Cade fecha cerco contra Apple e Google e mira abuso de Android e iOS

O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) começa a fechar o cerco contra Apple e Google. As ações miram práticas anticompetitivas dos sistemas operacionais iOS e Android e podem resultar não só em multas e sanções, mas também em mudanças forçadas de condutas.

O que aconteceu

Órgão vai promover expediente raro. Cade vai reunir as Big Tech e organizações da sociedade civil em audiência pública nesta quarta-feira (19). No órgão, o último encontro do tipo ocorreu em 2018, segundo registros no site do conselho. Servirá para abastecer três investigações, duas sobre o Google e uma sobre a Apple.

Ação contra a Apple foi aberta após reclamação do Mercado Livre em 2022. A dona do iPhone cobrava taxa sobre pagamentos feitos dentro de outros apps só por eles terem sido baixados em sua loja. Chegava a 30%. Após adotar o pedágio, a Apple foi denunciada mundo afora por companhias como Spotify e Netflix.

Cade entendeu que há provas suficientes da conduta. Ao instaurar o processo administrativo em novembro do ano passado, a autarquia exigiu, de forma preventiva, que a Apple cessasse as práticas anticompetitivas e liberasse os desenvolvedores para vender bens e serviços livres da taxa. Não cumprir a medida renderia multa diária de R$ 250 mil.

Apple derrubou medida na Justiça do Distrito Federal. Além da vitória judicial dias depois, a empresa recorreu à autarquia para encerrar o caso. O julgamento deve ser julgado, segundo o jornal "O Estado de S.Paulo", no primeiro semestre de 2025. Se perder, dona do iPhone pode ser obrigada a pagar multas e a mudar sua forma de atuação.

Google enfrenta ação mais antiga. O inquérito foi aberto em 2019 após condenação bilionária da União Europeia contra o Android. O bloco aplicou multa de 4,34 bilhões de euros por considerar que o Google adotava práticas anticompetitivas para manter o domínio do Android entre os celulares, como direcionar usuários para o seu buscador e restringir a atuação de fabricantes e operadoras de celular. O objetivo é averiguar se o mesmo ocorre no Brasil.

Dona do Android enfrenta segundo inquérito. Após a investigação contra a Apple, o Cade passou a avaliar em 2024 se o Google aplica na Play Store a mesma prática da App Store.

Empresas evitam comentar. Procuradas, Mercado Livre e Google optaram por não se pronunciar. A Apple não respondeu até o fechamento desta matéria.

Cade com mais poder

Cade toma decisão incomum. Diferentemente do que ocorre em outros órgãos públicos, como as agências reguladoras e o Congresso Nacional, não há previsão legal para o Cade realizar audiências públicas, mas também não há impeditivos. Analistas apreciaram a ideia.

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O Cade se abrir dessa forma é algo extremamente novo e muito louvável
Raquel da Cruz Lima, coordenadora do centro de referência legal da organização Artigo 19

Avanço do Cade ocorre no vácuo deixado pelo Congresso Nacional. Regulação da atuação das gigantes de tecnologia foi travada na Câmara dos Deputados após o chamado PL das Fake News ser paralisado.

Governo do presidente Lula trabalha para dar mais poderes ao Cade. Diante do impasse no Legislativo, o Executivo passou a trabalhar para fazer do conselho uma barreira de contenção para as práticas anticompetitivas das Big Tech. Entre as propostas do Ministério da Fazenda estão dar à autarquia o poder de classificar quais plataformas são "sistemicamente relevantes" e, por isso, seriam acompanhadas de perto e obrigadas a ser mais transparentes.

Decisões na União Europeia e nos Estados Unidos impulsionam mudanças. Lei europeia dos Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês) é um dos exemplos. O conceito de "sistemicamente relevante" foi "emprestado" do DMA, que estabelece as empresas consideradas "gatekeepers" -com maior impacto no mercado digital, elas são obrigadas a seguir regras mais duras ou proibidas de determinadas práticas. Motivada a colocar o Brasil em linha com outras localidades, a Fazenda quer mudar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, incluindo reformas na Lei de Defesa da Concorrência.

Regras para Big Techs

Governo tenta destravar o debate sobre ecossistemas digitais a partir da perspectiva concorrencial. Para observadores, essa estratégia enfrenta menos resistência no Legislativo do que a regulação.

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É uma junção de fatores: de um lado, o Cade já tem subsídio robusto o suficiente nesses inquéritos para justificar a abertura de uma audiência pública; do outro, o governo federal tem o objetivo de empoderar o Cade
João Victor Archegas, coordenador no Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio)

Entender como essas empresas têm um excesso de poder que, inclusive, permite que elas bloqueiem o debate, é o tipo de discussão que o Cade está em uma boa posição de travar
Raquel da Cruz Lima, coordenadora do centro de referência legal da organização Artigo 19

Ministério cita novas regras contra práticas anticompetitivas no planejamento para 2025 e 2026. Fazenda cita entre suas metas a entrega de projeto de lei "para incentivar a concorrência ao dotar o poder público de ferramentas mais adequadas para coibir práticas anticoncorrenciais nos mercados digitais". O documento já em confecção interna, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Procurado pelo UOL, o ministério não comentou o assunto.

Falta de concorrência afeta internautas

Práticas contra a competição afetam consumidores. Casos concorrenciais geralmente são levantados por concorrentes. No caso das gigantes de tecnologia, o alcance dessas ações é maior, dada a quantidade de pessoas que usam plataformas conectadas. Essa é a visão que o Artigo 19 levará para a audiência pública. A organização critica o fato de um buscador online dominar o mercado, o que lhe dá o poder de distribuir informações conforme um critério definido internamente.

Esse tipo de escolha está na mão de só duas empresas no mundo inteiro; no caso do buscador, de apenas uma, o Google. É um poder muito grande uma única empresa dizer o que a gente pode saber
Raquel da Cruz Lima, do Artigo 19

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DEU TILT

Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.

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