Fundador do Google desdenhou do cérebro, diz Nicolelis: 'é lento, né?'
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(Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre tecnologia no podcast Deu Tilt. O programa vai ao ar às terças-feiras no YouTube do UOL, no Spotify, no Deezer e no Apple Podcasts. Nesta semana, o assunto é: Nicolelis x Neuralink; Cérebro x computador; o 'futuro sem futuro' da IA)
Dá para comparar o cérebro a computadores? Alguns cientistas acreditam que sim. Pesquisadores da Caltech, Universidade de renome nos EUA, afirmaram em estudo que o cérebro humano processa dados a uma velocidade de 10 bits por segundo.
Em entrevista ao Deu Tilt, podcast do UOL para humanos por trás das máquinas, Miguel Nicolelis, um dos maiores neurocientistas do mundo, diz que essa história é "a maior piada da neurociência". Ele argumenta que cérebro e computadores não são remotamente comparáveis.
O cérebro é analógico, não existe a distinção entre hardware e software, é tudo misturado, porque computa com a estrutura
Miguel Nicolelis
Médico e neurocientista, Nicolelis é professor emérito da Universidade de Duke e fundador do Instituto Nicolelis de Estudos Avançados do Cérebro.
Em 2024, ele comemorou duplamente: pelos 25 anos do artigo pioneiro para a neurociência mundial, assinado com John Chapin; e pelos 10 anos do exoesqueleto, criado por ele, usado por Juliano Pinto, jovem paralégico, para dar o pontapé inicial da Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil.
Para ilustrar como é antiga a tentativa de associar o cérebro humano a computadores, Nicolelis relembra que nos anos 1960 a Marinha dos Estados Unidos pagou uma fortuna para cientistas contratados para criar algo que seria um "cérebro eletrônico".
Ele mesmo já foi confrontado com a ideia. Nicolelis conta que, em 2005, foi convidado para dar uma palestra para uma audiência seleta sobre interface humano-máquina. Para surpresa dele, entraram na sala Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do Google.
Após explicar o funcionamento do cérebro, Nicolelis ouviu de Page: "mas só processa 5 bits por segundo? É lento, né?". Na época, era essa a medida da capacidade de processamento do cérebro. O neurocientista retrucou: "É lento, mas funciona".
O mundo atual acredita que a velocidade é a principal variável da solução
Miguel Nicolelis
Para o pesquisador, essa medida de velocidade não significa muita coisa, no fim das contas.
Ir à Lua, pintar o teto da Capela Sistina, escrever A Divina Comédia, criar uma linguagem computacional. São todos feitos criados com o cérebro lento, que roda a 10 bits por segundo, e funcionam a 20 W, algo bem distante dos data centers onde rodam os vários sistemas de inteligência artificial e que consomem a eletricidade de uma cidade inteira, comenta Nicolelis.
Os 10 bits por segundo construíram a história da civilização humana. O que um computador que funciona na velocidade da luz construiu realmente? Vamos parar para pensar (...) Na época que eu ia a estádios nos anos 1960, o Pelé fez um gol contra o Palmeiras e a torcida do Palmeiras levantava para aplaudir de pé. Como você computa isso? Em quantos bits você descreve a sensação coletiva de ter visto algo fora do comum? Não tem
Miguel Nicolelis
Nicolelis detona Neuralink, empresa do 'chip do cérebro' de Musk: 'açougue'
A Neuralink, startup do bilionário Elon Musk, chocou o mundo ao realizar implantes cerebrais para dar a tetraplégicos a habilidade de controlar máquinas, como computadores.
Em conversa no Deu Tilt, o podcast do UOL para humanos por trás das máquinas, Miguel Nicolelis, um dos maiores neurocientistas do mundo, aprova a tecnologia usada, mas afirma que a iniciativa mais "parece um açougue" e optou pelo lado mais espetacular para arrecadar mais dinheiro.
Dos mais de 20 macacos [usados na pesquisa], 16 morreram. Qualquer laboratório de pesquisa americano não duraria uma semana com esse 'track record' [histórico]. Se você perde um animal já fica sob investigação por seis meses, se perder o segundo eles fecham [sua empresa]
Miguel Nicolelis
Nem inteligente nem artificial: IA é jogada de marketing, diz Nicolelis
Para o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, a inteligência artificial não é nem inteligente nem artificial.
Em entrevista ao Deu Tilt, podcast do UOL para humanos por trás das máquinas, o pai do exoesqueleto e um dos neurocientistas mais importantes do mundo classificou como jogada de marketing bem-sucedida a criação do termo que hoje dá nome às várias plataformas, do ChatGPT ao Gemini. Também alertou que a humanidade terá "um futuro sem futuro" caso essas ferramentas se tornem preponderantes.
Se tudo o que você vai fazer daqui pra frente é baseado em um banco de dados do que já foi feito, você não tem futuro
Miguel Nicolelis
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.
4 comentários
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Augusto Key Karazawa Takaschima
Parabéns ao neurocientista Miguel Nicolelis por sua defesa incansável do empirismo e por sua crítica ao uso do termo "inteligência artificial". Nicolelis aponta com razão que a IA, longe de ser verdadeiramente inteligente, é apenas um sistema estatístico avançado baseado em grandes volumes de dados. O idealismo platônico que enxerga a IA como uma entidade autônoma e racional ignora a base empírica do conhecimento. A ciência avança por meio da experiência, testes e erros, não por abstrações desconectadas da realidade. Apostar em uma "razão pura" artificial é um equívoco filosófico e científico. O progresso real da tecnologia depende do método empírico, do rigor experimental e da validação no mundo físico. O futuro da IA não está em um platonismo ilusório, mas no caminho sólido do empirismo, como Nicolelis sabiamente defende.
Angela Kretschmann
Sensacional! Fico sempre aguardando novas entrevistas do super lúcido, gentil e genial Nicolelis. Responde o email que a Universidade enviou te convidando Dr. Nicolelis!! Venha conversar com nossos alunos qdo sobrar um tempinho. Please!
Miguel Jesus Espinheira Gonzalez
Importante essas entrevistas com neurocientistas com currículo comprovados, parabéns.