Como desvendar o Universo

Gigantes correm para criar o computador quântico, capaz de solucionar nossos problemões

Helton Simões Gomes Do UOL, em Seattle (EUA) e São Paulo Divulgação/Microsoft

O fim do impraticável

Não tem jeito. Para alguns problemas, nem mesmo o supercomputador mais potente do mundo dá jeito. Mas, compreender como algumas moléculas funcionam pode ajudar essas máquinas capazes de fazer um quintilhão de cálculos por segundo demorar "apenas" todo o tempo de vida do Universo para resolver certas equações. Parece muito, mas isso mudaria o status de "impraticável" de muita coisa.

É exatamente nisso que algumas das maiores empresas do mundo estão trabalhando. Hoje vivemos os limites da tecnologia digital, que está em computadores e celulares, a ideia é arranjar ferramentas para lidar com problemas do tamanho do Universo e o caminho passa pelos computadores quânticos.

São eles que elevarão as velocidades de processamento a níveis surpreendentes.

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Quer uma prova do tamanho da mudança? Hoje, o padrão de criptografia que protege seu cartão de crédito demoraria 1 bilhão de anos para ser quebrado. Para um computador quântico, a tarefa levaria 100 segundos.

Um avanço desse tamanho é o que estimula Google, IBM, Intel e Microsoft a disputarem uma "corrida maluca" para ver quem cria primeiro uma versão dessas máquinas.

Não só para resolver problemas de segurança, claro. Na lista dos afazeres quânticos estão coisas como reduzir o aquecimento global, criar materiais resistentes como supercondutores, reproduzir a fertilização biológica de solos e fazer uma inteligência artificial que aprenda a agir como humanos.

Está achando que é fácil reproduzir esse nosso jeitinho?

De bits a qubits

Olhe bem para este texto. Você não consegue ver, mas tudo o que aparece na tela é fruto de uma sequência de 0 e 1. É assim que a informação é codificada e circula em meios eletrônicos -- inclusive nos transistores, os componentes básicos dos computadores. A menor quantidade de informação enviada por um computador é 1 bit, que pode ser ou um 0 ou um 1.

Daqui em diante, o rolê é quântico, mas não se assuste.

A física clássica possui propriedades que explicam bem o comportamento do mundo quando estamos falando de corpos relativamente grandes, mas, quando se trata de partículas microscópicas, a coisa emperra. Para responder a isso, cientistas começaram a estudar física quântica, que consegue explicar bem a interação de moléculas, átomos e partículas subatômicas, como elétrons e fótons.

Ao levar esse conhecimento para a computação, viram que não precisariam limitar a transferência de informação a 0 e 1. Poderiam agilizar a circulação de dados ao usar as características quânticas de partículas pequenas e criar bits quânticos, os qubits. Mas... que características são essas?

A computação quântica está realmente mudando o 'bloco de montar' que usamos para processar e armazenar informação

Krysta Svore, gerente de pesquisa para computação quântica da Microsoft

Marvel Studios

(Não é) trabalho de formiguinha

As partículas quânticas possuem uma característica especial: existem em diversos estados físicos. Se o bit pode ser 0 ou 1, um bit quântico pode ser 0 e 1 ao mesmo tempo. Isso ocorre porque pode haver uma sobreposição dos dois estados, o que gera um terceiro estado diferente.

Ficou difícil de entender? Em "Homem-formiga e a Vespa", segundo filme do super-herói da Marvel capaz de encolher e espichar graças a um aparelhinho quântico, a vilã é uma humana dotada de poderes quânticos. A Fantasma fica visível ou invisível para se proteger de golpes de adversários.

Isso ocorre porque ela sofre os efeitos da sobreposição, o que, grosso modo, faz com que ela ora esteja em um estado em que pode ser vista e tocada ora esteja em um estado em que mãos e olhos não sejam capazes de alcançá-la.

Marvel Studios

Não para por aí. Outra característica da física quântica é o entrelaçamento ou emaranhamento, que liga duas ou mais partículas de tal maneira que uma passa a responder às mudanças das outras. Dá para saber características de uma partícula só observando as outras às quais está entrelaçada.

