Topo

Binance atendeu operadores de criptomoedas no Irã por anos, apesar de sanções, dizem fontes

11/07/2022 13h42

Por Tom Wilson e Angus Berwick

LONDRES (Reuters) - A maior corretora de criptomoedas do mundo, Binance, continuou a processar negócios de clientes no Irã, apesar das sanções dos Estados Unidos e da proibição da empresa de fazer negócios no país, segundo uma investigação da Reuters.

Em 2018, os Estados Unidos restabeleceram sanções que haviam sido suspensas três anos antes como parte do acordo nuclear do Irã com as principais potências mundiais. Em novembro daquele ano, a Binance informou aos operadores de criptomoeadas no Irã que não os atenderia mais e pediu para encerrarem suas contas.

Mas em entrevistas à Reuters, sete operadores disseram que contornaram a proibição. Eles disseram que continuaram usando suas contas da Binance até setembro do ano passado, perdendo acesso apenas depois que a corretora endureceu suas verificações contra lavagem de dinheiro um mês antes. Até aquele momento, os clientes podiam negociar registrando-se apenas com um endereço de email.

"Havia algumas alternativas, mas nenhuma delas era tão boa quanto a Binance", disse Asal Alizade, operador em Teerã que disse que usou a corretora por dois anos até setembro de 2021. "Não precisava de verificação de identidade, então todos nós usamos."

Onze outras pessoas no Irã, além das entrevistadas pela Reuters, disseram em seus perfis do LinkedIn que também negociaram criptomoedas na Binance após a proibição de 2018. Nenhum deles respondeu às perguntas.

A popularidade da Binance no Irã era conhecida dentro da empresa. Funcionários graduados sabiam e brincavam sobre o crescente número de usuários iranianos, de acordo com 10 mensagens que eles enviaram entre si em 2019 e 2020. "IRAN BOYS" ("Garotos do Irã", na tradução em português), escreveu um deles em resposta aos dados que mostram a popularidade da Binance no Irã.

A companhia não comentou o assunto. Em março, em resposta às sanções ocidentais à Rússia, a Binance disse que "segue estritamente as regras de sanções internacionais" e montou uma "força-tarefa de conformidade global". A empresa disse que usou “ferramentas de nível bancário” para impedir que pessoas ou entidades sancionadas usassem sua plataforma.

A Binance, cuja holding está sediada nas Ilhas Cayman, diz que não possui uma única sede. A empresa não fornece detalhes sobre a entidade por trás de sua principal corretora, a Binance.com, que não aceita clientes nos Estados Unidos. Em vez disso, os clientes norte-americanos são direcionados para uma corretora separada chamada Binance.US, que - de acordo com um registro regulatório de 2020 - é controlada pelo fundador e presidente-executivo da Binance, Changpeng Zhao.

Advogados dizem que essa estrutura significa que a Binance está protegida de sanções diretas dos Estados Unidos que proíbem empresas norte-americanas de fazer negócios no Irã. Isso ocorre porque os operadores no Irã usaram a principal corretora da Binance, que não é uma empresa norte-americana. Mas a Binance corre o risco das chamadas sanções secundárias, que visam impedir que empresas estrangeiras façam negócios com entidades sancionadas ou ajudem os iranianos a escapar do embargo comercial dos EUA. Além de causar danos à reputação, as sanções secundárias também podem impedir o acesso de uma empresa ao sistema financeiro dos EUA.

A exposição da Binance depende das negociações na plataforma entre partes sancionadas e se os clientes iranianos se esquivaram do embargo comercial como resultado de suas transações, disseram quatro advogados.

Questionado sobre os operadores de criptomoedas no Irã que usaram a Binance, um porta-voz do Tesouro dos EUA não se manifestou.

A Binance domina a indústria de criptomoedas, oferecendo a seus 120 milhões de usuários uma variedade de moedas digitais, derivativos e tokens não fungíveis. A empresa processa transações no valor de centenas de bilhões de dólares por mês. O fundador, o bilionário Zhao – conhecido como CZ – este ano estendeu seu alcance nos negócios tradicionais, prometendo 500 milhões de dólares para a aquisição do Twitter por Elon Musk. No mês passado, a Binance contratou o astro do futebol Cristiano Ronaldo para promover seu negócio de NFTs.

"BINANCE PERSA"

Sob o acordo de 2015 entre o Irã e seis potências mundiais, Teerã restringiu seu programa nuclear em troca de uma flexibilização de algumas das sanções. Em maio de 2018, o então presidente norte-americano Donald Trump abandonou o acordo e ordenou a reimposição das sanções. As restrições voltaram a vigorar em agosto e novembro daquele ano.

