Um brasileiro na Nasdaq

CEO da Semantix conta como é ser primeira empresa de tech brasileira listada na bolsa de valores dos EUA

Gabriel Daros de Tilt, São Paulo

No início de agosto, a empresa brasileira de big data Semantix cumpriu um marco na maturidade de grandes companhias: realizou seu IPO (oferta pública inicial) na bolsa de valores de Nova York, a Nasdaq.

Foi o ponto alto do diretor-presidente Leonardo Santos, que ajudou a fundar a Semantix, ainda com jeitão de startup, em 2010. Ele entendeu o potencial da nova tecnologia, logo vaticinada na capa da Time: "dados serão o petróleo do futuro".

Ele e a revista estavam certos. A Semantix cresceu rápido: chegou a uma avaliação de mercado de US$ 1 bilhão. Este número atraiu a Alpha Capital, focada em aquisições de empresas para apresentá-las ao mercado internacional.

"A Alpha estudou mais de 20 mil empresas da América Latina. No final escolheram 117. Foram diminuindo esse funil, até escolher a Semantix."

Filho de pais separados, uma professora e um engenheiro, Leonardo já tinha jeito empreendedor aos 12 anos. Depois da escola, aproveitava o tempo para dar banho em cachorros e entregar pizza à noite.

"O objetivo era ganhar dinheiro — ter um foco que não fosse ficar dentro de casa jogando videogame", conta o empresário, rindo.

Aos 13, foi colocado pelo pai em um curso de computação no Senac. Aos 17, já era responsável por cuidar de todo os data centers da instituição. Antes mesmo de deixar a escola, já era beta tester da Microsoft, onde também ascendeu rápido.

Santos relembrou os desafios de sua trajetória em exclusiva com Tilt.

Um Brasil que ainda não aproveita Big Data

Se hoje muita empresa ainda não entende o poder do Big Data, a situação era ainda pior quando vocês começaram. Como a Semantix lidou com isso?

Eu estudei muitos cases, aqui e lá fora. Vi muito do que a IBM fez, nos anos 60. Ela levou o conhecimento em Cobol [linguagem de programação] para os tomadores de decisão. Hoje, a estratégia da Apple e do Google também é na educação: levar as tecnologias nas escolas, nos primórdios, para manter esse ciclo virtuoso de adoção.

Naquela época, a oportunidade que a gente levava era, no mínimo, dez vezes mais barata que a dos grandes players. O cliente dizia, "Pô, é mentira, né?" E eu dizia: "Não compra, então. Deixa a gente te explicar". E aí abri o centro de treinamento da Semantix, para levar conhecimento.

Fui chamado de louco algumas vezes, né? As empresas me diziam, "você tá dizendo que a sua tecnologia vai substituir uma IBM, uma Oracle?" E eu respondia, "Olha se você quiser é possível, mas nesse momento eu quero integrar, não substituir'".

Qual era o maior desafio nessa época?

As organizações não entendiam o que era big data, o que era inteligência artificial. Eu ouvia: "Ah, eu já tenho um banco de dados aqui". Eu falava: "Não, seu banco de dados é limitado. Você não consegue processar a capacidade que essa tecnologia vai te trazer."

Outra coisa é que os clientes dependiam de um vendedor. Um fornecedor IBM só podia escalar com máquina da IBM. Isso virava um desafio quando a empresa crescia e processava mais dados. Precisava adicionar mais capacidade de hardware, que era cara.

A nossa plataforma era diferente. O software é open source. Você pode adaptar em cima do que você quiser. Em qualquer máquina.

Demorou dois anos para começarmos a vender. Em 2013 e 2014, a gente ganhou os principais projetos big data do mercado financeiro, e aí a companhia começou a escalar.

E hoje? Os clientes já chegam com uma educação de dados suficiente para aproveitar o serviço de vocês?

Empresas de mais de 2 mil funcionários, com grande faturamento, já têm uma maturidade maior. Mas a gente ainda tem um mercado muito virgem. Se você olhar o PIB no Brasil, ele é muito lastreado pelas médias e pequenas, né? Agora é que elas começaram a procurar, mas com uma maturidade ainda muito baixa. O produto da companhia vem exatamente para isso: para diminuir esse gap e acelerar essa jornada no mundo de dados.

Abrindo o capital no exterior

Por que um IPO? Por que abrir o capital?

