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Show, ministro, CEO: 'lives' viraram novo horário nobre do Brasil, diz YT

Live de Marília Mendonça bate recorde com 3,2 milhões de visualizações simultâneas - Reprodução/Youtube
Live de Marília Mendonça bate recorde com 3,2 milhões de visualizações simultâneas Imagem: Reprodução/Youtube

Carolina Mandl

02/05/2020 04h00

"Chamando todo o rebanho! Nossa live começa em instantes", disse a cantora Marília Mendonça, ao iniciar uma recente apresentação de três horas e meia de sucessos da música sertaneja de sua sala de estar no YouTube durante a quarentena. O show, que atraiu 3,3 milhões de visualizações simultâneas - um recorde mundial para o YouTube - foi um dos sinais mais explícitos de como a transmissão ao vivo se tornou viral no Brasil, em um momento em que o isolamento imposto pelo coronavírus praticamente paralisou o país.

A "live" da Marília Mendonça foi também apenas o auge de mais um dia cheio de webcasts para todos os gostos do público, com debates protagonizados por ministros e presidentes de empresas diretamente de seus escritórios em casa e até das salas de estar.

Com grande parte do mundo trancado em casa, os 10 principais shows mais assistidos do YouTube em tempo real ocorreram neste mês - e sete deles foram estrelados por artistas brasileiros, disse o YouTube.

Marília Mendonça liderou a lista, seguida pela dupla sertaneja Jorge & Mateus, à frente do show solo de Andrea Bocelli na Páscoa, de uma catedral vazia em Milão.

"O YouTube viu um fenômeno muito específico no Brasil com a transmissão musical ao vivo, especialmente para o sertanejo", disse Sandra Jimenez, diretora de parcerias musicais do YouTube na América Latina. "As 'lives' viraram uma espécie de novo horário nobre dos brasileiros."

Mais perto da intimidade dos famosos e até das autoridades, as lives podem levar a momentos embaraçosos, como quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, percebeu em uma sessão recente que seu computador estava ficando sem bateria. "Está dizendo 'encontre outra fonte de energia' aqui", disse ele. "Como não entendo esse tipo de coisa, vou ligar para minha filha."

Além de Guedes, o vice-presidente, Hamilton Mourão, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e os três principais bancos privados do país - Itaú Unibanco, Bradesco e Santander Brasil - participaram de pelo menos três eventos de transmissão ao vivo cada um, em aproximadamente um mês de isolamento social.

Os eventos brasileiros de transmissão ao vivo diferem dos da maioria dos outros países, pois muitos incluem sessões de perguntas e respostas e são abertos a todos os espectadores interessados — não apenas aos clientes, à mídia ou a outro público-alvo de um banco.

Novo normal

De olho nas multidões virtuais que se formam em um momento em que as salas de concertos, estádios e shoppings estão fechados, empresas como a cervejaria Ambev, a empresa de pagamentos StoneCo e a varejista de moda Lojas Renner começaram a apoiar alguns eventos.

A Ambev acredita que 250 milhões de pessoas já assistiram a shows sertanejos "ao vivo" patrocinados pela empresa, mais acostumada a patrocinar rodeios e shows de música para promover suas marcas, disse o vice-presidente de marketing, Ricardo Dias.

Presidentes de empresas e autoridades do governo, conectando-se por plataformas como Zoom e Instagram, estão usando transmissões ao vivo em vez das tradicionais conferências de negócios, discutindo publicamente tudo, de estratégia de negócios a política de taxa de juros.

Embora os números de visualizações não cheguem nem perto de estrelas pops como Marília Mendonça, as transmissões ao vivo voltadas para negócios estão conquistando uma audiência surpreendentemente ampla em um país que não possui nenhum tipo de canal a cabo de televisão comercial especializado.

Uma webcast de Guedes no final de março obteve 617 mil visualizações, enquanto o presidente do Santander Brasil, Sergio Rial, alcançou desde a semana passada 241 mil visualizações discutindo as perspectivas econômicas do país.

A Zoom Video Communications se recusou a fornecer números exatos para o Brasil, mas disse que havia visto um crescimento "exponencial" de seu produto voltado para negócios no país.

"Houve um aumento substancial na compra e implantação de nosso produto de webinar", disse Abe Smith, chefe do mercado internacional da Zoom.

A corretora brasileira XP Inc, uma das primeiras empresas a intensificar o uso das "lives" em meio à quarentena, está organizando cerca de dez webcasts diariamente e teve entre seus convidados Campos Neto e o presidente global da Kraft Heinz, Miguel Patricio. "As pessoas estão famintas por informações, por isso decidimos intensificar nosso cronograma", disse Karel Luketic, sócio da XP.

O banco BTG Pactual, vê as webcasts ao vivo com especialistas como uma maneira de6 atrair novos clientes. "Em um período de isolamento, é mais difícil entrar em contato com os clientes, então as lives acabam sendo uma ferramenta também para atrair investidores", disse Marcelo Flora, sócio do BTG.

Talvez nostálgicos de uma cultura de negócios na qual as pessoas se cumprimentam não apenas com um aperto de mão, mas com abraços e beijos, empresários e políticos brasileiros parecem ter um apetite sem fim pelos eventos ao vivo, que geralmente se estendem pela noite, fins de semana e até feriados.

"Com a quantidade de live que tem hoje, as coisas ficam meio poluídas", disse Luketic, da XP.

Mas será que a onda das lives veio para ficar?

"As webcasts se provaram ser uma ferramenta muito útil, mas nada substitui conhecer alguém pessoalmente", disse o diretor de comunicação do Credit Suisse no Brasil, Edgard Dias. O banco já promoveu mais de 80 webcasts em abril, sendo a maioria delas com presidentes ou diretores financeiros de empresas.