das negociações, a Oi planeja vender os cabos de cobre dos telefones públicos, os orelhões. Mas, de tão baixo o valor, o destino será o ferro-velho. No lugar, vai ligá-los com conexão via satélite.

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Imagem: Arte/UOL

45 comentários

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Sidnei Roberto Zanlorensi

De quem é o BTG Pactual? Do amigo Rei. Tudo na normalidade, uns irmãos "Sleys", compraram várias usinas da Eltrobras, depois que voltaram junto com o Rei, e viraram um dos maiores grupos de energia do país. Engraçado como este grupos encontram negócios bilionários fáceis, prinicipalmemte com o governo. Desenrolam questões jurídicas com uma facilidade, com acordos que só beneficiam a eles. Novamente o povo paga a conta, entra governo, sai governo e tudo na rabiola do povo. E tem gente brigando, achando o máximo, ou ser de direita ou ser de esquerda. Acorda Brasil, nos temos que ser do direito do Povo!

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Nelson Moreira Vieira

Tem dinheiro  de sobra para honrar o pagamento dos aposentados e pensionistas. Revisão da Vida Toda !

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Willian Jose Gama Araujo

O que começou errado vai terminando errado, e ainda vão querer repassar para o bolso do contribuinte a incompetência dos seus gestores. As estratégias e resultados da são de responsabilidade da oi e do governo, vamos ver se ao final da concessão será devolvido os imóveis na integralidade bem como os ativos, até onde sei nem cobre tem mais já foi tudo vendido.. olha que isto vale tanto quanto ouro hoje... Brasil não é pra amadores ....

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