O Brasil tem uma fama muito grande de ser "bom em cibercrime" Por que isso acontece?
Olha, tem sim essa fama. Acho que vem um pouco desse cenário com muita tecnologia, pouca proteção e pouca lei.
Mas tem uma coisa curiosa: mesmo em um país com muito problema socioeconômico e muita desigualdade na educação, sempre tem bons hackers. Acho que todo país assim, com um mínimo de acesso à tecnologia ou educação formal, tem massa crítica para gerar [criminosos desse tipo].
A melhor mentalidade que eu já vi era de um cara que não fez a oitava série. Ele não conseguia escrever sem erro de português, mas era um gênio. Isso mostra também como esse é um negócio ao mesmo tempo dramático e fantástico.
Nesse trabalho de monitorar o fórum de cibercrime, teve um post que a gente pegou de um menino lá do Pará, num dos grupos de fraude, agradecendo a um outro fraudador, um cara mais experiente, pela oportunidade de "uma nova profissão". Ele dizia: "eu sou fraudador, agradeço a fulano, que me capacitou". Antes, esse menino era seringueiro. Nunca me esqueço disso.
Qual a diferença entre o perfil socioeconômico do cibercriminoso e o do criminoso "comum", que está na rua? É só a especialização e a forma de agir?
Acho que a principal característica do cibercrime é que ele é um ecossistema. É uma cadeia de suprimentos. A melhor forma de descrever isso é como uma pirâmide. No topo, você tem os especialistas técnicos. É o cara que vai montar o hardware que faz o "chupa-cabra" na maquininha do cartão. O que cria o malware, para roubar as informações do teu PC, do teu celular, identificar a falha no site do banco. São 1% das pessoas desse meio.
No corpo da pirâmide, você tem os caras do phishing, aqueles que mandam e-mail falso o dia todo. Ele não é o mesmo cara que fez o malware. Ele só manda e-mail o dia todo, e quando sai um vazamento novo na Santa Efigênia, ele compra, e pega mais gente para mandar.
Na base, começa a se aproximar do estereótipo do perfil tradicional. Para o movimento financeiro, já tem o "laranja", ou a "mula", que vai no caixa eletrônico para sacar o dinheiro do Pix que roubaram da sua conta. Esses nem sabem de quem é a conta de onde veio aquele dinheiro.
Como é que eles operam? Em escala. Até para poder ganhar mais. E essa é uma das características do crime digital: você replica o método. Se eu criar um malware para roubar sua conta bancária, e depois copiá-lo para outras 50 mil pessoas, elas têm a mesma capacidade de roubar. E não precisam ser tão tecnicamente capacitadas quanto eu.
Este modelo de negócios é o mesmo usado por gangues de ransomware [extorsão por sequestro de dados] lá fora. Curiosamente, o Brasil não tende a ter uma gangue dessas aqui, com alvos internacionais, mas é muito vítima delas. Por que?
Não sei se tem uma resposta certeira, mas posso especular que o ecossistema no Brasil se desenvolveu associado ao setor financeiro, com roubo de cartão de crédito, ou golpe do Pix.
Aqui, você tem alguns casos de extorsão ao longo do tempo, mas eles eram mais artesanais. Teve um em 2016, por exemplo, com uma empresa que ia fazer um IPO (abertura de capital). Ela foi hackeada e vazaram os dados para prejudicar a entrada na bolsa.
Os operadores tradicionais de ransomware encontraram um filão que é: "vou entrar, roubar um monte de dados e depois vou criptografar tudo. E aí, se você não me pagar, não tem mais seus dados. E eu ainda vou vazar isso, para gerar barulho."
Isso funciona em todo tipo de empresa, de uma fabricante de carne a uma loja de roupa. Os caras pegaram esse nicho e escalaram o negócio a nível mundial. São muito profissionais.