Adeus, internet fixa?

5G pode fazer você dispensar banda larga fixa, mas não será assim para todo mundo

Gabriel Francisco Ribeiro De Tilt, em São Paulo Bruno Miranda/UOL

Ao chegar na casa de um amigo, qual a primeira coisa que você faz? Eu aposto que envolve a seguinte pergunta: "qual a senha do wi-fi?". Você não é o único e até nossos smartphones foram construídos com a ideia de que a internet fixa, compartilhadas pelos roteadores, era mais confiável e mais rápida - por isso se conectam automaticamente a redes.

Isso, contudo, vem mudando. A inversão na lógica iniciada pelo 4G vai ser aprofundada pelo 5G, ao ponto de que no futuro poderemos priorizar a conexão móvel e dispensar os fios e emaranhados de cabos que chegam a nossas casas para nos manter conectados. É o que companhias gringas por aí começaram a implantar.

Mas isso vai valer para todos ou só alguns consumidores? E a internet, pode ficar mais cara ou barata?

Os planos gringos

Companhias fora do Brasil prometem que 5G poderá substituir internet fixa de casas

Three

Em novembro do ano passado, a Three, que está entre as quatro maiores operadoras do Reino Unido, anunciou que "o 5G vai permitir que usuários dispensem a banda larga fixa de suas casas", segundo a BBC. A empresa prevê lançamento de planos para casas de consumidores de Londres nesse mês de agosto e diz que testes iniciais tiveram sucesso. 5G para celulares, só no fim do ano.

Verizon

A norte-americana Verizon tem planos parecidos. Em agosto do ano passado, afirmou que, em vez de dar ao usuário um monte de cabos, passará a oferecer um modem sem fio, que se conectará com a rede 5G e servirá como um roteador wi-fi para o resto da casa - ele ainda contará com portas ethernet. A oferta da Verizon ainda envolverá uma Apple TV e plano de YouTube TV para os usuários.

AT&T

O CEO da AT&T, operadora dos Estados Unidos, disse ver a rede 5G como "um produto que pode substituir a banda larga fixa" nos próximos três a cinco anos no país. A empresa afirma que o serviço pode oferecer aos consumidores velocidades mais rápidas que a maiorias das conexões por cabo e DSL que existem atualmente no pais. A banda larga norte-americana é cercada de críticas.

Complementar é o mais adequado quando se fala em 5G

Alguns especialistas da área não acreditam que o movimento de substituição valerá para todos. Para eles, tudo será "complementar": as operadoras deverão oferecer banda larga fixa, modem 5G e wi-fi para diferentes perfis. A substituição total de uma tecnologia por outra não deve acontecer, mas uma parcela dos usuários poderá dispensar cabos.

"Seguramente o 5G vai ocupar uma parte do mercado de banda larga física, mas não vejo uma migração total. Com a chegada do 5G, a operadora vai atender a mercados que não são atendidos. A capacidade da fibra é maior que o 5G, mas o 5G viabiliza o modelo de negócios de lugares em que a fibra não é viável. Você vai para regiões mais suburbanas", aponta Paulo Bernardocki, diretor de soluções e tecnologias da Ericsson no Brasil.

O problema desse mundo ideal e complementar é a má fama de operadoras, seja no Brasil ou exterior, de cumprir suas promessas.

Regiões afastadas vão se beneficiar

Um dos exemplos de pessoas que poderão abdicar dos cabos em suas casas é quem mora no interior ou em áreas rurais, onde, para a operadora, pode ser mais viável construir antenas do que passar fios de fibra por baixo da terra para a casa de cada usuário, algo custoso. Neste caso, bastaria levar antenas e dar roteadores 5G a usuários.

"É mais fácil conectar uma larga área do país com tecnologias sem fio do que por banda larga fixa porque esta requer um custo significativo, tempo e esforço para disponibilizar uma nova fibra para cada local", aponta Ian Fogg, vice-presidente de análises da Opensignal, companhia que faz medições globais da qualidade de internet móvel.

Nas grandes cidades, contudo, a fibra da internet fixa seguirá vantajosa tanto para usuários quanto operadoras por causa da enorme infraestrutura já criada.

Vão ter que ter muitas antenas e muito próximas umas das outras para a tecnologia funcionar. E todas interligadas em fibra óptica. Você pega a cidade de São Paulo, vai ter que passar a fibra na cidade inteira para ter 5G. Por que alguém iria usar o 5G se a fibra estiver passando na sua casa?

