Se uma mulher sofre algum tipo de assédio no ambiente de trabalho, a empresa tem a responsabilidade de tomar uma atitude contra isso, certo? Mas, no caso dos aplicativos de transporte, a coisa não funciona bem assim.
As plataformas de empresas como Uber, 99 e Cabify funcionam como mediadores entre quem deseja contratar um serviço e quem está disposto a oferecê-lo. Ou seja, os carros não pertencem às empresas e os motoristas não são profissionais vinculados. Eles trabalham em um esquema de parceria.
Por essa dinâmica, a advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital, acredita que juridicamente a Uber —plataforma onde os três casos aconteceram— dificilmente pode ser responsabilizada.
"O caso de assédio é uma situação muito específica que ocorre diretamente dentro do veículo, entre motorista e passageiro, e não por meio da plataforma. É um problema que se inicia a partir do momento que o passageiro ingressa no veículo. Por conta disso, a Uber não é responsável por esse tipo de situação", explica.
O Código de Defesa do Consumidor brasileiro isenta da responsabilidade uma empresa que tenha oferecido um serviço adequadamente. Aplicando a regra para a dinâmica da Uber, o aplicativo concluiu a sua parte no processo adequadamente ao conectar os passageiros e as motoristas.
Apesar disso, dada a gravidade do problema, a advogada acredita que as empresas devem se colocar à disposição das motoristas assediadas, oferecer auxílio jurídico e criar campanhas ensinando como elas podem se defender.
A também advogada Vanessa de Araújo Souza, especialista em leis de tecnologia que trabalha no Vale do Silício (região nos Estados Unidos onde a Uber nasceu) e no Reino Unido, explica que as políticas da Uber até o ano passado eram mais brandas para casos de assédio. Mas, com o movimento "MeToo" as empresas começaram a adotar novas normas de conduta e, em tese, estão mais pró-ativas em coibir esses tipos de conduta.
Existem críticas sobre a forma pouco clara como os usuários da plataforma são punidos, mas a advogada considera que há uma mudança efetiva sobre a política de diversidade, que passou a banir racismo, assédio sexual e protege mais motoristas e passageiros.
Se não é responsável, o crime fica impune?
Não. Apesar de a empresa poder não ser responsabilizada em um processo judicial (tudo também depende da percepção do juiz que vai decidir o caso), um processo criminal pode e deve ser iniciado.
Para a advogada Souza, as vítimas devem denunciar os crimes para os órgãos policiais e autoridades públicas visando coibir tais condutas, "pois se tratam de questões onde o princípio da dignidade humana deve prevalecer sobre qualquer modelo de negócios desenhando no Vale do Silício".