Os saberes ancestrais costurados no DNA
Adriana Barbosa | Por Helton Simões Gomes, editor de diversidade do UOL
Adriana Barbosa | Por Helton Simões Gomes, editor de diversidade do UOL
O exame de DNA se popularizou. Mais barato e fácil de fazer, ele virou uma importante ferramenta para resgatar a ancestralidade negra do povo brasileiro. Tilt propôs, e 20 personalidades toparam fazer o teste e olhar para essa cicatriz histórica gerada pela escravidão no Brasil (veja abaixo). Se você quer entender o papel da ferramenta genética e como o Estado brasileiro moeu memórias, leia o texto "Quando o DNA diz de onde vim", que dá início ao projeto documental Origens. Agora, é hora de elas contarem o que descobriram e de onde vieram. Com a palavra, Adriana Barbosa:
Foi um momento bem especial. É como se as peças se encaixassem, num grande mosaico, a partir de uma parte que te compõe enquanto corpo, seu DNA."
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?
Adriana Barbosa, criadora da Feira Preta, conta que foi criada por um trio de mulheres fortes e aprendeu com a bisavó, avó e mãe os segredos que a tornaram responsável por um dos maiores eventos de empreendedorismo negro da América Latina. Depois do teste de DNA para saber sua origem, descobriu que a herança é também genética: seus antepassados vieram de uma região da África muito famosa por seus mercados.
A bisavó é o mais longe que ela consegue ir em sua árvore genealógica. Por sorte, conviveu bastante com a matriarca, que viveu mais de 90 anos e conseguiu contar parte da história familiar. Com a avó a relação é ainda mais intensa. Ela diz que mantém até hoje o hábito de sentar-se aos pés dela para ouvir os "causos" que conta como uma griô (a pessoa que, nos países africanos e em comunidades afrobrasileiras, passa adiante as histórias e os conhecimentos do povo).
Agora ligue o som, no canto superior direito.
A empresária diz que a construção da sua identidade aconteceu em "três volumes de aprendizado": a universidade, as viagens para países conectados com a diáspora africana e agora o teste de DNA.
Com o teste, Adriana descobriu que sua história começa na Costa da Mina, uma faixa litorânea que passa por Gana, Togo, Benim e Nigéria, conhecida pela cultura dos mercados e das vendas. Na época da escravidão, as mulheres dali foram levadas para a Bahia e a prática do tabuleiro foi com elas.
Exemplo de inovação, lembra a empresária, está no "boom" da transição capilar, que fez muitas brasileiras abandonar o alisamento e abraçar produtos naturais. O cuidado com os cabelos voltou-se para a babosa, a manteiga de karité e o óleo de coco. "As influenciadoras falavam das formulinhas da vovó. Depois, foram convidadas pelo mercado [de cosméticos] para ajudar a pensar os produtos. Mas não valorizamos isso como uma tecnologia", diz.
"Há 132 anos, você estava na condição de escravizado, sem educação, comida, moradia. Começa a vender coisas e construir uma mobilidade social e, depois de um tempo, mesmo com o extermínio da população negra e do processo de embranquecimento, passa a ser a segunda maior população do mundo. Algum conhecimento tem para tudo isso ter acontecido em apenas 13 décadas. É essa tecnologia social ancestral", diz.
O teste também mostrou que 4% do material genético dela vem da Amazônia, o que reforçou as histórias contadas sobre o bisavô de ascendência indígena. Aliás, essas memórias são tão fortes quantos as referências africanas na família Barbosa. Por isso, surgiram outras perguntas: em que momento negros e indígenas se encontraram?
O resultado fez a empreendedora olhar para a filha de 7 anos, que já começa a repisar os passos das antepassadas. Ela conta que Clara já cria negócios, logomarcas e estratégias: "Se isso não é conhecimento [ancestral], eu quero saber o que é".
"Ela já tem a questão do empreendedorismo na veia. Obviamente de uma forma de criança, mas tem como a minha bisavó e minha mãe tinham. Minha bisa resolveu fazer marmitex e não tinha a mínima noção de como fazer precificação e estratégia de comunicação, mas intuitivamente ela sabia fazer tudo isso."
As novas informações também reforçam as lições que Adriana ensina à menina: "Não quero que ela ache que algo não foi feito para ela ou que aprenda uma história única, aquela das imagens do [pintor francês Jean-Baptiste] Debret: o negro com cabeça pequenininha e corpo másculo, da intelectualidade inferiorizada. Não, não quero contar essa história."
Em seu projeto mais recente, que forma empreendedoras negras, esse encontro com suas raízes também será aproveitado para reforçar a importância dos saberes ancestrais. Isso é importante, explica Adriana, para conectar essas mulheres ao poder de suas próprias histórias.
Ao mesmo tempo, já ensaia abrir o quarto volume da sua formação e aprender iorubá (língua e também nome da etnia de pessoas vindas da região que hoje é a Nigéria). "Que é tão importante na história da Costa da Mina, que vemos tão singularmente na Bahia, nas danças, músicas e roupas coloridas", afirma.
Publicado em 20 de abril de 2021.
Reportagem: Helton Simões Gomes e Lola Ferreira
Coordenação e Edição: Fabiana Uchinaka e Helton Simões Gomes
Produção: Barbara Therrie
Arte: Deborah Faleiros
Fotos: Keiny Andrade
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?