Basílio Perez, conselheiro da ABRINT (Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações), entidade que representa os provedores regionais

O 5G pode substituir a internet fixa?

  • Basílio Perez, conselheiro da Abrint

    "O 5G vai alterar o mercado, evidentemente. Não creio que vai substituir tudo. Podem existir casos pontuais que o 5G substitua a fibra porque tem dificuldade física de chegar lá. O 5G precisa da fibra, mas só precisa levar até uma torre".

    Imagem: Reprodução
  • Sérgio Kern, diretor do Sinditelebrasil

    "Serão complementares e terão que suportar a disponibilidade para internet das coisas. Você teria o acesso ao cliente com fibra e também com o wireless, que seria o 5G. Um ou outro dependendo da situação geográfica e outros fatores".

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  • Paulo Bernardocki, diretor da Ericsson

    "Seguramente o 5G vai ocupar uma parte do mercado de banda larga física. Ele tem uma capacidade de transmissão de dados muito superior ao 4G. É muito viável especialmente em localidades onde não tem fibra e a lógica econômica não faz sentido."

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  • Ian Fogg, vice-presidente da Open Signal

    "Vão ser complementares no geral. O 5G pode ser usado por algumas operadoras em determinadas localidades, onde a tecnologia fixa não é viável. É mais fácil conectar um país com tecnologias sem fio, com o wi-fi compartilhando a conexão."

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  • Dr. Junehee Lee, vice-presidente da Samsung

    "É forte dizer substituir, mas vai complementar. Principalmente em países grandes como o Brasil e Estados Unidos, em lugar que é muito caro cabear faz sentido. Em grandes cidades, com muita densidade, o cabo deve ser ainda a melhor opção".

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  • Homero Salum, gerente de engenharia da TIM

    "O FWA (acesso wireless fixo), que é uma das aplicações do 5G, é muito similar à internet via rádio. A questão é que a internet via rádio tinha limitação de cobertura. O 5G vai ter uma cobertura mais extensa. Vai poder atender o cliente fixo por meio do FWA".

    Imagem: Divulgação

O que imagino que vai acontecer é que a população não vai saber mais o que está usando. Uma hora o celular está no 5G, outra está no wi-fi na empresa ou em casa. A rede que esta por trás da internet vai começar a sumir da percepção das pessoas. Se ela não prestar atenção no ícone do celular, não vai saber de onde está vindo.

Basílio Perez, conselheiro da Abrint

Pode confiar que o sinal não vai falhar

A questão que fica para quem resolver substituir sua banda larga pelo sinal do ar do 5G é: dá para confiar que seja veloz, estável e com latência igual ou melhor do que a que temos nos cabos? A resposta é que sim, caso a infraestrutura seja adequada.

Para que o usuário tenha uma boa experiência, é preciso que várias antenas existam atendendo a diferentes públicos e não ocorra congestionamento de dados - como ocorre com o 4G atualmente nas principais cidades do Brasil, por exemplo. No entanto, apesar de o 5G prometer velocidades altíssimas, a conexão por fibra continuará sendo mais veloz.

Para você ter uma ideia, o 5G promete velocidade de 1 a 20 Gigabits por segundo, enquanto a fibra ótica é capaz de chegar a 255 Terabits por segundo (em pesquisas científicas, nos cabos submarinos a velocidade já chega aos Terabits por segundo). Mas a velocidade doméstica no Brasil hoje atinge no máximo centenas de Megabits por segundo.

"Conexões sem fio ou fixas podem ser instáveis ou estáveis. Depende das tecnologias usadas e o modo que o operador distribui. Por exemplo, conexões DSL são muito dependentes da qualidade da linha de cobre de telefone que foi originalmente feita só para telefone há muitas décadas. Para a rede sem fio, a frequência usada e o tipo de conexão para a estação da base móvel afetam a confiança", aponta Ian Fogg. As estações com fibras, como serão as do 5G, garantem uma boa qualidade da conexão.

Pesa a favor da nova tecnologia, também, sua latência (a velocidade em que uma informação acessa o servidor e volta), que cairá para a casa dos milissegundos. Com uma maior transmissão de dados e menor latência, o 5G será muito útil a quem joga games online - por isso operadoras podem oferecer pacotes desse serviço no lugar da internet física.

Prós e contras

Por um lado...

Um roteador 5G dá mais liberdade aos usuários. A ausência de um cabo levando a internet até um aparelhinho pode fazer com que você possa transportar o roteador entre diferentes cômodos (não mais do que isso) com mais facilidade. A qualidade da conexão e uma boa velocidade estão garantidas.

