Golpistas usam anúncios em redes sociais e chatbots para cobrar por falsos benefícios

Por Bruna Cabral e Victor Pinheiro

SÃO PAULO (Reuters) - Golpistas pagam por anúncios no Facebook e no Instagram que promovem sites que se passam por páginas do governo federal, onde vítimas são induzidas a pagar “tarifas” supostamente para receber benefícios, revelou um levantamento da Reuters.

Em vários casos, os fraudadores usam robôs que atendem clientes, os chatbots, para simular um atendimento personalizado, o que contribui para enganar as vítimas, de acordo com especialistas em segurança na internet.

Em novembro e dezembro, a Reuters identificou a estratégia em golpes que aproveitam iniciativas verdadeiras, como o programa para renegociação de dívidas Desenrola e o sistema Valores a Receber, para resgate de dinheiro parado em contas bancárias.

Também há fraudes que inventam programas sociais, como uma distribuição de aparelhos de ar-condicionado e entrega de ceias de Natal, ou supostos leilões de mercadorias por órgãos do governo, como os Correios.

A reportagem encontrou as propagandas na própria biblioteca de anúncios da Meta que é proprietária do Facebook e do Instagram. A plataforma é online e pública.

Procurada, a Meta disse que a empresa não permite “atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros” e que aprimora continuamente “tecnologias para combater atividades suspeitas”. A companhia não respondeu como verifica anúncios e anunciantes em suas plataformas.

O governo federal disse à Reuters que “acompanha a circulação de informações” sobre programas sociais para combater fraudes e encaminha os casos às “autoridades competentes”, além de notificar plataformas a retirarem os conteúdos.

Os anúncios costumam utilizar vídeos de artistas e jornalistas associados a áudios gerados digitalmente -- montagens em que pessoas conhecidas parecem divulgar os falsos benefícios. As páginas anunciantes usam nomes semelhantes aos de veículos de imprensa ou fotos de bancos de imagens.

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Os posts promovidos encaminham as vítimas a sites nos quais ocorre o falso atendimento em nome do governo federal. Alguns deles simulam uma conversa no WhatsApp, mas estão fora do aplicativo. Os links fraudulentos não possuem a terminação “gov.br” utilizada pelo governo -- que já desmentiu, em seu site oficial, oferecer os benefícios prometidos pelos golpistas.

Em alguns casos, o robô pede o número do CPF do usuário. Após o envio, responde com outros dados pessoais da vítima, como nome completo e data de nascimento.

Ao final do processo, os chatbots pedem que o usuário acesse um link para o pagamento de uma “tarifa” para liberar os supostos benefícios.

“Governo lança última semana do kit ceia de Natal com 90% de desconto”, dizia um dos anúncios encontrados pela Reuters. Os golpistas cobravam uma “taxa” de 68,60 reais.

A “tarifa” para o suposto resgate do “dinheiro esquecido”, por sua vez, era de 67,89 reais. “Quase todo brasileiro ignora isto, veja como resgatar agora”, dizia o anúncio.

Já a propaganda do falso leilão dos Correios prometia um “lote de iPhones por R$143,53”. A página fraudulenta oferece supostos celulares da Apple com preços que vão de 97,39 a 289,97 reais.

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A Reuters enviou mensagens via Facebook para nove páginas que veiculavam anúncios com estas fraudes. Ninguém respondeu.

A reportagem também procurou as empresas Abmex, Perfect Pay e Pepper, que aparecem como recebedoras de pagamentos. A Abmex disse por e-mail que todos os produtos ou serviços suspeitos ou fraudulentos “são bloqueados e as transações são estornadas aos consumidores”, e que a companhia apenas faz a intermediação dos pagamentos.

Em nota, a PerfectPay disse estar em "constante vigilância para identificar e eliminar quaisquer produtos ou serviços fraudulentos" e que restitui os valores pagos pelos clientes afetados, além de "colaborar com as autoridades competentes para promover um ambiente de negócios seguro e confiável". A Pepper não respendeu.

MULTA

Um levantamento feito pelo Reclame Aqui a pedido da Reuters mostra que, de janeiro a novembro, vítimas recorreram ao site para registrar 1.956 reclamações de golpes com referência a órgãos públicos ou programas governamentais e originados em anúncios nas redes sociais.

Um relatório do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da Universidade Federal do Rio De Janeiro (NetLab UFRJ) identificou que, entre julho e setembro, plataformas da Meta veicularam ao menos 1.817 anúncios fraudulentos com referência ao Desenrola.

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Para Rose Marie Santini, coordenadora do Netlab, a moderação da Meta é “insuficiente”, mas a empresa ainda é a mais transparente sobre anúncios em suas redes sociais. Golpes ocorrem em outras plataformas, mas nelas não há informações disponíveis de forma sistemática. “É uma caixa-preta”, afirmou.

Em julho, o Ministério da Justiça notificou a Meta a derrubar os anúncios enganosos sobre o Desenrola. Apesar disso, segundo a pasta, a empresa manteve as propagandas no ar por 62 dias. Isso levou o ministério a aplicar, em novembro, uma multa diária de 150 mil reais contra a Meta -- ou 9,3 milhões de reais no total.

O ministério informou que a Meta apresentou recurso contra a multa, e que a eventual cobrança só será feita ao final do processo administrativo.

Questionada, a Meta não respondeu sobre o estudo do NetLab ou sobre a multa do Ministério da Justiça.

ALVOS VULNERÁVEIS

Segundo Guilherme Alves, gerente de projetos da SaferNet Brasil, a menção a políticas públicas é uma estratégia para explorar vítimas em situação de vulnerabilidade, e o uso de chatbots traz uma falsa legitimidade à interação com os usuários, já que serviços governamentais e empresas privadas recorrem a conversas automatizadas.

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De acordo com Alves, golpistas “são muito hábeis em fazer leituras de tendências ou comportamentos para identificar formas de se comunicar e enganar as pessoas”, e é esperado que esse tipo de ferramenta fique mais acessível e eficaz.

O advogado especialista em direito digital Luiz Augusto D’Urso disse que não há, no Brasil, uma regulamentação específica para chatbots. Para ele, os golpistas cometem o crime de estelionato, mas o Marco Civil da Internet afasta das redes sociais a responsabilidade por conteúdos publicados por usuários.

No entanto, o cenário pode ser diferente quando se trata de posts patrocinados, já que a plataforma está sendo remunerada para impulsionar conteúdos possivelmente ilícitos.

“Se já foram feitas várias denúncias para a plataforma e ainda assim ela permite que aquele criminoso utilize este serviço de links patrocinados, pode haver, por parte do Judiciário, uma observância de sua responsabilidade, à primeira vista civil, mas também criminal”, disse.

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