Na Austrália, o governo investigou o mercado de mídia e o poder das plataformas norte-americanas e decidiu que Facebook e Google deveriam negociar um acordo que envolvesse pagamentos com as empresas de conteúdo.
Três pontos travaram as conversas: acesso a dados de usuários, aviso prévio sobre alterações nos algoritmos e pagamento pelos conteúdos. Diante do impasse, o governo escreveu um código de conduta, divulgado em agosto último, que impõe às plataformas:
- avisar os editores com 28 dias de antecedência sobre mudanças nos algoritmos (que mudam a forma como as notícias são distribuídas, bem como o seu alcance)
- compartilhar com os veículos os dados coletados sobre a interação dos usuários com as notícias
- direcionar pagamentos justos aos veículos. Em caso de descumprimento, a penalidade é de até 10% da receita anual da empresa.
Diante das imposições, o Google passou a veicular textos nas páginas dizendo que "os serviços grátis do Google estão em risco" e os dados das pessoas seriam compartilhados com as produtoras de conteúdo. Em resposta, o ACCC (Australian Competition and Consumer Commission), espécie de Cade local, respondeu que isso era "desinformação", já que não se fala em cobrar por serviços gratuitos ou coletar dados.
"Ouvimos o feedback do governo, reguladores e indústria e estamos em discussões para licenciar e pagar para exibir ou fornecer acesso total ao conteúdo de notícias", escreveu Mel Silva, vice-presidente do Google Austrália, em texto no blog da empresa. "Mas já existe uma troca substancial de valores nos dois sentidos", defende. "Em resumo, as empresas de mídia provavelmente obterão muito mais benefícios de conteúdo cruzado do que geram."
Segundo ela, o valor que o Google obtém com notícias é muito pequeno, em torno de 10 milhões de dólares australianos (R$ 38 milhões) em receita, e não lucro, porque a empresa não exibe anúncios no Google News ou na aba de notícias do buscador. Os editores locais receberiam cerca de R$ 837 milhões por ano com tráfego vindo do Google —ela usa um estudo da auditoria europeia Deloitte para dizer que o buscador direciona usuários para sites de notícias 24 bilhões de vezes por mês e que cada clique equivale a entre 4 e 7 centavos de dólar para os veículos.
O Facebook avisou que se a regra seguir do jeito que está será obrigado a tirar notícias da rede social na Austrália (seja compartilhadas por veículos ou usuários), como "última escolha". A empresa chama a lei de "sem precedentes no alcance".
"O mais surpreendente é que forçaria o Facebook a pagar às organizações de notícias pelo conteúdo que elas publicam voluntariamente em nossas plataformas e a um valor que ignora o retorno financeiro que trazemos para elas. Notícias representam uma fração do que as pessoas veem em seu Feed de Notícias e não são uma fonte significativa de receita para nós", rebate a rede social.
Antes, a rede social já disse que "poderia sobreviver sem notícias", em resposta à lei australiana. O argumento geral da plataforma é que os veículos publicam no Facebook por opção e incentivam o compartilhamento na rede social para impulsionar a audiência e, assim, gerar mais receita com publicidade - em uma relação que supostamente os dois lados ganhariam.
Atualmente, boa parte da audiência dos meios de comunicação online vem mesmo desses canais, mas uma mudança drástica do algoritmo do Facebook mostrou o poder que as "big techs" tem nas mãos. Em 2018, a rede social escolheu priorizar posts de amigos e familiares no feed e isso derrubou o alcance dos conteúdos jornalísticos de um dia para o outro.
"O argumento das plataformas é de que os dois lados ganham, mas é uma relação completamente assimétrica. Eles têm um poder gigante na vida e morte dos veículos com seus algoritmos, enquanto o inverso não acontece", opina Nikos Smyrnaios.