Mas por outro...

A internet fixa por fibra ainda oferecerá velocidades mais altas aos clientes que optarem por essa opção, assim como uma estabilidade maior da conexão. Contudo, muitos usuários sequer necessitam de toda a velocidade oferecida pela fibra e podem se satisfazer com o 5G, que será bem veloz.

Brasil fará leilão para 5G em 2020

Você se lembra da chegada do 4G no Brasil? Pois então: na época, há quase oito anos, a Sky ofereceu aos clientes uma banda larga 4G com um roteador para transmitir internet pelo ar - algo próximo do que operadoras gringas querem fazer com o 5G. Algumas empresas norte-americanas até têm esse serviço com o 4G, mas o 5G é visto como uma alternativa muito mais competitiva à internet por cabos.

A Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) já definiu o modelo de como será a licitação do 5G no Brasil. O leilão das faixas será em março de 2020.

A Tim já começou a fazer testes com a rede 5G. A empresa chegou a citar a possibilidade dessa nova conexão substituir a internet por cabos de usuários - assim, atendendo o cliente fixo pelo ar. Procurada por Tilt, a empresa não quis detalhar os planos.

A franquia pode voltar para ficar

No Brasil ainda existe uma outra coisa para preocupar os consumidores: a franquia de dados. Depois de muita briga, as operadoras foram proibidas de limitar a banda larga física. Já a móvel é contratada por pacotes pelos usuários, que podem ficar sem internet ou com velocidade reduzida depois de passar do limite. E como fica o usuário que migrar da internet fixa para o 5G?

As operadoras nacionais ainda não desistiram de implantar franquias para a internet fixa com a alegação de que existem diferentes tipos de consumidores. A "vitória" dos consumidores de poucos anos atrás pode ser revertida com a volta de pressões de entidades.

"O que a gente defende como setor é que haja liberdade na oferta. Um jovem consome isso, a criança aquilo, a pessoa jurídica outra. As empresas tendem a oferecer pacotes diferentes de serviço e a franquia está inserida nesse contexto. A gente espera que possa se estabelecer franquias de acordo com o cliente e que seja ampliado para o físico. Os consumos são distintos", opina Sérgio Kern, diretor de regulamentação do Sinditelebrasil (sindicato patronal das grandes operadoras nacionais).

Custo do 5G é menor

Por outro lado, especialistas apontam que operadoras tendem a oferecer franquias mais "generosas" com o 5G, já que, segundo Paulo Bernardocki, o custo do bit do 5G é menor. Algumas operadoras estrangeiras, inclusive, disponibilizaram planos de 5G ilimitados neste início de ofertas: é o caso da britânica Vodafone, com preços que variam entre 23 e 30 libras (de R$ 120 a R$ 155) mensalmente.

Planos iniciais de empresas norte-americanas, como Verizon e Sprint, também incluem pacotes ilimitados de 5G - mas oferecem limitações para quando o usuário for utilizar o 4G, algo que ocorrerá provavelmente com frequência já que o sinal ainda está em processo de implantação.

Isso também é necessário do ponto de vista dos usuários: com uma internet absurdamente mais rápida, é difícil segurar o gasto de dados. Tilt testou o 5G na Coreia do Sul, por exemplo, e em poucas horas gastou mais de 10 GB - inclusive baixando um jogo de 2 GB em apenas dois minutos. Mais sobre isso você lê semana que vem por aqui ;)

Empresas devem ser as primeiras a aderir ao 5G

Em meio a esse novo cenário, a mudança pode começar pelas fábricas e setores industriais. A automobilística Audi é uma delas, segunda o site Engadget. A empresa, assim como outras, planeja trocar o uso interno do wi-fi por uma espécie de 5G privado.

A troca de conexão faz parte da busca por algo que seja mais confiável e mais veloz. Além disso, a baixa latência do 5G será um ganho enorme em fábricas cada vez mais automatizadas, em que uma máquina conversa com outras. Muitos analistas, inclusive, colocam as indústrias como a primeira fronteira desse novo cenário.

Outra vantagem em relação a fábricas que utilizam internet cabeada seria que, sem os fios, rola uma maior flexibilidade na linha de produção, já que fica mais fácil mudar a configuração da fábrica.

Mas para tudo isso chegar até a sua casa, ainda leva um tempo. Os primeiros beneficiados provavelmente deverão ser aqueles que moram em grandes capitais, onde já existe uma boa instalação de fibras. A popularização do serviço, contudo, só deverá começar a ocorrer daqui a cinco anos, de acordo com estimativas.

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