De olho no 5G brasileiro

Com os cintos apertados, Nokia aposta suas fichas na infraestrutura de telefonia que o Brasil vai construir

Renata Baptista De Tilt, em São Paulo Arte UOL

Ailton Santos tornou-se executivo-chefe da Nokia no Brasil há poucos meses, em janeiro deste ano, já com uma missão: criar um ecossistema de 5G aberto, robusto e com redes de alto desempenho e segurança para dar conta da chegada da conexão ultrarrápida no país —o leilão está previsto para acontecer ainda este ano, com implementação prevista para 2022.

Talvez você se lembre da empresa finlandesa pelos celulares, mas, depois de dominar o mercado da telefonia, a Nokia perdeu espaço para a concorrência e, em 2013, vendeu toda a sua área mobile para a Microsoft. Desde 2016, é a HMD Global que detém o direito de usar a marca Nokia nos telefones celulares. O foco da Nokia virou os equipamentos de telecomunicação.

A empresa fica atrás apenas da chinesa Huawei e na frente da sueca Ericsson na concorrência pelo mercado de infraestrutura para a nova conexão e vende coisas como torres de telefonia móvel, computadores telefônicos, roteadores de internet e, recentemente, novos componentes para redes sem fios de 5G.

A situação, porém, está longe de ser confortável. A empresa apertou o cinto mundialmente e aplicou um plano de reestruturação no início do ano, inclusive com a demissão de funcionários. Por essas e outras, as apostas no 5G são altas —segundo estudo conduzido pela Nokia e pela Omdia, o impacto do 5G no Brasil deve elevar em um ponto o PIB (Produto Interno Bruto), apesar do nosso atraso em aderir ao novo modelo.

A hora para reinvenção, portanto, é agora.

Tilt: Qual a situação da Nokia hoje?

Ailton Santos: Assumi o comando da Nokia em um cenário extremamente favorável. A transformação do 5G traz muita discussão e oportunidades. A nova era da economia digital muda fundamentalmente o que conhecemos até o 4G e faz com que a agenda do Brasil esteja bastante movimentada. Chegar em uma empresa como a Nokia, a segunda maior fabricante de telecomunicações do mundo, e com o seu perfil —com seu posicionamento na questão de ética, de segurança e do compromisso com a questão ambiental— é um privilégio.

Tilt: Como vê o atraso no leilão do 5G?

AS: Ações do governo me levam a confiar no prazo [de que o leilão deve acontecer até julho]. Obviamente ninguém tem bola de cristal, agora, por exemplo, o processo está no TCU (Tribunal de Contas da União), mas percebemos o alinhamento das ações de Ministério das Comunicações, Tribunal de Contas, Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que são basicamente os órgãos envolvidos na aprovação do leilão do 5G. Hoje, os indicadores levam a crer que o leilão vai ocorrer logo, mas não temos controle sobre essas ações.

Tilt: Se atrasar mais, corremos o risco de ver empresas perdendo o interesse no Brasil?

AS: É óbvio que quanto mais a gente espera, mais tempo demora para que as oportunidades sejam aproveitadas. Mas o Brasil está bem em relação ao mundo na questão tempo. Obviamente, se o atraso for significativo, pode gerar um impacto, mas se for questão de meses não chega a impactar.

O 5G não é uma corrida de 100 metros, é uma corrida de longo prazo que vai criar toda uma base para a economia digital. Em uma jornada de cinco anos, numa plataforma como o 4G, surgiram startups e soluções em todas as áreas de negócios. Meu filho faz aulas remotas por videoconferência, compro comida por aplicativos de entrega, consigo usar meu banco virtual... Posso citar centenas de serviços voltados ao consumidor. Há 10 anos, quanto dessas coisas existiam? E há 20 anos praticamente nada. O 5G vai trazer o mesmo impacto e vai quebrar paradigmas. Seria muito difícil explicar vinte anos trás as aplicações disponíveis no 4G, e hoje é abstrato para algumas pessoas entender o 5G.

Tilt: E como vocês olham para as restrições impostas à Huawei?

AS: Eu não me envolvo em assuntos geopolíticos. A Nokia não tem posicionamento geopolítico, mas posso responder tecnicamente sobre a preocupação que alguns países possuem na questão da segurança, sem falar de um fornecedor especificamente. Por que existe essa preocupação de Estado, não apenas de mercado? Se o 4G é a internet dos humanos, o 5G vai transcender a internet do consumidor e vai trazer a internet muito forte para as empresas e para a IoT [Internet das Coisas]. Hoje, quando você fala de consumidor, o principal terminal é o celular. Quando imaginar a internet das coisas —seja um carro, uma máquina de indústria, uma colheitadeira do agronegócio, um caminhão— eles vão ter acesso à internet independentemente do ser humano.

