Fortalecendo o sinal

Para chefão da TP-Link, o desafio é convencer brasileiros a gastarem mais com roteador wi-fi

Lucas Carvalho De Tilt, em São Paulo

Quando Marcello Liviero começou a trabalhar com tecnologia no Brasil, a ideia de acessar a internet sem fios parecia coisa de ficção científica. Nos poucos escritórios em que o tal do wi-fi já existia, a experiência era longe do ideal. "Para conectar quatro pessoas simultaneamente você tinha que colocar um roteador no meio da mesa e as quatro pessoas tinham que estar próximas, e invariavelmente uma delas caía. Custava caro", diz.

Liviero foi um dos responsáveis por trazer a TP-Link ao Brasil em 2006, quando a então pequena empresa chinesa começava a dar os primeiros passos em sua expansão internacional. Ele foi intermediário nas vendas dos roteadores da marca no mercado nacional até 2013, ano em que a companhia, após dominar 50% das vendas, decidiu fortalecer o negócio em solo brasileiro. O executivo foi então escolhido para liderar a parte comercial da empresa por aqui.

Com o passar dos anos, a marca chinesa se manteve como um nome de peso no setor de roteadores. Mas não é porque o wi-fi virou o "arroz com feijão" do prato tecnológico do brasileiro que a empresa está acomodada. O desafio agora é convencer o consumidor a pagar mais por roteadores mais potentes, e ensiná-lo a tomar mais cuidado com sua segurança online.

Arroz com feijão

Tilt: Segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], 82,7% dos brasileiros têm acesso à internet e 77,9% dos domicílios no Brasil possuem banda larga fixa. Ficou fácil vender roteador?

Marcello Liviero: Hoje todo mundo sabe que precisa de wireless, todo mundo quer wireless —é quase que um arroz e feijão. Mas as pessoas ainda têm aquela resistência de investir nisso. Investir que eu digo é investir da forma como eles investem numa TV de tela grande, como eles investem em smartphones. As pessoas não têm medo, se endividam, assumem compromissos para adquirir esses produtos porque elas entendem que são produtos que vão colaborar para que elas tenham as demandas atendidas. Mas se esquecem que, muitas vezes, para aquele produto funcionar de uma forma adequada, um bom roteador é extremamente necessário.

Tilt: Isso mudou com a pandemia e a covid-19?

ML: O mercado de wireless acelerou em função da pandemia, com essa necessidade de as pessoas estarem trabalhando, estudando e se entretendo dentro de casa. Foi um choque de realidade. As pessoas entenderam que não bastava ter uma banda larga rápida no papel. Elas querem saber da velocidade da internet sentadas no sofá zapeando no celular, não da velocidade contratada com um cabo de rede plugado no notebook no escritório. O ano de 2020 para a gente foi mágico. A TP-Link cresceu cinco anos em um. E só não crescemos mais por falta de produto.

Escassez de chips

O ano de 2020 pode ter sido "mágico" para as vendas da TP-Link, mas nem mesmo a empresa se safou do maior impacto que a covid-19 trouxe para o mercado global de tecnologia: a escassez de chips. Uma combinação fatal de falta de matéria-prima com fechamentos de fábricas no epicentro da pandemia, na China, fez com que os componentes que equipam de carros a aviões, notebooks e, claro, roteadores, ficasse mais difícil e mais caro de produzir e comprar.

Tilt: Como a crise de falta de chips impactou a TP-Link?

ML: Tentamos nos preparar no início de 2021 com estoques um pouco mais altos. Mesmo assim, não foi suficiente. O que a fábrica conseguiu nos entregar não foi suficiente para atender toda a demanda que temos atualmente. Antes disso, o problema foi o aumento abrupto da demanda. É muito difícil se preparar para um crescimento desses.

Tilt: Como a TP-Link se saiu nessa crise, em comparação com outras empresas e segmentos?

ML: É óbvio que a indústria de wireless não é tão grande quanto a de smartphones, que tem muito mais volume e valor agregado. Portanto, o fabricante de chipset [basicamente, o componente que gerencia o fluxo de dados em eletrônicos], na hora que tiver que dividir o que tem na mão, ele vai olhar obviamente para esses diferentes mercados para poder prosseguir com a divisão. Mas dentro do segmento wireless, a TP-Link é o maior consumidor global de chipsets. Portanto, temos prioridade nesse abastecimento em relação à concorrência.

5G vai tornar a internet fixa coisa do passado?

Em meio ao boom de vendas de roteadores para internet fixa, o Brasil finalmente começou a tirar do papel o 5G, a quinta geração de internet móvel que promete levar a qualquer lugar a velocidade e a estabilidade da banda larga doméstica. O leilão das frequências autorizadas para o 5G foi feito em novembro de 2021 e, até julho de 2022, todas as capitais já devem ter um pedacinho da nova internet.

Tilt: A chegada do 5G significa que a internet fixa se tornou obsoleta?

ML: O 5G é uma revolução na conexão móvel, fora da sua casa, que eventualmente vai competir com algumas tecnologias de banda larga residencial. Para a TP Link, isso é ótimo. Porque isso impulsiona novas tecnologias. Você imagina o cara com uma ultra velocidade 5G dentro de casa precisando compartilhar isso entre os equipamentos que ele tem? Ele vai precisar de um roteador wi-fi 6. É a tecnologia impulsionando a tecnologia.

