"Sou a geração 100% orgulho negro"
Aranha | Por Guilherme Tagiaroli, repórter de Tilt
Aranha | Por Guilherme Tagiaroli, repórter de Tilt
O exame de DNA se popularizou. Mais barato e fácil de fazer, ele virou uma importante ferramenta para resgatar a ancestralidade negra do povo brasileiro. Tilt propôs, e 20 personalidades toparam fazer o teste e olhar para essa cicatriz histórica gerada pela escravidão no Brasil (veja abaixo). Se você quer entender o papel da ferramenta genética e como o Estado brasileiro moeu memórias, leia o texto "Quando o DNA diz de onde vim", que dá início ao projeto documental Origens. Agora, é hora de elas contarem o que descobriram e de onde vieram. Com a palavra, Aranha:
São poucas as famílias que têm esta consciência de contar, sentar, explicar quem é quem, de onde veio. Não sabemos da nossa história, o negócio é seguir em frente."
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?
Os fãs de futebol conhecem o ex-goleiro Aranha, 40, pela dificuldade que era enfrentá-lo em campo. Para o público em geral, no entanto, sua carreira ficou muito marcada por um episódio: numa partida contra o Grêmio, torcedores da equipe gaúcha imitavam um macaco quando ele tocava na bola. Para ele, que viveu o racismo, não é nenhum segredo que seu sangue carrega muitos genes africanos —apesar de ter passado a vida sem ter informações sobre a origem da família.
O papo sobre ancestralidade não ocupava muito espaço nas conversas da família. De concreto, ele só lembra que os parentes trabalharam na roça e que ninguém teve estudo formal. Aranha teve uma infância tranquila em Pouso Alegre (MG), sem luxo ou tecnologia, mas com muitas brincadeiras na rua. Seu pai trabalhava em uma obra da região e morreu em serviço. Sua mãe, junto com as tias, se dividia entre cuidar da sua casa e trabalhar na casa de famílias da região.
Agora ligue o som, no canto superior direito.
A curiosidade começou a bater forte na adolescência, quando prestou atenção aos diferentes sobrenomes que os alunos tinham na chamada da escola —o que recorrentemente era motivo de chacota. Os nomes, percebeu com o tempo, indicavam uma origem —e ele, oficialmente Mário Lúcio Duarte Costa, não sabia qual era a sua.
Nisso, descobriu que existia uma divisão social entre negros que era marcada pelo sobrenome que os fazendeiros colocavam em seus trabalhadores. "Eu fui pesquisar o meu sobrenome, Costa, mas já sem esperanças. Procurei na internet e soube que tem uma origem portuguesa. Tem até o brasão."
Aranha tem algumas teses sobre por que a população negra, de modo geral, discute tão pouco sobre a própria origem. Para ele, o passado deixou outras feridas como consequência da escravidão. Muitos laços se perderam. Por algum motivo, muitas famílias eram separadas, o casal, a mãe do filho, o pai da família. "E essa história foi se perdendo."
O que o teste trouxe foi uma seta, acredita ele, para que olhe com mais carinho para os países do continente e aprenda mais sobre os locais por onde seus ancestrais passaram. Não que fosse mudar qualquer coisa no seu dia a dia, mas trouxe um esclarecimento precioso "que, pelo fenótipo, a gente já sabe."
Aranha conta que estava ansioso pelo resultado do exame, porque há tempos queria ter um local no mapa para apontar e dizer: esse é o meu lugar. Ele lembra, por exemplo, de ter vivido parte do chamado "pessimismo racial" no fim da década de 1980, que carrega muito a ideia de que o "negro se achava feio, se achava inferior e tentava imitar a população branca para ser aceito".
O resultado o ajudou a se conectar com suas raízes, ainda que existam muitas perguntas a serem respondidas. "Eu sei que eles saíram da África, passaram por Portugal, depois chegaram no Brasil. Mas quando chegaram no Brasil? Foi há 200 anos? 150, 300? Onde eles chegaram? Será que meu sobrenome veio do trabalho na fazenda ou foi adquirido depois? Houve um estupro e essa criança foi escravizada?". As perguntas se acumulam, geração após geração, até chegar no goleiro.
Por outro lado, ressalta, também teve "a felicidade" de viver o levante dos anos 1990, que veio com o rap, pagode e samba. "Quem é um pouco mais antigo lembra das camisetas 100% negro. Todo esse movimento e a minha maturidade me deixaram muito orgulhoso", explica. Ele conta que ver os negros finalmente chegando à TV, "todos bem vestidos, ditando moda, fazendo sucesso, ganhando dinheiro", impactou diretamente na vontade de ser bem-sucedido e autoconfiança da sua geração.
Publicado em 21 de maio de 2021.
Reportagem: Guilherme Tagiaroli
Coordenação e Edição: Fabiana Uchinaka e Helton Simões Gomes
Produção: Barbara Therrie
Arte: Adriana Komura e Deborah Faleiros
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?