No meio do caos acústico, cada um busca suas ilhas de silêncio do jeito que pode. "Já cheguei a colocar os fones na orelha sem nada tocando, apenas para tentar reduzir o barulho externo", conta a jornalista e analista de comunicação Joice Coletti, de 32 anos.
Ela não está sozinha, basta caminhar nos grandes centros urbanos para entender que o acessório virou item de utilidade máxima. Mas, para uma pessoa especialmente sensível aos sons, como ela, só isso não basta. O jornalista sofre com a falta de concentração no trabalho (até uma conversa de corredor atrapalha) e com o barulho da vizinhança interferindo no seu sono. Vive, portanto, travando pequenas batalhas em busca do silêncio.
"Sempre quis morar aqui, mas agora estou orçando janelas antirruído para instalar no apartamento", conta Coletti, já um pouco exasperada com o estresse do barulho e a falta de sono causados pelos ruídos do seu novo bairro, a Barra Funda, na região oeste da capital paulista. Ela também faz denúncias à prefeitura, especialmente sobre os apitos da ré de caminhões de lixo durante a madrugada, e encabeça tensas conversas com os responsáveis por geradores utilizados por estúdios na região, cujos motores a diesel geram insistentes zumbidos.
Acha exagero? Os médicos afirmam que sons constantes acima dos 65 decibéis já são suficientes para tirar ou desviar a atenção, fazendo com que as pessoas percam o foco. A maioria dos gadgets do mercado possui potência máxima de 90 a 120 decibéis, sendo que o limite saudável é de 85 decibéis por no máximo oito horas diárias (acima disso já pode causar perda auditiva).
Para você ter uma ideia:
- Turbina do avião a jato - 140 decibéis
- Shows de rock, com distância de 1 a 2 metros da caixa de som - 120
- Avenida movimentada - 85
- Automóvel passando a 20 metros - 70
- Conversação a 1 metro - 60
- Falar sussurrando - 20
Isso quer dizer que colocar música alta para mascarar o barulho é um grande erro, especialmente no metrô, onde os decibéis podem chegar a 110.
"Há uma tendência de aumentar o volume dos fones para superar o som ambiente. Se o volume estiver muito alto, há chance de lesões e perda irreversível da audição"
Mara Gambara
Existe inclusive uma determinação da Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT) para que as construtoras garantam o desempenho acústico das residências —e a entidade recomenda que você cobre isso dos responsáveis pelos imóveis: isolamento de pisos e paredes internas para minimizar ruídos e pressões acústicas.
"Também é indicado dar preferência a eletrodomésticos com o Selo Ruído, que indica uma menor emissão sonora", recomenda Krisdany Cavalcante, coordenador da Comissão de Estudos Especiais de Acústica da associação. Criado pelo Inmetro e Ibama, o Selo Ruído costuma estar visível em eletrodomésticos como geladeiras, aspiradores de pó, secadores de cabelo e liquidificadores, indicando quanto ruído aquele produto emite.
Ao mesmo tempo, o estresse é tão grande que estamos emudecendo também nossas convivências. Quem aí deixa o celular sempre no "modo silencioso", desencanou de usar o telefone, só fala pelo WhatsApp e habilitou todos os recursos para bloquear as notificações? Recentemente, um novo recurso do Uber deu o que falar ao inserir a opção de "prefiro não conversar com o motorista" nas corridas pelo aplicativo.
Segundo o relatório Fjord Trends 2019, feito pela consultoria Accenture para apontar tendências, a busca por desconexão e bloqueio de notificações, mensagens e conteúdos é evidente e crescente. "Silêncio é ouro", diz o texto. "As marcas precisam encontrar maneiras de serem ouvidas pelos consumidores que querem apenas silêncio em um mundo barulhento."
"Estamos vendo uma escalada dramática na taxa de desconexão das pessoas, elas cancelam inscrições e optam por impedir a enxurrada de conteúdo e mensagens que atrapalham a vida cotidiana. Como consumidores, percebemos que não é mais apenas uma opção de estilo de vida, mas um sério problema de saúde mental. À medida que colocamos mais barreiras entre nós e as tecnologias digitais, as organizações precisam aprender a oferecer valor aos usuários que desejam tranquilidade em um mundo barulhento"
Fjord Trends 2019
O relatório destaca ainda que a 1ª Cúpula Global de Saúde Mental, que aconteceu em Londres, escancarou a preocupação de diversas organizações mundo afora, discutiu maneiras de lidar com o impacto negativo das tecnologias digitais e evidenciou a reação da indústria tech —o Center for Humane Technology (grupo de ex-funcionários do Vale do Silício) disse que redes sociais e smartphones estão "sequestrando nossas mentes e a sociedade".
Silenciar um perfil, um contato ou um grupo de mensagens é algo que quase toda mídia social oferece em algum momento —Twitter e WhatsApp contam com botões de "mudo" desde 2014. Mas, mais recentemente, essa pressão fez Apple, Google e Microsoft responderam com várias "ferramentas de bem-estar".