Tilt: As tecnologias do momento são wi-fi 6 e mesh, que prometem levar o sinal de internet mais longe, mais rápido e com mais estabilidade. O que vem depois?

ML: Tem tanta coisa sendo desenvolvida... assim como outras tantas foram e não vingaram. Tecnologias que o wi-fi 6 acelerou, superou e passou por cima. Eu não poderia afirmar aqui aquilo que vai virar. O que posso dizer agora é que o que temos de melhor para o consumidor final, para o público residencial, de escritórios, pequenos negócios, restaurantes, até para a linha corporativa, é wi-fi 6 com mesh.

Menos caixas, mais grana

Tilt: E depois da pandemia, como fica a TP-Link? Tem como manter esse crescimento no longo prazo?

ML: Boa pergunta. Podemos olhar para o crescimento de duas formas. A primeira delas é volume: quantidade, caixinha. O outro é grana, faturamento, negócio. Em 2021, os nossos volumes caíram em torno de 5% em relação ao mesmo período do ano passado. Mas o nosso faturamento cresceu quase 50%.

Tilt: Então o segredo é vender menos e mais caro...

ML: O que acontece é que o primeiro contato de um novo usuário com a banda larga fixa geralmente é pela porta de entrada, por um produto mais barato. O cara não tinha o contato com essa tecnologia, aí ele contratou uma banda larga e colocou um roteadorzinho barato dentro de casa. Depois de alguns meses ele chega à conclusão de que, quando ele está na cozinha, o sinal não é legal. O que ele vai fazer agora? Vai buscar o equipamento que atenda à demanda dele agora que ele sabe qual é. Então ele busca produtos que têm mais performance, e que consequentemente são mais caros.

Tilt: O que um roteador mais caro tem de diferente para um roteador mais barato?

ML: Temos crescido muito as nossas vendas num produto com tecnologia mesh. Isso é o que resolve o problema de sinal dentro das casas das pessoas, é fantástico. E são produtos com tíquete para venda ao consumidor final de mais de R$ 1.500. Aí que é legal. Temos crescido as vendas desse nível de produto muito rapidamente. Isso obviamente aumenta o volume de negócios que a gente tem em grana, mesmo que isso signifique uma redução em volume de peças transacionadas.

Brasil no mapa da empresa

Tilt: Qual é a relação da matriz da TP-Link com o Brasil?

ML: O Brasil sempre foi muito relevante para a TP-Link no mundo, desde o começo. Tirando China e EUA, a TP-Link do Brasil é a maior subsidiária em termos de negócios. Temos um time de engenharia aqui no Brasil que fica responsável por levantar informações, as necessidades do consumidor local, e trocar figurinha com os laboratórios [na China, EUA e Vietnã] para que os produtos de fato sejam adequados à nossa realidade.

Tilt: Há interesse em aumentar o investimento? Fazer pesquisa e desenvolvimento aqui, por exemplo?

ML: O Brasil oferece muitas barreiras fiscais e muita insegurança política. Já estudamos várias vezes fabricação nacional para utilização de benefícios, e aí eventualmente ter até pesquisa e desenvolvimento aqui. Íamos começar a rodar esse processo no começo de 2020, só que em março nós tivemos essa situação da covid, e aí o plano foi abortado. A gente deve retomar esse assunto em 2022, mas é bastante confuso e complexo.

Tilt: O cenário político influencia? Pensando que estamos em ano de eleições?

ML: O mundo político afeta muito o mundo econômico, sabemos disso. Mas de quatro em quatro anos tem eleição, muda um, vem outro... Isso não é algo que nos assusta ou preocupa. Acreditamos no nosso trabalho, no nosso produto, no país, no povo brasileiro. Eu não acho que [eleições] seja uma pauta que mudaria os nossos planos. Nunca foi assim.

Senha: 123

Deixar o roteador sem proteção pode permitir que um cibercriminoso invada seu wi-fi, monitore suas atividades online e até roube dados pessoais ou mesmo dinheiro com apenas algumas simples mudanças na configuração do aparelho. Temos dicas de como se proteger, mas qual é o papel das fabricantes?

Tilt: Os roteadores não poderiam vir mais seguros de fábrica? Exigir alteração de senha ou não usar aquela senha padrão que ninguém muda?

ML: Procuramos fazer muita coisa na parte de desenvolvimento de produto, para que o usuário não precise fazer nada, e o equipamento faça tudo por ele. Mas infelizmente não é o suficiente. Eu não posso fazer o update de firmware [atualização de sistema] no equipamento sem autorização. Mesmo antes da LGPD, sempre foi uma política nossa respeitar a privacidade, não invadir, não colocar nenhuma carga de arquivos ou de conteúdo para o nosso cliente sem o consentimento explícito dele. E mesmo assim, trabalhamos em campanhas de conscientização para que esse usuário se proteja, atualize o firmware e o antivírus.

Tilt: Qual é o maior concorrente da TP-Link hoje? Se não é o 5G, é o cabo de rede?

ML: [risos] Nosso maior concorrente é o desconhecimento do público sobre a tecnologia. Fazendo uma analogia, é como quando você vai num restaurante e o cara te entrega um menu com 30 páginas e fonte Arial 11. Você não sabe o que escolher. Existe muita desinformação ainda. Como o mercado cresce, muitos oportunistas querem beliscar uma parte dele. As pessoas contratam 300 MB de internet e ficam rodando com roteador que não consegue transmitir nem 100 MB. [O nosso concorrente] não é o cabo de rede, definitivamente.

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