Só quem não tem sabe a falta que faz
Juliana Alves | Por Guilherme Tagiaroli, repórter de Tilt
Juliana Alves | Por Guilherme Tagiaroli, repórter de Tilt
O exame de DNA se popularizou. Mais barato e fácil de fazer, ele virou uma importante ferramenta para resgatar a ancestralidade negra do povo brasileiro. Tilt propôs, e 20 personalidades toparam fazer o teste e olhar para essa cicatriz histórica gerada pela escravidão no Brasil (veja abaixo). Se você quer entender o papel da ferramenta genética e como o Estado brasileiro moeu memórias, leia o texto "Quando o DNA diz de onde vim", que dá início ao projeto documental Origens. Agora, é hora de elas contarem o que descobriram e de onde vieram. Com a palavra, Juliana Alves:
A ancestralidade é fundamental para o indivíduo atingir sua potência e abrir caminhos mais plenos"
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?
Saber com mais detalhes de onde seus antepassados vieram fez com que a atriz Juliana Alves, 39, desse um laço nos muitos fios soltos de sua história. Uma das pontas estava na árvore genealógica da mãe, que foi criada por uma família adotiva de sangue europeu e não tinha referências sobre os antepassados negros. A outra ponta levava só até aos avós paternos.
No ano marcado pelo início da pandemia, ela sentiu que o teste de DNA também evidenciou como "a ação de um povo influencia outro, um indivíduo influencia o outro". "Esse ano traz esse aprendizado para quem ainda não tinha se ligado disso", ressalta. "Foi uma das experiências mais especiais que eu tive em 2020 e na vida."
Com antigos laços reatados, a história da filha Yolanda, de três anos, deve ficar mais forte, acredita ela. "Essa consciência é fundamental para que ela não reproduza o racismo, enxergue-o e se torne uma agente transformadora, porque estamos nos educando o tempo todo."
Agora ligue o som, no canto superior direito.
Filha de um sociólogo e uma professora, a atriz cresceu na zona oeste do Rio de Janeiro em um ambiente de engajamento social e entendendo desde cedo as profundidades do racismo. Já na adolescência participou da ONG Criola, que luta pelo direito de mulheres negras, e viu de perto a violência que é saber pouco sobre quem veio antes.
Do lado materno, a história ficou mais apagada após a avó entregar a mãe de Juliana para adoção por não ter condições financeiras para cuidar de três crianças. A atriz conta que houve um reencontro anos depois, mas, desta parte da família, ela sabe apenas que foi de onde veio o lado miscigenado do seu DNA. A família do pai é "toda negra retinta de Barbacena (MG)", mas ninguém sabe detalhes de como os bisavós e tataravós viveram. "Como era a vida do povo que permitiu que hoje eu estivesse aqui?"
Juliana preferiu não detalhar as porcentagens encontradas em seu DNA para preservar sua privacidade, mas conta que, antes do teste, a família tentou descobrir por conta própria a origem da avó. As pesquisas indicaram que ela tinha alguma raiz africana, mas também indígena e europeia, provavelmente de Portugal ou Espanha. "Se você olhar para minha vó Margarida, que gerou a minha mãe, vai ver uma índia de cabelo crespo. Não sabemos de onde veio o avô, mas imaginamos que do Nordeste."
A atriz lembra de amigas brancas falando sobre os antepassados europeus com mais proximidade e isso dava nela mais vontade de fazer o teste. "Pessoas com predominância europeia se sentem mais identificadas, mais ligadas, mais pertencentes a sua ancestralidade", acredita. "Por que meu nome é Juliana Alves de Oliveira? Está faltando alguns nomes aí. Esta é a grande lacuna do Brasil".
Ao mesmo tempo, ela demorou para colocar o plano de mergulhar no DNA em prática e hoje entende o por quê: "Por mais informados que sejamos, temos essa crença de que não sabemos, e é assim mesmo. Acreditamos que aquilo nos foi tirado e não dá para resgatar", explica.
Ela conta que buscou em si esse resgate ancestral, passou a olhar com mais atenção para os lugares na África de onde vieram seus antepassados e isso a deixou mais forte. Seja pelas informações do teste de DNA, pelo caminho da religiosidade ou pelas histórias da própria família, a conexão acontece para sintonizar os negros à sua potência, afirma. "Acho que a ancestralidade é a grande responsável pelas nossas realizações e evoluções. Traz prosperidade, abre caminhos mais plenos e quem sabe ajuda a não repetir os erros do passado."
Quando visitou países africanos, antes da pandemia, a atriz sentiu as semelhanças na forma como eles levam a vida e viu a herança que haviam deixado na família do pai —seja no falar alto, na movimentação ou na dança. Isso trouxe para ela uma sensação de juntar as peças de um quebra-cabeça. "São muitos códigos sociais que nossa cultura tem. Isso de chamar a pessoa para o centro da roda e lembrar de onde ela vem, quem ela é e seus valores... Tantas coisas maravilhosas da cultura africana que o Ocidente descartou e temos que resgatar."
Ainda que o teste traga informações parciais, Juliana tem buscado novas respostas junto com suas primas como parte de um projeto para coletar memórias da família e ajudar a resgatar os afetos.
Publicado em 4 de maio de 2021.
Reportagem: Guilherme Tagiaroli
Coordenação e Edição: Fabiana Uchinaka e Helton Simões Gomes
Produção: Barbara Therrie
Arte: Deborah Faleiros
Fotos: Júlia Rodrigues
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?