Hoje você pega seu celular e conecta a seu carro, e seu carro tem acesso à internet por seu celular. No futuro, seu carro vai ter internet independente de seu celular. E essas coisas vão conversar entre elas. Uma máquina numa fábrica vai se comunicar com outra e isso vai favorecer produtividade. Uma colheitadeira vai conversar com a outra no agronegócio e isso vai significar que elas estão trabalhando em coordenação.

Tilt: E o que significa isso em termos de segurança?

AS: Temos que garantir que essas coisas não serão hackeadas, porque o risco de segurança existe. Há o risco do chamado "denial of service", que vai negar o serviço e fazer as coisas pararem de funcionar. Imagine uma usina termelétrica totalmente inteligente parar de funcionar por um cibercriminoso, qual o prejuízo seria para um país ou uma fazenda inteira? E existe o risco também, bastante significativo, de alguém buscar informações de propriedade intelectual dessa cadeia produtiva com fins de obter alguma vantagem competitiva com as informações. Então, a preocupação do 5G é preocupação do Estado, porque tem que garantir a proteção de seus dados e dos seus serviços.

Tilt: O que a Nokia pode oferecer nesse sentido?

AS: Primeiro, somos uma empresa que foi selecionada para fazer o projeto federal de cibersegurança do 5G nos EUA. Hoje trabalhamos em parceria com o país para desenvolver processos e tecnologias de proteção dentro da cadeia do 5G. Além disso, a Nokia é uma empresa focada em ética e sustentabilidade, com premiações. Vamos reduzir as emissões de carbono pela metade, tanto em nossas operações quanto em produtos de uso, até 2030. Nossa sede é em um país democrata [a Finlândia], com instrumentos de democracia. Isso é o que a Nokia tem para trazer segurança a um Estado onde o 5G vai ser olhado da forma que vai. Não posso falar de situações de outros, mas posso falar de minha situação.

Tilt: O Brasil é um país de dimensões continentais e de muita desigualdade. Como a Nokia vê o 5G em um mercado assim?

AS: O 5G cria oportunidades, contribui para uma sociedade mais próspera, então é o que o Brasil precisa. Eu acho ótimo que o governo se preocupe que o leilão do 5G garanta isonomia e cobertura para regiões menos favorecidas em acessibilidade. Isso já faz uma diferença enorme em um país tão disperso geograficamente e tão desigual economicamente. Em cima disso, já podemos falar de algumas aplicações que podem trazer uma sociedade mais igualitária. Por exemplo, a telemedicina, que é limitada no 4G, poderá oferecer uma consulta médica por videoconferência. O 5G vai dar a oportunidade de levar os terminais de equipamentos mais caros de um hospital ou laboratório para lugares remotos. Os terminais são bem mais acessíveis economicamente e mais fáceis de serem transportados. Com isso, os dados serão transferidos para as máquinas caras que ficam centralizadas em hospitais, e assim, uma máquina que poderia atender somente poucos pacientes fisicamente por mês, atenderia diversos pacientes.

Tilt: Você deu um exemplo de aplicação prática do 5G. Como a Nokia está trabalhando nessa parte?

AS: A Nokia entende que o 5G vai demandar um pensamento de ecossistema. O Brasil tem vários talentos, e estamos fazendo parcerias com universidades e empresas, que permitem que a gente faça desenvolvimento do nosso pessoal e dos nossos clientes e testes de casos de uso do 5G. Temos parceria com o Virtus [núcleo de pesquisa em tecnologia da informação da UFCG, a Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba] e usamos 5G na parte de educação, saúde e vigilância com drones no município. Temos ainda laboratórios com empresas, como o 5G na WEG, que é uma empresa de Jaraguá do Sul (SC), que é referência no Brasil. Temos essa percepção de que o 5G não é um jogo individual, é coletivo. Você só ganha como equipe.

Tilt: Qual o foco da Nokia no Brasil? Vão mirar as operadoras de alcance nacional ou os provedores regionais de acesso à internet e as prestadoras de pequeno porte (PPPs)?

AS: Acho que tem espaço para todo mundo. As grandes operadoras sempre serão o foco da Nokia, porque têm um papel social relevante no Brasil. Mas as regionais e pequenas empresas atacam e exploram as áreas que não são necessariamente atraentes para as grandes. Para essas, a agente oferece não só tecnologia, como consultoria. Perguntei sobre quanto um pequeno provedor investiu, e me referia a percentual, ele me disse que investiu tudo. É um paradigma diferente. É a vida da pessoa, ela está apostando tudo e leva um benefício de ter acesso hoje a áreas que não estão acessíveis, pela complexidade e capilaridade que é o Brasil.

Tilt: Apesar de seguirmos em crise, quais as expectativas da Nokia um futuro próximo?

AS: Estamos nos reorganizando. É uma reorganização que foca na demanda do mercado, para clientes e acionistas. Hoje fazemos os ajustes necessários para que possamos garantir o que é esperado em competitividade e inovação, que é uma obrigação para uma empresa do tamanho da Nokia. Uma gigante de telecomunicações precisa sempre estar se reinventando e buscando aquilo que o mercado demanda

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