O que Peres fez foi voltar milhares de anos para entender como era a configuração genética do tomate em sua forma selvagem, que parecia uma erva daninha.
Em vez de ajustar uma variedade domesticada de tomate, eles voltaram à estaca zero e usaram o Crispr para eliminar um punhado de genes de uma vez. O desafio era recuperar as características dos ancestrais que pudessem servir para os alimentos do futuro. "Ficamos 20 anos trabalhando nisso. A razão do insucesso é uma questão numérica: essas resistências surgiram há milhares de anos. Às vezes, milhões", explica.
A manipulação começou com o tomate Solanum pimpinellifolium, que é mais resistente, mas produz frutos do tamanho de uma ervilha. Ele passou por um plantio direto (sem arar) e foi melhorado com edição genética, num processo que durou menos de dois anos.
Com o Crispr, a equipe pegou um trecho do DNA e modificou parte da sequência com precisão para colocar a espécie próxima de um tomateiro comercializável, com frutos maiores, mais numerosos e mais nutritivos. Foi como comprimir todo o tempo de evolução, que levou milhares de anos até chegar ao resultado que conhecemos, em poucos meses e controlando os caminhos genéticos tomados.
Assim como as espécies originais do Atacama e de Galápagos, o tomate do futuro é pequeno, mas enfim naturalmente resistente à salinidade e à seca, ou seja, sem precisar de agrotóxicos. Também possui cinco vezes mais licopeno, substância carotenóide que dá a cor avermelhada ao tomate e outras frutas, como melancia e goiaba. "É a coisa mais valiosa do tomate", explica Peres.
"O poder desta técnica é que podemos editar o DNA de uma maneira bastante precisa, escolhendo o lugar do genoma onde queremos que o DNA seja cortado e mutado", explicou a Tilt o professor de genética bioquímica Vagner Augusto Benedito, da West Virginia University (EUA).
"Se fosse um livro, em vez de você inserir uma página nova [como acontece nos transgênicos], você só edita uma letra ou palavra", exemplificou Martín Bonamino, pesquisador do grupo de imunologia tumoral do INCA (Instituto Nacional do Câncer) e especialista em Crispr da Fiocruz, no podcast Deu Tilt.
No Brasil, os principais colaboradores de Peres foram o professor Luciano Freschi, do Instituto de Biociências da USP, e o argentino Agustin Zsögön, seu ex-aluno e hoje professor na Universidade Federal de Viçosa (MG). O texto tem a assinatura também do pesquisador alemão Jöerg Kudla, da Universidade de Münster, e do norte-americano Daniel Voytas, da Universidade de Minnesota.