Enquanto fala sobre o futuro, no escritório da companhia em São Paulo, Gonçalves gosta de refletir como era a vida antes de nos tornarmos viciados em tecnologia. Lembra da dureza de ligar para radiotáxis, dos computadores de tubo, de usar mapas de papel para descobrir como se virar pela rua. Mas fala, sobretudo, de como evoluiu a relação da família com as telinhas.
"Vou falar sobre a minha experiência, porque a família toda é geek. Outro dia, estávamos no quarto eu, minha esposa e meu filho, vendo e buscando a mesma coisa, cada um no seu computador. E ainda tinha dois tablets largados na cama. Os três com cinco dispositivos. Na minha infância, TV no quarto já era um luxo. Nesse dia, a única coisa que estava desligada era a TV."
Esse exemplo foi dado para mostrar que, ainda que tenha sido destronado pelo celular, o computador é ainda mais presente na vida das pessoas do que jamais foi uma TV, e isso não deve acabar. "O computador estará presente em tudo quanto é lugar. Talvez de uma forma até exagerada, que a gente deva até conter." A popularização da computação trazida pelos PCs, reflete Gonçalves, é um dos abalos sísmicos que sacudiram o mundo.
Tilt - Nesses 20 anos da Dell no Brasil, como a tecnologia mudou?
Luis Fernando Gonçalves - Mudou a forma como compreendemos nosso papel. No final dos anos 90, o foco era tecnologia para aumentar eficiência operacional nas empresas. Fazer mais com menos ou mais rápido. Hoje, a tecnologia aproxima agentes econômicos ou sociais, permite que se comuniquem e entreguem ou incrementem serviços e produtos.
Já não estamos só fazendo processo produtivo ou contábil, mais rápido e eficiente. Hoje em dia, influenciamos a vida das pessoas, para o bem e para o mal. A gente acessa serviços públicos e até, eventualmente, influencia a opinião de eleitores no momento de uma eleição. Quem você escolhe como representante ou como você acessa serviços públicos para alcançar sua cidadania são situações impactantes na vida do cidadão. Isso não era pensado há duas décadas.
Nossa cultura permanece a mesma, mas a Dell mudou muito. Entramos em mercados e domínios onde não atuávamos. Precisamos desenvolver competências de vendas e para atuar nesses segmentos. Como fizemos grandes aquisições, tivemos que absorver companhias e até nos adaptar à cultura delas na forma de operar. O caso mais emblemático é a EMC [empresa de armazenamento de dados comprada em 2015], com dezenas de milhares de colaboradores no mundo. A empresa tem conseguido conviver com alguns movimentos tectônicos do mercado e do mundo, evoluir com eles e até mesmo antecipar alguns deles.
Tilt - Quais esses movimentos tectônicos?
Luis Fernando Gonçalves - O mais emblemático é essa transformação digital, a disseminação da tecnologia digital em todos as frentes de interação de indivíduos e empresas. Hoje, você se apoia muito na tecnologia para fazer e falar, seja entre indivíduos, companhias ou instituições. Essa conexão muda a forma como a gente se relaciona, trabalha e enxergamos a nossa vida. Agora, temos outras fontes para expandir e emanar nossas visões de mundo, assim como para interagir com a visão de mundo dos outros.
Outro movimento tectônico mais forte no passado, mas hoje já incluído na equação, é a redução do custo da tecnologia. Na hora que ela se massificou, foi se tornando acessível para todo mundo. Com o computador em casa, a internet pode conectar todo mundo e, dali para frente, surgiram instrumentos para tirar proveito dessa conectividade. Antigamente, táxi tinha rádio. Você ligava para a central, que falava com o taxista via rádio para buscar o Luis Fernando. Hoje, o instrumento multiuso é o celular, comprado diretamente pelo taxista. Isso permite que toda a transação seja virtual. O serviço é o mesmo, mas a malha foi ampliada de forma absurda, sem o custo operacional que o rádio impunha.