Nós queremos ser uma empresa de tecnologia global. Para isso, você tem que ter visibilidade mundial. E para isso, nada melhor do que você estar na maior bolsa de tecnologia do mundo.

Diferente de outras empresas brasileiras que estão em NASDAQ, nós somos uma Deep Tech. A Semantix vende tecnologia — e a NASDAQ quer exatamente isso: empresas cuja essência é vender tecnologia.

Passar pelo crivo da SEC [agência de regulação comercial dos EUA] e estar listado na Bolsa torna a capacidade da companhia inquestionável perante clientes e competidores.

No final, a gente não pode esquecer: a gente veio do Brasil, que não tem uma tradição de empresas de alta tecnologia globais. Então, ainda existe muito questionamento. Acho que ser uma empresa listada na NASDAQ vai mitigar isso.

Quais foram os preparativos para realizar o IPO?

Nossa primeira expectativa era ter um caixa mínimo e mitigar esse risco. A gente criou um pipeline em paralelo para entrada de recursos na companhia. O objetivo era, no mínimo, US$ 85 milhões. Conseguimos US$ 117 milhões.

A segunda coisa era preparar a organização para ser uma empresa americana - o que não é trivial. As leis brasileiras são totalmente diferente das americanas no aspecto tributário. Foi um outro desafio: mudar, por exemplo, a nossa contabilidade inteira de BR GAP para US GAP, as regulamentações fiscais de lá.

O terceiro desafio foi trazer pessoas mais preparadas. A gente não tinha esse conhecimento de trabalhar com fundos em uma empresa de capital aberto. A mesma coisa com análise, planejamento financeiro e com marketing. Precisamos de uma agenda em todas essas áreas para passar no crivo das leis americanas.

Empreender no Brasil não é simples...

Um dos motivos citados no anúncio da fusão com a Alpha Capital é que vocês tiveram um crescimento elevadíssimo - algo destacado como raro numa empresa de dados. Por que isso é raro?

Porque as empresas de dados hoje queimam muito caixa. Se você pegar os nossos competidores, que são internacionais, eu provoco: todos não são geradores de caixa. Todos queimam caixa. Não são componentes que geram receita.

O modelo de negócio deles é cada vez mais adicionar clientes, comprar mercado, adicionar novas tecnologias — investir cada vez mais em expansão. A Semantix, pelo contrário: ela sempre prezou pela geração de caixa.

E o que muda empreendendo neste cenário?

A empresa brasileira enfrenta custo de capital muito alto. Nós estamos acostumados com economia inflacionária, com desemprego.

Somos diferentes dessas outras economias, que têm capital barato e inflação muitas vezes zero. Nosso país traz essa maturidade para o empreendedor: você precisa estar preparado para os períodos de baixa. Tudo é cíclico.

A gente sempre quis preservar o caixa por isso. E quando a gente vê o que está acontecendo no mercado internacional, isso é um diferencial. O investidor, agora, quer diminuir o risco dele. Nossa estratégia sempre esteve baseada nesse período de baixa. A gente estava preparado para esse momento.

... mas também tem seus méritos

Você acha que tem alguma característica brasileira no DNA da Semantix que fez a diferença para o sucesso?

Sem dúvida. A nossa capacidade multidisciplinar, você não vê lá fora. [No exterior] o cara é especialista numa coisa só.

Acho que nosso carisma como brasileiro é outro diferencial. Somos um povo muito criativo. A gente tem uma capacidade de trabalhar com o inesperado que é muito diferente, por estar nessa economia que é cíclica, onde você tem que prever o risco em tudo.

Essa nossa capacidade cria casca, cria robustez, para ser competitivo e para ir muito além desses competidores.

Para onde você acha que um futuro "data driven" vai levar a gente?

Eu gosto muito de uma frase do livro do Phil Knight, o fundador da Nike: "se você tem um corpo, você é um atleta." Eu acho algo similar: se você pensa, você gera dados. Dados são a capacidade das pessoas de entenderem, melhorarem as economias, a vida, o tempo.

Então, a medida que você cria inteligência através de dados, você melhora tudo isso. Você distribui mais, é muito mais competitivo.

Acho que essa década é uma década de dados. E a importância vai só aumentar porque porque o dado é matéria-prima da Inteligência Artificial.

Vamos entrar numa nova "Era da Inteligência". E aí você vai falar de computação quântica, de web 3.0, a gente vai falar de organizações descentralizadas, geridas por protocolos de dados, por certificações e moedas digitais. A Semantix vai estar lá.

Topo