São quase 3h da manhã em Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital de São Paulo, quando Riolando Bueno, 41, abre a porta de sua pequena casa, de um cômodo e poucos móveis. Ele sai pelas ruas escuras, em meio à pandemia de covid-19, para fazer algo que pode ser surpreendente para muita gente: enviar uma mensagem no WhatsApp.
É na praça próxima de sua residência que ele consegue acessar a internet. Sem nenhum tipo de conexão fixa desde 2016 e há oito meses sem internet no celular, a única maneira que tem de estar online é pelo ponto de acesso gratuito do programa municipal WiFi Livre SP.
"Esse horário da madrugada é bom porque não têm ninguém usando, mas é perigoso ficar [na praça]. Algumas pessoas olham e acham que estou fazendo algo errado, alguém pode vir e tentar me roubar. Quando não tem ninguém, fico preocupado e vou embora", explica.
Para a maioria das pessoas, o acesso à internet é algo realmente banal. Mas, um quarto dos brasileiros da região Sudeste, a mais rica do país, sequer têm conexão em casa. No Brasil, 28% dos domicílios não têm acesso à internet, o que representa 20 milhões de famílias, de acordo com o TIC Domicílios 2019. Se considerarmos três pessoas por casa, isso daria 60 milhões de pessoas —quase cinco vezes a população da cidade de São Paulo.
Riolando não tem wi-fi em casa ou créditos no celular pré-pago por causa dos preços. "Para ter, preciso tirar de algum lugar. Tenho que escolher entre isso e a alimentação", diz. A falta de grana é o principal motivo apontado pelos "sem-internet" da região Sudeste, segundo a pesquisa.
Ele não tem emprego formal desde 2009, mas trabalhava como segurança de casas noturnas no centro da cidade. Com a crise causada pela pandemia de covid-19, os trabalhos diminuíram até cessar de vez. Sem renda desde abril, passou a usar a internet para conseguir algum dinheiro —mas a dificuldade é grande. Agora, usa o ponto de acesso livre para vender gibis e revistas em grupos de redes sociais voltados a colecionadores.
"Eu anuncio um gibi, alguém se interessa e tenta falar comigo. Até eu responder, outro aparece e vende mais barato na minha frente. Houve casos do comprador desistir também", explica.
Riolando também recebe o auxílio emergencial, instituído pelo Governo Federal em abril. O cadastro para obter o auxílio foi feito com o ponto de acesso livre próximo à sua casa.