Minha árvore por direito
Maju Coutinho | Por Helton Simões Gomes, editor de diversidade do UOL
Maju Coutinho | Por Helton Simões Gomes, editor de diversidade do UOL
O exame de DNA se popularizou. Mais barato e fácil de fazer, ele virou uma importante ferramenta para resgatar a ancestralidade negra do povo brasileiro. Tilt propôs, e 20 personalidades toparam fazer o teste e olhar para essa cicatriz histórica gerada pela escravidão no Brasil (veja abaixo). Se você quer entender o papel da ferramenta genética e como o Estado brasileiro moeu memórias, leia o texto "Quando o DNA diz de onde vim", que dá início ao projeto documental Origens. Agora, é hora de elas contarem o que descobriram e de onde vieram. Com a palavra, Maju Coutinho:
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?
A jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju, cresceu ouvindo histórias que traziam informações dispersas sobre a origem de sua família: vieram de Minas Gerais, parte morava em Tupã (SP), tinham algo de polonês e alguma herança indígena. Foi o teste de DNA, no entanto, que selou a conexão com suas raízes. Ela foi uma das primeiras a topar mergulhar no projeto "Origens" e estava muito ansiosa.
Com o resultado em mãos, diz que conquistou, enfim, algo que deveria ser seu por direito e se apropriou da própria história. "Estava na escuridão da minha origem e, de repente, clareou. Ainda há muito para digerir, e vai mexer mais. É um negócio que dá um nó na garganta. Não senti isso quando abri o teste nem quando comemorei com meus pais, mas essa conversa foi mexendo no físico", afirma.
Agora, ligue o som no canto superior direito.
Maju foi criada na zona leste de São Paulo, ouvindo as histórias da avó materna sobre o passado da família. A mulher, que trabalhava como empregada doméstica, foi quem insistiu para a mãe da jornalista virar professora. Ela contou, por exemplo, que o tataravô era alfabetizado e escrevia cartas, algo raro para homens negros do século 19, e que "Maria Julia" foi uma homenagem à tataravó de mesmo nome e apelidada de "Samucuta".
"Eu lembro muito da minha avó falando Samucuta... Não é um nome em português. Triste como isso se perde, ninguém me explicava o que era, chegava de uma forma oral e eu nem questionava", conta.
Agora, Maju tenta ligar as informações obtidas no exame e esses pedaços de histórias depositados no fundo da memória. O amendoim e o frango da casa da avó, os saberes ancestrais sobre as plantas medicinais e seu desejo de conexão com a natureza teriam vindo dos antepassados de que ela não tem notícia? "Eu me ressinto. Gostaria de resgatar, porque eu perdi isso."
"Consigo chegar até a história da minha avó, um pouco da bisavó materna, a Vó Linha. Da paterna, tenho poucas informações, porque morreu quando meu pai era pequeno. É muito forte essa questão do matriarcado, sempre ouvimos a história das mulheres. Elas estavam ali, mesmo que não presencialmente, nas conversas da família, mas nunca avançamos nessa lacuna: não sei dizer de onde elas vieram."
Submeter-se ao teste de DNA foi a chance de Maju começar a preencher os galhos vazios da sua árvore genealógica. Entre fazer o teste e receber o resultado, conta que sentiu um misto de alegria e perplexidade. Foram seis longas semanas de espera.
A esperança de conhecer este passado apagado fez toda a família entrar na dança. Os pais dela, o marido e o irmão fizeram o teste em seguida. "Estava todo mundo em polvorosa e curioso", lembra. O irmão chegou a comparar o procedimento a algo como um teste de paternidade — em vez do pai, descobriria as origens de seus antepassados. Para Maju, veio o clarão: "Como é violento esse processo de escravizar um homem e retirar a sua história, o seu passado."
Além de não possuir raiz em Moçambique, chamou a atenção da apresentadora a baixa porcentagem de ascendência indígena. "Minha vó sempre frisava: tem negros, indígenas e até polonês. E essa história do polonês era meio que uma lenda. E não é que quando a gente abriu o teste da minha mãe apareceu uma parte da Polônia? A vó tinha razão nisso", explica.
Desde que se viu diante de raízes há muito encobertas, a apresentadora mergulhou em leituras para compreender sua origem, organizou as várias perguntas que surgiram (mais numerosas do que as respostas) e arrastou a família na busca pela história de seus antepassados.
Sua cabeceira foi ocupada por pensadores como o poeta francês Aimé Césaire, o ativista político sul-africano Nelson Mandela e a escritora e psicóloga portuguesa Grada Kilomba.
Maju explica que encontrou nas páginas dos livros a verdade crua do que foi imposto ao povo negro. "Eles estão mexendo com as feridas mais do que o próprio teste", afirma. "Dá para ver o que nos foi tirado, as possibilidades perdidas. Não quero ficar chorando o leite derramado, mas foi um atravessamento injusto que é bom poder tentar resgatar."
Por conta da pandemia, a luz que caiu sobre a origem genética tem rendido longas conversas telefônicas com os familiares mais próximos. Maju planeja sentar com todos para trocar figurinhas e tentar achar mais respostas. Mas isso vai ficar para depois do isolamento social.
Ela brinca que, se pudesse, faria uma "videochamada espiritual" para bater um bom papo com as matriarcas. Enquanto não acha um jeito de ter acesso ao passado, alegra-se com a ideia de que seus filhos, se um dia os tiver, terão uma história familiar mais detalhada para contar.
Outra coisa que está nos planos assim que a pandemia acabar é visitar países da África, principalmente o Benin — um pequeno país no oeste do continente. Ela diz que pretende "mudar a chave", ou seja, absorver tanto quanto possível da cultura que, agora, descobriu ser tão sua.
Publicado em 20 de abril de 2021.
Reportagem: Helton Simões Gomes e Lola Ferreira
Coordenação e Edição: Fabiana Uchinaka e Helton Simões Gomes
Produção: Barbara Therrie
Arte: Deborah Faleiros
Este é um capítulo da série
Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?