Após a decisão de Trump, a Binance adicionou o Irã a uma lista do que chamou de "países sancionados" em seu acordo de termos de uso, dizendo que poderia "restringir ou negar" serviços nessas áreas. Em novembro de 2018, alertou seus clientes no Irã por email para retirar suas criptomoedas de suas contas "o mais rápido possível".

Em agosto de 2019, a Binance considerou o Irã – junto com Cuba, Síria, Coreia do Norte e Crimeia – uma jurisdição “HARD 5 SANCTIONED”, onde a empresa não faria negócios, de acordo com um documento interno visto pela Reuters. O documento de maio de 2020 incluiu o Irã em uma lista de países intitulada “estritamente não”, citando o diretor de conformidade Samuel Lim.

Mesmo com a postura da Binance em relação ao Irã se fortalecendo, seu perfil entre as legiões de usuários de criptomoedas do país estava crescendo, disseram operadores.

As criptomoedas ficaram atraentes lá, pois as sanções tiveram um grande impacto na economia. Desde o nascimento do bitcoin em 2008, os usuários foram atraídos pela promessa de liberdade econômica da criptomoeda ante o alcance dos governos. Isolados dos serviços financeiros globais, muitos iranianos confiaram no bitcoin para fazer negócios na internet, disseram usuários.

"A criptomoeda é uma boa maneira de contornar as sanções e ganhar um bom dinheiro", disse Ali, um operador que falou sob a condição de ser identificado apenas pelo primeiro nome. Ali disse que usou a Binance por cerca de um ano. Ele compartilhou com a Reuters mensagens com representantes de atendimento ao cliente da Binance que mostraram que a corretora fechou sua conta no ano passado. Eles disseram que a Binance não conseguiu atender usuários do Irã, citando recomendações das listas de sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Outros operadores citaram suas fracas verificações de antecedentes dos clientes, bem como sua plataforma de negociação fácil de usar, grande liquidez e um elevado número de criptomoedas que poderiam ser negociadas como razões para o crescimento da empresa no Irã.

Pooria Fotoohi, que mora em Teerã e diz que administra um fundo de hedge cripto, disse que usou a Binance de 2017 até setembro do ano passado. A Binance conquistou os iranianos por causa de seus controles "simples", disse ele, citando o fato de que operadores poderiam abrir contas simplesmente fornecendo um endereço de email.

Os Binance's Angels – voluntários que compartilham informações sobre a corretora em todo o mundo – também ajudaram ma divulgação da empresa no país.

Em dezembro de 2017, a Angels anunciou o lançamento de um grupo chamado "Binance Persa" no aplicativo de mensagens Telegram. O grupo não está mais ativo. A Reuters não conseguiu determinar por quanto tempo o grupo existiu, mas identificou pelo menos um iraniano que era um anjo ativo depois que Washington reimpôs sanções.

Após a proibição de 2018, pelo menos três funcionários de alto escalão da Binance estavam cientes de que a exchange continuava popular no Irã e era usada por clientes de lá, de acordo com contas no Telegram e mensagens de bate-papo da empresa entre os funcionários que foram vistas pela Reuters.

Um documento de conformidade da Binance de 2020, visto pela Reuters, deu ao Irã a classificação de risco mais alta de todos os países para finanças ilegais.

"GUIA PARA PRINCIPIANTES EM VPNs"

O crescimento da Binance no Irã, disseram operadores, se deu pela facilidade com que os usuários puderam contornar as sanções por meio de redes privadas virtuais (VPNs) e ferramentas para ocultar endereços IP.

Mehdi Qaderi, que trabalha em desenvolvimento de negócios, disse que usou uma VPN para negociar cerca de 4 mil dólares em criptomoedas na Binance no ano até agosto de 2021. "Todos os iranianos estavam usando", disse Qaderi sobre a Binance.

Em um guia de 2021 sobre como as sanções se aplicam a empresas de criptomoedas, o Tesouro dos Estados Unidos disse que existiam ferramentas analíticas sofisticadas que podiam detectar a ofuscação de endereços IP. As empresas do setor também podem coletar informações para alertá-las sobre usuários em um país sancionado, disse, como de endereços de email. A própria Binance apoiou o uso de VPNs.

Zhao tuítou em junho de 2019 que as VPNs eram “uma necessidade, não opcional”. Ele apagou o comentário no final de 2020. Em julho do ano seguinte, a Binance publicou em seu site um "Guia para iniciantes em VPNs". Uma de suas dicas: "Você pode usar uma VPN para acessar sites bloqueados em seu país."

Zhao estava ciente dos usuários de criptomoedas burlando os controles da Binance em geral. Ele disse em novembro de 2020 que "os usuários encontram maneiras inteligentes de contornar nosso bloqueio às vezes e só precisamos ser mais inteligentes sobre a maneira como bloqueamos".

(Por Tom Wilson e Angus Berwick)