Voltemos a "Homem-formiga e a Vespa". No filme, o herói Scott Lang tem uma ligação estranha com a cientista Janet van Dyne, que está presa no Reino Quântico. O que acontece é que ela usa seus poderes quânticos para se entrelaçar a ele, ou seja, consegue mandar a ele, quase como telepatia, sua posição para que ele a resgate.

Achou estranho? Albert Einstein também, por isso chamou essa propriedade de "ação fantasmagórica à distância". Mas não é assombração, é física.

Mas, tudo o que os qubits têm de poderosos eles têm de instáveis. Como essas características "mágicas" são conferidas por partículas muito pequenas, qualquer perturbação no ambiente pode fazer a informação que carregam se perder. Esses "ruídos" podem ser variações mínimas de temperatura ou vibrações imperceptíveis.

Glossário da Revolução Quântica

  • Qubit

    Bit quântico é o substituto do bit e componente básico da computação quântica. Por meio de características como sobreposição e entrelaçamento, ele pode transferir informação de forma mais rápida que o bit tradicional

  • Sobreposição

    Como uma partícula quântica pode estar em vários estados físicos, as características desses estados podem ser sobrepor. Nos bits quânticos, é isso que faz eles poderem ser 0 e 1 ao mesmo tempo

  • Entrelaçamento

    Outra característica da física quântica é o emaranhamento, que liga partículas de tal maneira que uma passa a responder às mudanças das outras. Dá até para saber características de uma partícula só observando as outras às quais está entrelaçada.

  • Computador Quântico

    É uma máquina que usa qubits no lugar de bits. Para estabilizar os qubits, ficam em refrigeradores conectados por meio de cabos supercondutores a equipamentos eletrônicos que usam tecnologia digital, por onde os comandos são inseridos.

Bit x Qubit: enquanto um processador clássico de 4 bit pode chegar a 16 combinações possíveis uma de cada vez, um chip de 4 qubit chega a esses cálculos de uma vez.

Supercálculos, ativar!

Em um circuito quântico, a informação passa adiante sem precisar das funções lógicas presentes em circuitos clássicos, mas de qubit em qubit. Essa forma diferente de transmissão é responsável pelas altas velocidades da computação quântica. Imagine 4 bits ao lado de 4 bits quânticos, os qubits.

Ambos podem chegar a 16 combinações diferentes de quatro 0s ou 1s. Só que, enquanto o bit faz uma combinação de cada vez, o qubit faz todas as 16 de uma vez. Com isso, se você estiver atrás da resposta 1111 e ela for a última combinação possível, o bit terá de fazer 15 outras até chegar a ela. Já o qubit chega a ela instantaneamente.

Processamento clássico

Num labirinto, um chip clássico teria de percorrer cada caminho até o final para ver se é o certo; se não fosse, voltaria ao início para trilhar o seguinte até achar o correto.

Processamento quântico

No mesmo labirinto, um chip quântico percorreria todos os caminhos de uma vez e acharia a saída quase que instantaneamente.

Problemas do tamanho do universo

Se você prendeu a respiração ao saber que a segurança que protege suas compras online e até a própria internet passará a ser facilmente descodificada, já pode relaxar. A criptografia quântica está a caminho. Mas ela é só um produto marginal do que a nova revolução da computação pode trazer.

"Não queremos falar sobre elas, mas sabemos que as limitações do que podemos fazer com a tecnologia digital estão chegando. Esses problemas podem ser solucionados pela computação quântica", ressalta Krysta Svore.

E aqui estamos falando de grandes problemas. Bem grandes.

Para se ter ideia do tamanho, vamos analisar a capacidade de armazenar informação de um circuito quântico: ela aumenta exponencialmente a cada novo qubit adicionado. Se 30 qubits guardam o equivalente a 16 gigabyte, ao acrescentar mais 10 qubits, a capacidade aumenta mil vezes e vai a 16 terabyte. Ao subir para 50 qubits, chega a 16 petabyte.

