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Esquema sofisticado: por que iPhones roubados no Brasil vão parar na China?

Rodrigo de Lorenzi teve iPhone furtado durante pré-Carnaval e aparelho foi parar em Hong Kong, que é uma região administrativa especial da China - Reprodução Rodrigo de Lorenzi teve iPhone furtado durante pré-Carnaval e aparelho foi parar em Hong Kong, que é uma região administrativa especial da China - Reprodução
Rodrigo de Lorenzi teve iPhone furtado durante pré-Carnaval e aparelho foi parar em Hong Kong, que é uma região administrativa especial da China Imagem: Reprodução

De Tilt, em São Paulo

27/03/2025 05h30Atualizada em 27/03/2025 16h30

O produtor de conteúdo Rodrigo de Lorenzi, 36, teve o celular furtado após um bloco pré-Carnaval, no bairro de Bela Vista, em São Paulo. Pelo localizador do iPhone, conseguiu ver que seu telefone passou por vários bairros da cidade, inclusive pela rua Guaianases - um dos maiores destinos de aparelhos roubados.

O destino final, no entanto, o surpreendeu: seu telefone foi parar em Hong Kong, a quase 20 mil km de onde foi originalmente roubado. Como Rodrigo, outras pessoas no X também reclamaram que a última localização de seus celulares roubados foram parar em território chinês. Por que será que isso acontece? Por que aparelhos são levados para tão longe?

O que aconteceu

Depois que um celular é roubado, ele tem alguns possíveis caminhos, segundo explica Leonardo Carvalho, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Telefone passa por uma quadrilha especializada em golpes virtuais. Lá, eles tentarão acessar contas bancárias, contrair empréstimos ou pedir dinheiro para contatos via aplicativo de mensagem. Isso geralmente ocorre quando o celular está desbloqueado ou o criminoso exige a senha de desbloqueio.

O aparelho é desmontado e suas peças viram itens de reposição em lojas de manutenção de celular no Brasil. Em alguns casos, há tentativa de desvincular a conta da pessoa para ser vendido para outra pessoa.

O celular é enviado para locais onde não há acordo de cooperação para bloqueio de telefones roubados. Geralmente, África, um dos destinos mais comuns e com várias apreensões em portos e aeroportos brasileiros com aparelhos subtraídos, Ásia ou até mesmo a Rússia. Lá, são desmanchados ou há também tentativa de restaurá-los para o padrão de fábrica e vendê-lo.

O desbloqueio de iPhones faz com que criminosos realizem campanha de phishing direcionada a vítimas de roubo. Geralmente, eles enviam um SMS falso, solicitando que entrem em uma página e digitem login e senha. "Se a vítima inserir os dados, o aparelho será desbloqueado e facilitar a revenda", diz Fabio Assolini, diretor global de pesquisa da Kaspersky para a América Latina.

Estamos falando de quadrilhas muito especializadas e com diferentes núcleos. Você tem a pessoa que rouba/furta, um grupo especializado em crimes digitais, outros em desmanche, e outro em transporte e revenda para outros países. É uma operação muito complexa e sofisticada, até para saber movimentar a carga para locais onde o celular vai funcionar
Leonardo Carvalho, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O Brasil é signatário de um acordo de cooperação que abrange vários países. Então, se um telefone for roubado aqui, e tiver um registro de ocorrência citando o Imei ("espécie de RG do celular"), ele não deve funcionar nos territórios cobertos pelo acordo, o que inclui o continente americano, Europa, Austrália e Nova Zelândia.

Questionada sobre o assunto, a Anatel diz que o Brasil está conectado na maior base de terminais roubados desde 2015, administrada pela GSMA (organização que representa operadoras ao nível mundial). A agência, no entanto, menciona que cada país é livre para se conectar a essa base mundial de aparelhos — sem citar exatamente quais nações fazem parte ou não desse acordo.

Consultada, a GSMA informou que sua lista de bloqueios de aparelhos roubados abrange 130 de 800 operadoras ao redor do mundo e cadastro de terminais roubados abrange América do Sul, América do Norte, Europa Ocidental, África do Sul e Nova Zelândia. A associação pontua, no entanto, que há pouco comprometimento de alguns governos para tomar ação.

Problema mundial

Telefones roubados e detectados longe do país de origem é problema mundial. Em fóruns na internet, há diversas menções a aparelhos subtraídos que foram parar em Shenzhen, considerada uma espécie e "Vale do Silício" da China, além de Hong Kong.

O endereço Hung To Road, citado na postagem do Rodrigo, é uma área de Hong Kong com vários shoppings. Segundo informações de fóruns, como o Reddit, trata-se de uma região com muitos shoppings e áreas de conserto de celulares.

Reportagens de sites dos EUA e do Reino Unido descrevem que celulares furtados/roubados na rua, em bares ou em festivais de música são levados por organizações criminais até a China.

Uma reportagem da rede norte-americana ABC cita casos de aparelhos que foram parar em Shenzhen. Já o site britânico Daily Mail descreve uma investigação da Scotland Yard, a polícia de Londres, mostrando como aparelhos são roubados e transportados por navio para fora do país (numa gaiola de Faraday, que bloqueia campos elétricos, para evitar que sejam localizados no trajeto). Os principais destinos são Argélia, China e Hong Kong. Porém, há também relatos de aparelhos subtraídos ativados na Nigéria e até no Brasil.

Fora a reutilização de peças, Assolini, da Kaspersky, acredita que países asiáticos acabam sendo o destino de celulares furtados para que eles façam parte de "fazendas de cliques". Isso consiste numa série de aparelhos enfileirados controlados de forma semiautomática em fraudes para influenciar ranking de aplicativos, opiniões falsas em sites de e-commerce e engajamento em redes sociais. "Aparelhos vindos de outras partes do mundo levantam menos desconfiança dos sistemas antifraude".

Como conter o roubo/furto de celulares

Para Leonardo, do Fórum Brasileiro de Segurança, o combate ao roubo de celulares precisa de uma ação coordenada das diversas esferas da administração pública.

O governo federal deve proteger as fronteiras e fazer com que tratados, como o que reúne dados de celulares roubados, sejam válidos em outros locais. O governo estadual deve fazer mais operações para recuperação e devolução de aparelhos, enquanto a esfera municipal tem que cuidar da fiscalização de estabelecimentos que vendem aparelhos roubados.


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