OPINIÃO
O fact-checking não é censura: é uma ferramenta que empodera cidadãos
LatamChequea*
08/01/2025 20h21
A Meta anunciou nesta terça-feira o fim do programa de verificação independente de fatos (Third Party Fact Checking, ou 3PFC) nos Estados Unidos, que será substituído por um sistema de notas da comunidade semelhante ao utilizado pela plataforma X (antigo Twitter).
Mark Zuckerberg, CEO da empresa dona do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp, afirmou, ao justificar a decisão —e sem apresentar evidências—, que o sistema de checagem tinha "muitos erros" e promovia "muita censura", acusando os checadores de viés político.
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Nos preocupa que, ao justificar sua decisão, o fundador da Meta associe o jornalismo de verificação à censura, quando, em nenhum caso, os checadores decidem o que acontece com os conteúdos. Nosso trabalho termina ao apontar se as postagens são verdadeiras, falsas ou enganosas, após um rigoroso processo de verificação que segue um método público.
Os checadores sempre defenderam a liberdade de expressão e buscam fornecer evidências, informações verificadas e contexto sobre o que circula para empoderar os usuários em sua tomada de decisões —e não eliminar ou censurar conteúdos.
Impacto positivo no combate à desinformação
O jornalismo de verificação não começou com o programa da Meta, e há organizações na região dedicadas a esse trabalho desde 2010. O trabalho dos checadores foi avaliado muitas vezes, demonstrando que contribui para corrigir percepções equivocadas sobre um tema em diferentes contextos e que ajuda a limitar a disseminação da desinformação, entre outras coisas. Mesmo no caso das etiquetas em redes sociais, como as utilizadas pela Meta, elas mostraram ter um efeito positivo ao reduzir crenças em desinformação.
O programa de verificadores independentes de fatos é um sistema implementado pela Meta desde 2016 para ajudar a combater a desinformação em suas redes sociais, do qual participam vários membros da LatamChequea. Nele, os jornalistas checadores, certificados pela Rede Internacional de Checadores (IFCN, na sigla em inglês), analisam postagens potencialmente desinformativas e, caso as evidências mostrem que são verdadeiras, falsas ou enganosas, as rotulam. Depois, é a empresa —não os verificadores— que decide o que fazer com essas informações. Conforme explicado várias vezes pela Meta, a política da plataforma é reduzir a visibilidade do conteúdo, adicionar contexto às postagens e alertar aqueles que compartilharam o conteúdo de que há novas informações disponíveis. O conteúdo falso não é excluído nem deixa de estar acessível.
Desde que os verificadores começaram a trabalhar com a Meta, não houve acusações de viés político por parte da empresa, e um dos requisitos do programa é possuir a certificação da IFCN, o que inclui uma análise do conteúdo publicado para comprovar a ausência de viés político —um dos princípios básicos do jornalismo de verificação. De acordo com as próprias regras do programa, não são checadas postagens de políticos.
A Meta também não apresentou evidências de erros no trabalho dos checadores. Segundo dados apresentados pela empresa à União Europeia, do conteúdo que teve a visibilidade reduzida por erro, apenas 3,15% foi devido ao trabalho de verificação, o menor percentual entre todas as categorias, como destacou a Rede Europeia de Padrões de Verificação de Fatos (EFCSN, na sigla em inglês).
Decisões como a anunciada pela Meta tendem a aumentar a opacidade e a retirar a visibilidade de uma comunidade que navega nas sombras da desinformação. A eliminação desse tipo de programa, que busca neutralizar os efeitos da desinformação, beneficia atores interessados em influenciar a opinião pública ou lucrar com inverdades. Em tempos em que diferenciar o verdadeiro do falso se torna um desafio, essa decisão traz consigo uma certeza: é verdadeiro que os produtores de desinformação comemoram essa decisão e se preparam para aproveitar essa janela de oportunidade.
O jornalismo de verificação, mais necessário do que nunca
A desinformação pode minar a confiança nos sistemas democráticos, confundir os cidadãos e até levá-los a tomar decisões perigosas sobre sua saúde, entre outras consequências. Os checadores têm um papel fundamental, como destaca a Organização dos Estados Americanos (OEA): "as agências verificadoras, que nos últimos anos cresceram exponencialmente em nossa região, desempenham um papel importante no combate à desinformação. Por meio da verificação do discurso público, oferecem um serviço que pode ajudar os cidadãos a navegar em um debate público complexo e —muitas vezes— contaminado por informações falsas".
O jornalismo de verificação foi vital em momentos como a pandemia, as eleições e os protestos sociais, sendo uma das muitas estratégias necessárias para combater a desinformação. Medidas e acusações sem evidências prejudicam o ecossistema informativo.
É essencial que governos, organizações internacionais e plataformas como a Meta trabalhem em conjunto para garantir a transparência nas políticas de moderação de conteúdo e para reforçar a regulamentação do ambiente digital. Somente assim será possível proteger os direitos humanos e assegurar o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a integridade informativa.
A rede de checadores latino-americanos LatamChequea reafirma seu compromisso com a evidência, os dados e o acesso à informação para os cidadãos. Continuaremos trabalhando com altos padrões jornalísticos para combater a desinformação, promover o debate público informado e fortalecer alianças internacionais que defendam a transparência no ambiente digital.
*LatamChequea é a rede latino-americana de checadores, reunindo 47 organizações de 21 países. O UOL Confere integra a LatamChequea.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL