Esqueceram de mim

Após anos isolada, região amazônica ganha investimentos em internet, e os efeitos da conexão são visíveis

Carlos Madeiro Colaboração para Tilt

Tudo é superlativo: a maior região do país, a maior floresta tropical, a maior bacia hidrográfica do mundo. É essa grandeza que colocou o Norte como o lugar com menos conexões do Brasil, de dados e também de pessoas. Cruzar áreas alagadas e de mata densa realmente não é simples e essas dificuldades logísticas tornam os serviços escassos e caros. Mas, finalmente a paisagem começa a se transformar.

Aqui e ali, surgem antenas entre as árvores. No solo, as raízes encontram a fibra ótica, que acompanha os rios. A tecnologia vai discretamente permeando a Amazônia para tentar ultrapassar as barreiras. Para as pessoas que vivem na área, já não era sem tempo: só metade delas tem banda larga fixa, o índice mais baixo entre as regiões do Brasil, e quase 70% usam apenas o celular, como 3G ou 4G, para acessar a internet.

Desde 1994, quando alguém se conectou pela primeira vez na região amazônica, até hoje, muita coisa mudou. Os acessos feitos por wi-fi passaram de 134 mil, em 2007, para 1,5 milhão, neste ano, segundo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Mas, isso equivale a 10% da população que mora ali.

Enquanto o país se prepara para entrar na era do 5G, a maior parte dos nortistas não consegue usufruir de serviços básicos, como saúde e educação, ou mesmo se divertir —se você consegue maratonar séries na sua smart TV, todos os brasileiros deveriam ter esse direito também.

Agora vai?

Com a chegada do 5G no Brasil, o investimento deve crescer exponencialmente. Uma das principais contrapartidas no leilão das faixas de frequência, previsto para este ano, é garantir fibra ótica para essa região. Ao mesmo tempo, o governo federal prevê R$ 1 bilhão para a construção de 9 infovias (por onde trafegam dados) nos rios Negro, Solimões, Madeira, Purus, Juruá e Branco.

Se tudo sair como previsto, seriam mais 9,2 milhões de pessoas com banda larga, atendidas pelos cabos de fibra ótica que chegarão a 59 municípios de seis estados —o termo para contratação de empresas interessadas em participar da licitação saiu em abril.

Ainda assim o atraso é permanente e levará anos para que tenhamos algum equilíbrio —sequer há prazo para a instalação da rede no leito dos rios após o fim do leilão, por exemplo.

Parte da culpa é do "custo Amazônia": 80% do território é de florestas e áreas alagadas, o que encarece a instalação de infraestrutura. O lance é que agora as empresas estão mais dispostas a superar esses obstáculos. A Huawei, por exemplo, diz ver a área como estratégica e prioritária e instalou mais 7,3 mil km de cabos para a Oi levar conexão a 65 mil pessoas.

Isso fez o tráfego local de dados dobrar em dois anos. Para Thiago Lopes, diretor regional Norte/Nordeste da empresa chinesa, aumentar 10% de penetração de internet "faz o PIB aumentar 1,38%", portanto o potencial para o negócio é evidente.

O custo torna tudo mais difícil, mas não impossível. Há um histórico de marginalização da região

Marcos Urupá, do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB (Universidade de Brasília)

Trabalho de formiguinha

Ainda que governos e grandes empresas também tenham investido na implantação de cabos de fibra ótica, grande parte do crédito pelo crescimento da oferta no Norte é dos pequenos provedores. Quem conta isso é Cristiana Gonzalez, consultora em temas de acesso da CDR (Coalizão Direitos na Rede), que reúne mais de 40 organizações da sociedade civil, da academia e ativistas para defender os direitos humanos na internet.

Segundo ela, as pequenas operadoras de telefonia fixa foram adaptando suas estruturas para oferecer banda larga nas cidades menores "na raça e na coragem". Isso quer dizer que esses provedores tiram do próprio bolso para ampliar as redes. "Há tecnologia que permite isso, e muitas fizeram mesmo que de forma mal regulamentada", explica. "Para conseguir financiamento [para estender a fibra ótica], precisam oferecer garantias, e geralmente é o carro, a casa da família..."

A Verdenet é uma dessas empresas e leva banda larga a 3.200 clientes no sul do Amazonas e parte do Acre. O dono, Alrino Campos, começou o negócio fornecendo conexão discada de 32 kbps em 2001. Hoje, vende pacotes de 10 a 50 MB para quem é atendido por seus cabos de fibra ótica. "São 240 km, numa interligação que começou em 2016 com uma rede que sai de Rio Branco", conta a Tilt.

Onde o cabo não chega, o wi-fi depende do incentivo público. "Se uma comunidade fica a 30 km de distância [do ponto final], por exemplo, tem de colocar uma torre para repetir o sinal da internet. Esse investimento é alto: uma torre de 60 metros custa em torno de R$ 50 mil", diz ele.

Banda larga leva médico a comunidades isoladas

Quando a internet chega, os serviços essenciais se expandem de um jeito que transforma a vida de quem está rodeado pela Amazônia. Historicamente faltam, por exemplo, médicos fixos e especialistas. Isso foi agravado com a saída dos médicos cubanos, em 2018, e a chegada da pandemia, que fechou fronteiras.

