Pedras se movem sozinhas no deserto: como cientistas desvendaram o mistério


Colaboração para Tilt
13/03/2025 05h30
Durante mais de 50 anos, um mistério atormentou cientistas na Califórnia, nos EUA: como podem pedras no meio do Vale da Morte se movimentarem sozinhas por uma parte do deserto? Até que pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego pegaram as "fugitivas" no flagra— e descobriram como elas se movem dali.
O que aconteceu
Pedras foram apelidadas de "rochas velejantes" (sailing stones, em inglês). Elas deixavam inconfundíveis rastros de até 460 metros por uma área conhecida como Racetrack Playa ou "praia das pistas de corrida". O lugar é bastante único: trata-se de um lago seco de 4,5 km de comprimento e cerca de 2 km de largura a 1.131 metros de altitude rodeado por uma cadeia montanhosa, a Panamint.
Apesar dos rastros e da inexplicável ausência de causa gravitacional, ninguém tinha visto as rochas de cerca de 320 kg se mexerem pessoalmente até 2013. A informação é do National Park Service, instituição do governo americano que administra os parques do país.
Em 2011, os estudiosos decidiram ir até o Vale da Morte e instalar equipamentos de monitoramento por GPS em 15 rochas. Liderados pelo paleobiólogo Richard Norris, eles ainda colocaram ali uma câmera com "time-lapse" —que registra múltiplos cliques conforme a passagem do tempo —para acompanhá-las e, como cereja do bolo, montaram uma pequena estação meteorológica de alta resolução que pudesse capturar pequenas variações de velocidade do vento.
A resposta veio relativamente rápido, apesar de algumas rochas velejantes ficarem no mesmo lugar por mais de uma década até se mexerem de novo. Entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014, eles capturaram o movimento de mais de 60 rochas em velocidades de dois a cinco metros por minuto.
Os dados coletados ainda apontaram um padrão raro de chuvas e ventos na região que eram responsáveis pelos movimentos das rochas. Os cientistas já suspeitavam que ventos pudessem ter algo a ver com o "velejar" das rochas, mas não conseguiam explicar exatamente como, especialmente nos casos das maiores pedras ou por que os movimentos eram tão esporádicos.
O estudo provou que diversos fenômenos precisam acontecer ao mesmo tempo para elas se movimentarem. O primeiro deles é a formação de uma fina camada de gelo sobre a praia, o que acontece durante as geladas noites do deserto após uma chuva. Depois, é preciso que o sol da manhã derreta o gelo e que haja fortes ventos também nestas primeiras horas —eles ajudariam a fazer com que elas "escorregassem" pelo lago seco antes de a água evaporar.
Como o movimento é sutil e dura de alguns segundos a até 16 minutos, de acordo com o estudo, é possível que turistas já tenham presenciado a migração das rochas, mas não tenham percebido imediatamente. Também torna-se difícil notar que uma rocha está se movendo no meio do deserto se outras, ao seu redor, se movimentarem juntas. Mas toda esta beleza pode estar ameaçada.
O último movimento suspeito havia sido em 2006, então as rochas podem se movimentar apenas um milionésimo do tempo. Também há evidência que a frequência de movimento de rocha, o que parece exigir noites frias para formar o gelo, diminuiu desde os anos 70 graças às mudanças climáticas. Ralph Lorenz, um dos colaboradores do estudo e membro do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins
Toda a região da Racetrack Playa é, aliás, a combinação de uma maravilha geológica e meteorológica. As rochas de dolomita e sienito caem por ali das montanhas ao redor devido à erosão natural da cadeia, segundo o NPS. Toda a praia se formou há cerca de 10 mil anos, por volta do fim do último período glacial, quando mudanças climáticas (mais uma vez!) fizeram com que o lago evaporasse e deixasse para trás bastante lama, que se solidificou.
O local é hoje aberto para visitação, mas é preciso encarar uma estrada remota. O National Park Service oferece instruções aos curiosos interessados.