Não se assuste, mas, a partir de 230 qubits, estamos falando de uma quantidade equivalente a todos os átomos do Universo visível. Esse é o tamanho das questões a serem solucionadas, sugere Svore.

Chandra X-Ray Observatory/Nasa

Soluções quânticas para problemas naturais...

fertilização do solo

a fixação do nitrogênio, que torna solos férteis, é feita por uma molécula que a computação clássica não consegue desvendar

aquecimento global

outro mistério para bits tradicionais é a forma como o meio ambiente captura carbono da atmosfera, como o que ocorre, por exemplo, na fotossíntese

propriedade de materiais

a tecnologia digital emperra quando tenta achar materiais com características especiais, como alta reflexão, resistência ao calor e superconectividade

inteligência artificial

apesar de falar e entender pessoas, computadores penam para reproduzir comportamentos típicos de humanos, como linguagem, discurso e visão

Uma corrida sem regras

Capaz de tantos poderes, o computador quântico, você já deve imaginar, é o desejo de consumo das maiores e mais lucrativas empresas de tecnologia do mundo. Apesar de as norte-americanas estarem na dianteira da corrida, as chinesas entraram na disputa -- e contam com os bilhões para gastar e o respaldo do governo chinês.

Só que o desafio de construir um computador quântico fruuncional não é uma questão de empilhar a maior quantidade possível de qubits. Uma das grandes dificuldades é evitar que os tais "ruídos" perturbem o frágil equilíbrio das partículas --e estamos falando de acréscimos mínimos de temperatura ou de vibrações quase imperceptíveis.

A solução encontrada é usar temperaturas muito baixas para manter os constantemente agitados qubits bem calminhos.

ARTE/UOL ARTE/UOL
Divulgação/Microsoft

Para conseguir isso, as empresas têm mantido hardware e outros componentes dos computadores quânticos dentro de um refrigerador que mantém os qubits a temperaturas próximas do zero absoluto. É mais gelado do que no espaço sideral. Como alguns componentes eletrônicos não funcionam quando estão resfriados a esse ponto, parte dos circuitos fica fora do refrigerador e envia de lá sinais por meio de cabos. Esse processo, porém, gera calor, que deixa os qubits ouriçados e acaba atrapalhando a inclusão de novos qubits.

Como não há receita para solucionar esses problemas, cada competidor adota uma estratégia diferente para cruzar a linha de chegada nesta reedição da Corrida Maluca movida a velocidades quânticas.

Não jogue seu computador pela janela (ainda)

Antes de jogar seu laptop gamer de última geração pela janela, espere um pouco.

Nós já temos um computador quântico? Ainda não, mas estamos chegando lá. Eu já tenho 20 anos de empresa e, se daqui a 20 anos, não tivermos um computador quântico, é porque alguma coisa deu errado

Rico Malvar, cientista-chefe do Microsoft Research

E quando estiver pronto, talvez não seja algo para ter de imediato em cima da mesa do escritório.

O computador quântico não será o aparelho que irá substituir seu laptop ou seu smartphone

Krysta Svore

Essas máquinas serão usadas para fornecer serviços especiais de processamento que compõem a computação em nuvem das empresas -- mais isso você já deveria ter adivinhado, já que estão na disputa algumas das maiores companhias do ramo, como Google, IBM e Microsoft. A IBM, aliás, já faz isso. Tem como clientes bancos como Morgan Stanley e a gigantes como a Samsung.

Antes de você conseguir ter o poder computacional do Universo na mesa de casa, prepare-se para uma nova atualização de status: ter na sala de casa um refrigerador capaz de esfriar a temperaturas menores que as observadas no espaço sideral.

"A gente vai ter que arranjar um jeito de gerar temperaturas muito baixas em uma coisa pequena ou fazer o computador quântico funcionar um pouco mais quentinho. Os dois caminhos são possíveis", afirma Malvar.

Pode ir preparando o chocolate quente. Você vai precisar.

Divulgação/Microsoft
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