"Aqui, como não há rodovias, foram os portos que fecharam. Ninguém podia entrar ou sair", conta a enfermeira Jacqueline Sachett, doutora em medicina tropical e teleconsultora. "Também não tem cardiologista. Então, hoje os pacientes fazem os exames, e a telessaúde entra para dar o laudo."

Ela é professora e atua no Núcleo Telessaúde da Universidade do Estado do Amazonas, que atende 62 municípios e cinco polos indígenas em quatro áreas:

  • Teleconsultoria (apoio a profissionais de saúde em área remota)
  • Tele-educação (orientação sobre cuidados sanitários)
  • Telediagnóstico (consultas)
  • Segunda opinião (médico avalia paciente já visto por outro médico)


Segundo conta, o atendimento remoto permite que as grandes distâncias e a geografia fluvial, que isolam comunidades, sejam superadas de alguma maneira. Para se ter uma ideia, transportar pacientes ali é muito caro e complexo: a viagem até a capital Manaus precisa ser de avião, quando os portos não recebem barcos.

Esse atendimento básico só aconteceu após investimentos públicos e privados ampliarem e melhorarem a qualidade da internet na região. "Foi isso que ajudou a manter as pessoas no isolamento e fez com que tirassem dúvidas de casa", afirma a médica.

Internet por satélite salva estudante alagada

Enquanto a fibra ótica não chega para todos, pontos de internet por satélite foram instalados nas escolas rurais da região para tentar mitigar a falta de acesso —3.192 antenas em 2.122 unidades de 378 municípios. É graças a essa banda larga que vem do céu que muitos estudantes estão conseguindo tocar seus estudos na pandemia.

Rafaela Pereira da Silva, 15, cursava o 1° ano do ensino técnico na IFRO (Instituto Federal de Rondônia), em Vilhena (RO), quando as aulas presenciais foram suspensas há mais de um ano. A jovem precisou voltar para a Fazenda Pantanal, onde agora vive com os pais.

O nome do lugar não é à toa. O pasto alagado deixa a família constantemente isolada e, até pouco tempo, sequer havia conexão em Theobroma, a 310 km da capital Porto Velho. Ela ainda é coisa rara, vale dizer, mas o que salva é um cobiçado pacote de banda larga por satélite contratado de um provedor local. Sem ele, Rafaela, que sonha em ser veterinária, não teria como continuar estudando.

"Meus pais pagam caro para usar internet aqui, quase R$ 300 por mês. Mesmo assim, é ruim. Mas, sem esse serviço não poderia continuar", diz.

Foram os pontos de internet por satélite que também permitiram que os cursos fossem adaptados para manter os estudantes em casa. Agora, muitas instituições estão criando opções profissionalizantes para quem tem dificuldade de cruzar grandes distâncias, manter os estudos nas cidades maiores ou viver encarando a falta de comunicação com os familiares —ainda é um desafio para os jovens da região passarem do ensino médio.

Caça ao sinal impede aulas online

Karen Da Silva Araújo, 17, não teve a mesma "sorte". Aluna do curso técnico de agropecuária do IFPA (Instituto Federal do Pará), ela também está tendo aulas online por causa da pandemia, mas a casa onde mora fica na zona rural da cidade de Breves (PA).

"Eu usava dados móveis, mas não tinha estabilidade nenhuma. Acabava perdendo a aula, e o ânimo para estudar. Tinha que procurar sinal em vários cantos da casa, e o 4G lá é muito difícil", conta.

Vendo o desespero da jovem, a família tentou contratar um serviço de internet via satélite, mas as árvores impediam que o sinal chegasse com força —a baixa potência e a alta latência (tempo de resposta do comando), provocadas por uma rede obsoleta, são os principais problemas para quem consegue algum tipo de conexão nas cidades do Norte do país.

Sem alternativas, ela foi morar com sua irmã em Portel, a 270 km da capital Belém, atendida apenas por duas pequenas operadoras locais. Ali, na cidade da região do Marajó, a internet custa R$ 150 por mês. "É boa, tem wi-fi, mas às vezes ainda fico na mão quando chove", explica.

Sinal ajuda a salvar a floresta

Uma conexão banda larga repassada pelo governo federal é usada na associação e na aldeia principal do povo Paiter Suruí, na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal (RO), a 479 km de Porto Velho. Só assim, as 1.300 pessoas que vivem na região puderam ter acesso a qualquer serviço digital.

"Foram anos de luta, é raro esse tipo de serviço por aqui", conta o cacique Almir Narayamoga, conhecido internacionalmente por seu trabalho de pesquisa e defesa das terras indígenas no Brasil.

Foi ele quem fechou em 2007 uma parceira com o Google para usar imagens de satélite no mapeamento da reserva. Munido de computadores e celulares, ensinou toda a aldeia a usar a tecnologia a favor do meio ambiente e criou mapas com a história do povo e desenhos geográficos com a ajuda de Google Earth e GPS. Em 2013, ganhou das Nações Unidas o título de "Herói da Floresta" pelo trabalho, mas nem assim a falta de sinal foi resolvida.

Segundo Almir, fora da maior aldeia, eles usam serviços privados, que também deixam a desejar. "Uma central de internet fornece o serviço por R$ 80 por mega [MB], mas a velocidade não é boa, só funciona bem em alguns momentos", diz.

É com sinal de internet que as ferramentas tecnológicas podem apontar, por exemplo, quais áreas estão sendo invadidas por madeireiros.

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