Tilt: Imagino que esses últimos quase 12 meses foram bastante intensos. Você pode nos contar, da sua perspectiva de fundador da Ride, como foi essa trajetória até o surgimento da Grow?
Marcelo Loureiro: Teve o passo atrás, que foi decidir fazer a Ride, quando ninguém acreditava que patinete elétrica fosse ser uma coisa no Brasil. As pessoas ainda tinham dúvida se o modelo ia dar certo no mundo. Tive a sorte de estar no lugar certo, na hora certa, entender que eu deveria voltar ao Brasil, porque eu morava em Los Angeles há 10 anos e trabalhava com bicicleta compartilhada. Vi a Bird, primeira do mundo, nascer em Santa Monica do lado do meu escritório, e as pessoas adotando o serviço no primeiro mês, usando e curtindo. Já tinha decidido vender meu negócio e um dos caras chave que eu tinha na minha operação de bicicleta foi trabalhar na Bird. No que ele foi trabalhar lá, perguntei, em outubro de 2017, quem estava por trás, como era o negócio. A Ride começa a ganhar formato...
Tilt: Uns sete meses antes de sair...
Marcelo Loureiro: Exato. Em dezembro de 2017 eu vim para o Brasil com a patinete na mala. Quis experimentar se dava para andar de patinete em São Paulo ou se eu estava realmente louco. As pessoas falavam que era tudo esburacado, mas eu vi que dava. De Pinheiros para o Itaim, Vila Olímpia. Essa ciclovia hoje é ótima. Meu primeiro desafio foi encontrar um cofundador, alguém que acreditasse que a patinete elétrica ia virar um negócio em São Paulo. A indústria de patinete na Califórnia ainda estava começando e eu já tinha ido para China [em fevereiro de 2018], negociado os primeiros patinetes, começado a desenvolver o app. Tudo sozinho.
Só que eu não tinha convencido ninguém. Quando a Bird levantou os primeiros US$ 100 milhões, em março de 2018, o mundo começou a prestar atenção. Eu já estava adiantado e em processo de mudança para o Brasil. Trouxe o Gui Freire e a Paula [Nader], cofundadores. Aí trouxemos pessoas da 99, que tinham trabalhado com mobilidade e alta escalabilidade.
Tilt: Lembro que eu peguei uma patinete da Ride peguei lá na Faria Lima na época em que foi lançado. No mesmo mês, a Yellow já estava com as bicicletas e estava para lançar patinetes, e a Scoo também. Tudo na mesma janela.
Marcelo Loureiro: Só que nós éramos os que tinham conhecimento profundo do mercado. Eu tive a sorte de estar lá fora, indo e vindo de Los Angeles para São Paulo. Nesse período, acompanhei todo desenvolvimento e crescimento das marcas, os problemas e as coisas boas. Vi a Lime entrar e concorrer com a Bird, como foi a reação da concorrência; vi os problemas que elas tiveram com o governo e como resolver. Tudo isso eu já tinha mapeado.
Quando a gente lançou em agosto, éramos, sem dúvida, melhor preparados para fazer patinete. Trabalhei de charger, esse autônomo que carrega [as patinetes], tanto para a Bird quanto para a Lime na Califórnia. Vivi a experiência do lado de dentro. Três dos funcionários do Spinlister, que era a minha marca, estavam na Bird e dois na Lime. Eu tinha muita informação privilegiada, acabei aprendendo muito. Quando a gente lançou, a Scoo lançou na mesma época. Entendeu?
Tilt: Está ali, mas não é a mesma coisa.
Marcelo Loureiro: Exatamente. A Yellow, que sempre pensou em bicicleta, entendeu que a patinete ia virar o modal da vez muito tarde. De um ano para cá, o que aconteceu? Passamos por várias fases desse mercado. Da euforia em financiamento, quando os caras falavam para mim "quanto tem sobrando na sua rodada de financiamento" e queriam botar dinheiro em qualquer empresa de patinete que soubesse o que estava fazendo. Passamos pelo oposto também, porque a Yellow levantou a maior rodada de Series A da América Latina.
Todos que estavam falando comigo para fazer uma rodada maior, ficaram com dúvidas: "como é que você vai competir com a Yellow que levantou uma rodada, vai fazer fábrica". Conversei com todas as marcas que queriam vir ao Brasil, fazer uma expansão global. Com a Bird chegamos a ter um termo de compromisso feito com a Lime [que chegou ao Brasil em julho de 2018]. Conversamos com a Uber. Todos viam na gente um operador local que podia expandir a operação deles. Mas em todas as propostas eu ia virar funcionário. Era um "aquihire" [contratação por aquisição], onde eu virava um executivo, ganhava ações da empresa e entrava em uma engrenagem global.
A proposta da Grin, que era a menor das empresas, estava só no México, era a mais interessante, porque eu ainda permanecia o azarão, disposto a bater os grandes incumbentes e seria cofundador, o cara que tocaria operação no Brasil. A Grin trouxe o que não tínhamos naquele momento, que era capital. Ela tinha acabado de levantar US$ 40, 50 milhões. Ela já tinha patinetes compradas. Entendeu que o jogo ia ser volume de patinetes. Eu tinha comprado mil patinetes na Ride. Já tinha 300 na rua e até chegar a 10 mil ia demorar seis meses. A Grin já me mandou 5 mil patinetes, dinheiro e a tecnologia.
Com isso, eu recebi os três elementos que faltavam. Mais do que isso, eu tinha uma fórmula para sobreviver à rua. Sempre me perguntavam, "como é que você vai fazer? Vão roubar todos"